Juízo incompetente

OAB gaúcha derruba multa de juiz a advogados por abandono de processo

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10 de outubro de 2014, 10h22

O juiz que está em comarca diferente da do juiz do processo, por ter competência restrita, limitada à delegação, não pode impor ao advogado nenhum tipo de sanção. A preliminar de incompetência foi o fundamento usado pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para derrubar multa de 30 salários-mínimos imposta a escritório de advocacia, por suposto abandono de processo.

A multa foi aplicada com base nas disposições do artigo 265, caput, do Código de Processo Penal. O dispositivo diz que o defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 a 100 salários-mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Com o acolhimento da Correição Parcial ajuizada pelos três advogados do escritório contra o juiz, o desembargador-relator José Conrado Kurtz de Souza revogou as multas aplicadas. Ele citou a jurisprudência da corte, da lavra do desembargador aposentado Aramis Nassif: ‘‘Ao juízo deste incumbiria, apenas, consignar a ausência injustificada ao ‘ato’, para que o juiz do ‘processo’, se fosse seu entendimento, optasse pela multa’’. O acórdão é da sessão de 28 de agosto, com entendimento unânime.

No dia 6 de junho, o juiz Antonio Carlos de Castro Neves Tavares, da 1ª Vara da Comarca de Jaguarão, ao abrir a audiência criminal, viu que o advogado Walter Vernet de Borba, que defende o réu, não comparecera. Fez constar a ausência no Termo de Audiência-Crime e ainda a sugestão da Defensoria Pública estadual para que aplicasse a multa prevista no artigo 265 do CPP — pedido que foi endossado pelo Ministério Público.

Segundo o juiz, que aplicou multa de 10 salários-mínimos a cada um dos três advogados do escritório, houve abandono de processo sem justificativa, ‘‘causando prejuízo ao erário, pela utilização de funcionário público pago às expensas da população para a defesa de pobres’’. É que cada um deles poderia ter feito a representação do réu naquele ato, assim como, individualmente, justificado a própria ausência.

Em face da multa, o advogado indicado para comparecer à audiência pediu a reconsideração do despacho. Argumentou que a ausência foi justificada e que não houve abandono. O pedido foi negado, provocando recurso de Correição Parcial junto ao TJ-RS, que negou o pedido em sede de liminar. O profissional pediu ajuda, então, à Comissão de Defesa, Assistência e das Prerrogativas da OAB-RS, que conseguiu reverter a sorte do caso na 7ª Câmara Criminal.

Acompanhamento da OAB
“O que importa ressaltar é a impossibilidade de, no próprio ato em que o advogado não comparece, o juízo de qualquer espécie dê ciência acerca das razões do seu não-comparecimento. Assim, não tendo conhecimento dessa motivação, não tem o juízo como saber se houve abandono do processo ou impossibilidade de comparecimento”, afirmou o advogado Marcos Reschke Salomão, que acompanhou Borba em nome da CDAP.

A multa prevista no artigo 265 do CPP, destacou, só poderia ser aplicada se o advogado abandonasse o processo, a própria causa — ou seja, deixasse de praticar atos processuais essenciais de forma reiterada —, o que não foi o caso.

O presidente da CDAP, Eduardo Zaffari, frisou que a reversão da multa é mais uma demonstração de que a OAB gaúcha está atenta a qualquer desvio que prejudique as prerrogativas dos advogados. “A multa aplicada viola o artigo 265, do Código de Processo Penal, e também o artigo 5°, da Constituição da República, pois a aplicação de multa aos advogados, para que deixem de explorar eventual tese defensiva, causa cerceamento à defesa dos constituintes”, reforçou Zaffari.

O presidente da seccional, Marcelo Bertoluci, advertiu que o único órgão admissível para censurar o advogado é o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB. “Existe uma não sujeição disciplinar do advogado em relação ao juiz. É importante frisar o artigo 6º do Estatuto da Advocacia, que afirma que não há hierarquia, nem subordinação, entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”, advertiu.

Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler o Termo de Audiência-Crime.

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