Analfabetismo digital

Imprudências cometidas na internet não estão à margem da lei

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  • Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita

    é sócia-fundadora do Siqueira Lazzareschi de Mesquita Advogados mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Comissão de Direito Digital e Compliance e da Coordenadoria dos Crimes contra a Inocência da OAB-SP.

14 de outubro de 2014, 6h12

O direito é um instrumento vivo que está em constante mutação, evoluindo e adaptando-se às novas necessidades da sociedade. Historicamente, surgem as relações humanas e posteriormente normas que as regulem. Com o advento das novas tecnologias e meios de comunicação, a sociedade avançou como nunca visto antes. Mas trouxe, em contrapartida, a necessidade de adequações legais frente a esta nova realidade. E que precisaram tentar vigorar até na mesma velocidade destes nem tão novos tempos. Pierre Lévy, filósofo francês da cultura virtual contemporânea, ao tratar do tema “ciberdemocracia”, limita o alcance da democracia digital na cognição humana, mais especificamente no analfabetismo digital.

O acesso a outras culturas encontrará óbice na ausência de conhecimento de outros idiomas, mas este não é o problema. A grande questão é a falta de pensamento crítico e lógico acerca do que está sendo produzido no mundo digital. O surgimento de aplicativos como Twitter, Facebook, Instagram e as famosas hashtags permitem a qualquer pessoa contribuir para a classificação da memória coletiva, categorizando e criando conhecimento, fato que gera responsabilidade não apenas social, como também legal.

Deste modo, não são os provedores de acesso ou de conteúdo, mas, sim, o próprio usuário, criador dos problemas no cyber cosmo. Imprudente como um condutor não habilitado, utiliza-se da ferramenta sem conhecê-la. Navega-se com a falsa ideia de que o “mar da internet” está à margem da legislação. Trafega-se por uma seara onde tudo é possível e sem qualquer consequência ou possibilidade de identificação.

As imprudências cometidas não estão restritas aos jovens — inseridos no meio digital cada vez mais cedo, com acesso irrestrito e sem qualquer supervisão parental — mas por qualquer usuário, desde aquele que fornece suas senhas de acesso à conta bancária em suposta atualização solicitada pelo banco até o post ironizando ou ridicularizando uma pessoa, seja esta física ou jurídica.

A internet não está à margem da lei. A conduta típica penal ou civil será caracterizada independente do meio inserido. Já as lacunas da lei, identificadas em nossos dias, são trazidas pelos próprios avanços sociais. Por exemplo, a Lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, trouxe inovações ao mundo jurídico quanto à proteção de dados e informações pessoais e corporativas, questão antes não regulamentada, a lacuna existente permitia a impunidade tanto no cyber cosmo quanto no mundo físico. Ao seu turno a Lei 12.965/2014, ou Marco Civil da Internet, surgiu para definir regras a respeito dos direitos e deveres do uso na rede no Brasil, aplicáveis aos usuários, prestadores de serviços e provedores de conexão.

E caminhando em conjunto com a lei 12.965/2014 vigente, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Facebook Brasil, proprietário do aplicativo WhatsApp, divulgasse a identificação dos envolvidos, bem como o conteúdo de conversas de dois grupos, que continham mensagens e montagens pornográficas com fotos de uma estudante. E mais, em uma busca rápida perante o mesmo tribunal é possível obter um número significativo de processos ajuizados sob os mesmos fundamentos “conteúdos ofensivos, retirada dos conteúdos ofensivos e indenização por danos materiais e morais”, casos estes, que guardadas suas peculiaridades, com pedido de liminar deferido.

As decisões acima mencionadas estão fundamentadas em cláusulas constitucionais pétreas, que asseguram a todos a livre “manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (artigo 5º, inciso IV), e a inviolabilidade da “intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (artigo 5º, inciso X).

O fato de algumas pessoas não atingirem seus objetivos em uma demanda judicial não significa ausência de lei ou de comandos normativos. A generalização não pode caminhar pari passu com o ordenamento jurídico. Assim como em qualquer outra disputa judicial, compete à parte a tarefa de adequar seu pedido ao direito pleiteado, não cabendo exigir que o magistrado advogue em favor das partes.

Em 1994, apenas 1% da população mundial utilizava a internet. Atualmente, o número chega aos 35%, ou seja, em 20 anos, bilhões de pessoas foram conectadas ao redor do mundo. Não é possível crer que vivenciamos uma insegurança jurídica. As eventuais lacunas da lei não são prerrogativas do universo digital, mas da constante evolução social. Crível é a falta de conscientização dos reflexos das ações, bem como o uso indiscriminado das novas ferramentas. A luta pela erradicação do analfabetismo digital terá como brigada juristas empenhados na conscientização do uso da internet e na prevenção de atos ilícitos praticados na rede mundial.

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