Autonomia administrativa

Uso político de órgãos reguladores cria déficit republicano

Autor

  • Farlei Martins Riccio

    é advogado da União e professor da Universidade Candido Mendes (RJ). Pós-doutorando em Direito Administrativo na Universidade Ca’ Foscari de Veneza.

12 de outubro de 2014, 7h56

A análise da ação regulatória do Estado a partir da teoria de incentivos e de grupos de interesses demonstra que a regulação exógena da economia pode ser foco de “falhas de governo”, na medida em que uma determinada política pública pode proteger os agentes regulados em detrimento do bem-estar social, acarretando no que os teóricos da escola de Chicago (George J. Stigler, Richard A. Posner e S. Peltzman) denominam de captura do órgão regulador.

Todavia, a captura pode ser de natureza política, quando, por lei ou ato administrativo, a administração central do Estado retira do órgão regulador competência ou restringe sua autonomia administrativa.

É de se recordar que a necessidade de uma maior autonomia do órgão regulador frente à administração central do Estado reside, principalmente, no fato da regulação econômica possuir um conteúdo técnico-científico, a fim de estabelecer o funcionamento equilibrado do mercado e discipliná-lo com um maior grau de racionalidade e eficiência na alocação de bens e serviços. Com isso, preservam-se as entidades de valorações políticas indevidas, demarcando um espaço de legítima discricionariedade, com predomínio de juízos técnico-científicos.

No modelo brasileiro de regulação da economia os níveis de captura política dos órgãos reguladores tem evoluído de modo preocupante e que tem ocorrido, basicamente, pelo bloqueio de recursos orçamentários e pela nomeação de dirigentes por critérios políticos e não técnicos.

Temos defendido que a captura política dos órgãos reguladores, além de acarretar um risco sistêmico para o setor regulado, cria um déficit republicano na atuação do Estado, incompatível com o modelo constitucional em vigor.

Com efeito, de acordo com as modernas teoria políticas neorrepublicanas, os instrumentos empregados pelo Estado no exercício do poder devem ser não manipuláveis. Em outras palavras, precisam ser desenhados para a promoção de certos bens públicos e tem que ser relutantes ao seu emprego arbitrário.

Assim sendo, o Estado republicano ideal tem que operar de acordo com restrições constitucionais e legais que contribuam para prevenir a manipulação dos instrumentos políticos por interesses dissociados dos interesses públicos.

A captura política dos órgãos reguladores — e aqui podemos incluir o Banco Central do Brasil — rompe com essas medidas estabilizadoras da república, pois faz aumentar a presença da vontade arbitrária da administração central do Estado no exercício do poder regulatório técnico atribuído aos órgãos reguladores para disciplina do mercado e da economia.

Embora o marco regulatório de alguns órgãos tenha contemplado expressamente instrumentos republicanos de contestabilidade e não manipulabilidade do poder regulatório, a manutenção desse perfil dependerá, para sua estabilidade e segurança, de uma ampliação pelo ordenamento jurídico e de uma garantia política, a partir de uma liderança que reafirme continuamente o objetivo de fortalecer a autonomia administrativa dos órgãos reguladores, superando, assim, eventual déficit republicano.

Autores

  • é pós-doutorando em Direito Administrativo na Universidade Ca’ Foscari de Veneza e doutor em Direito pela PUC-Rio. Professor de Direito Administrativo da Universidade Candido Mendes e Advogado da União em exercício na Procuradoria Regional da União do Rio de Janeiro.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!