Interesse à informação

Juiz deve partir do fato concreto para a busca da melhor interpretação

Autor

7 de outubro de 2014, 9h05

O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema da persuasão racional do magistrado ou do livre convencimento motivado. Trata-se de um Princípio Constitucional Fundamental, extraído do artigo 93, IX, da Constituição Federal, in verbis:

 “IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”.

 O Código de Processo Civil em seu artigo 131 reza:

 “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.

Os supramencionados  comandos trazem o mandamento nuclear do Princípio do Livre Convencimento Motivado.

Do Principio do Livre convencimento motivado se extrai um outro:  o Princípio da Livre Interpretação da Norma em Concreto. O primeiro (livre convencimento) diz respeito ao fato, neste o juiz é livre para apreciar a prova e decidir desde que o faça de forma fundamentada. O segundo (interpretação em concreto) diz respeito a interpretação das normas, neste o juiz é livre para decidir qual norma utilizar, como aplicá-la ou afastá-la de acordo com as peculiaridades do caso concreto, de forma fundamentada.

No livre convencimento motivado o juiz irá apreciar o fato e as provas que digam respeito a este, proferindo a sua decisão de acordo com o seu convencimento exarando os motivos que o levaram a tomar a decisão.

Na interpretação em concreto o juiz irá analisar a norma a luz do caso concreto, dando a sua melhor interpretação de acordo com o casuísmo, podendo então  apreciar o comando legal livremente de acordo com cada caso concreto, devendo decidir sobre o seu alcance, limite e inclusive a própria aplicabilidade, desde que o faça de forma fundamentada.

Em suma: pelo livre convencimento motivado o juiz se convence ou não dos fatos, da existência ou não de provas, lançando as razões de seu convencimento. Já na livre interpretação em concreto o juiz interpreta a norma a luz dos fatos. O magistrado se convence da maneira de como aplicar uma determinada norma, podendo restringir o alcance, ampliá-lo ou até mesmo extirpa-lo, desde que o faça também de forma fundamentada.

Assim o julgador pode, aliás deve (trata-se de um poder-dever), decidir a melhor forma de se aplicar o comando legal ao caso concreto e se aplicá-lo, devendo fundamentar sempre.

Não há que se falar em desobediência a lei e sim em interpretação da sua aplicabilidade a luz do bem social.

O magistrado não está adstrito de forma alguma a subsunção puramente ao texto literal da lei, eis que não estamos diante de um ciência exata em que uma simples fórmula básica resolve a questão, não, muito pelo contrário, a decisão será vivida pelas partes e não pelo seu julgador.

Dessa forma é um dever do julgador interpretar sempre a norma jurídica de acordo com as peculiaridades de cada caso em concreto.

De acordo com o Princípio da Livre Interpretação o julgador, como já dito, pode até deixar de aplicar a norma, sem, contudo, se desgarrar da legalidade de tal decisão, desde que o fundamente. É do fundamento do decisum que se extrai a liberdade de interpretatio do aplicador do Direito.

É um dever magistrado interpretar o fato e a norma e exarar a sua fundamentação.

O famoso brocardo acadêmico “in claris cessat intrepretatio” tem de ser, concessa vênia, expurgado. Isto porque o mais claro dos comandos pode vir a ter as mais diversas interpretações de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.

O Princípio da Livre Interpretação em Concreto também encontra-se implícito nos Comandos da Constituição que tratam das formas de controle de constitucionalidade das normas.

Sempre que um juiz exerce um controle difuso de constitucionalidade, este interpreta a lei no caso concreto a luz da Constituição e a afasta apenas no tocante àquele caso especifico.

O comando em controle difuso nunca é expurgado do sistema, sendo necessário o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade, onde será feita uma interpretação do texto de forma abstrata a luz da Carta Magna.

O Princípio da Livre Intepretação em Concreto não se restringe apenas a supracitada modalidade, de maneira alguma. Em outra publicação defendemos que o consentimento da vítima exarado posterior aos fatos pode afastar a aplicação da norma do artigo 129 do Código Penal como uma causa supralegal de exclusão da tipicidade a luz dos Princípios Constitucionais. A norma do artigo 129 é legal e Constitucional, mas em determinados casos pode vir a ser afastada através de uma interpretação conforme a Constituição Federal de acordo com o caso concreto[1].

Na mesma linha, em ratificação ao tema aqui exposto, defende o  professor Rogério Greco em sua obra sob o título “Juiz como legislador positivo e como legislador negativo”:

 “ Vimos que é possível o recurso à chamada analogia in bonam partem, uma vez detectada a hipótese de lacuna, falha, omissão legal. Assim para que seja preservado o princípio da isonomia, deverá o julgador aplicar ao caso concreto, para o qual não existe regulamentação legal, a norma relativa a hipótese que lhe seja similar. Atuando dessa maneira, ou seja, ampliando o alcance da lei a outras situações que não foram objeto de regulamentação expressa, estará o julgador (aqui entendidos os juízos monocráticos e colegiados), funcionando como um legislador positivo.

Ao contrário, quando reconhece a inconstitucionalidade de determinado diploma legal, seja por meio do controle difuso inerente a todo julgador, estará exercendo as funções de um legislador negativo, impedindo, outrossim, a aplicação da lei ao caso concreto.”  [2] 

Impende destacar, que o reconhecimento do principio da insignificância penal é o pleno exercício da livre interpretação da norma no caso concreto de forma fundamentada, haja vista que a sua aplicabilidade afasta a norma legal em determinados casos específicos.

A partir da utilização de critérios bem fundamentados surge a insignificância nos casos concretos, como forma de exclusão da tipicidade penal, afastando a aplicabilidade da norma através de uma interpretação da lei a luz do casuísmo.

Do mesmo modo, através da livre interpretação da norma pelo julgador também temos os defensores do Principio da Adequação Social.

Conforme cita  Celso Delmanto em sua obra:

Principio da Adequação Social: 

“É também um critério de interpretação, que restringe o alcance literal dos tipos da Parte Especial, excluindo deles aqueles comportamentos que resultam socialmente adequados. Ao contrário do princípio da insignificância, em que a conduta é relativamente tolerada por sua escassa gravidade, no princípio da adequação social ela recebe total aprovação social (Santiago Mir Puig, Derecho Penal, PPU, Barcelona, 1990,pp. 567-70)

(…)  

 Se o descaminho referiu-se a objetos de pequeno valor para comércio de sacoleiro, além do princípio da insignificância, aplica-se o da adequação social, pois a sociedade não considera a prática de tal comércio como ilícito penal (TRF da 1ª R.,RT 727/601)”         [3]

No mesmo sentido, há que se fazer menção ao artigo do dr. Renato Marcão sobre insignificância penal, onde este cita Nelson Hungria em citação a lição de Maggiore:

“Ensinou Nelson Hungria que a lei não pode ficar inflexível e perpetuamente ancorada nas idéias e conceitos que atuaram na sua gênese.  A lógica da lei, disse o penalista citando a lição de Maggiore, não é estática e cristalizada, mas dinâmica e evolutiva.”[4]

Segundo Hungria (1955, Apud  Marcão, Conjur 2009) “Se o direito é feito para o homem e não o homem para o direito, o espírito que vivifica a lei deve fazer dela um instrumento dócil e pronto a satisfazer, no seu evoluir, as necessidade humanas”.

E dizia ainda o insuperável penalista, há algumas décadas passadas: “No estado atual da civilização jurídica, ninguém pode negar ao juiz a faculdade de afeiçoar a rigidez da lei ao progressivo espírito da sociedade, ou de imprimir ao texto legal a possível elasticidade, a fim de atenuar os contrastes que acaso surjam entre ele e a cambiante realidade. Já passou o tempo do rigoroso tecnicismo lógico, que abstraía a lei do seu contato com o mundo real e a consciência social”[5].

Do exposto, deve sempre o julgador partir do fato concreto para a busca da melhor interpretação e escolha da norma adequada àquele fato, dando sempre  a mais  ponderada decisão na busca da melhor justiça possível em aplicação ao Princípio da Livre Interpretação da Norma em Concreto.

Assim é obrigação do julgador  sempre motivar as suas decisões no tocante ao seu convencimento do fato, bem como  no que diz respeito a aplicabilidade da norma correta, exarando uma dupla interpretação em concreto.


[1] MOREIRA, Sérgio Augusto Duarte. Integridade física e violência doméstica no âmbito das famílias, sob a ótica Constitucional.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 1192. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=3720>

[2] Greco, Rogério. Curso de Direito Penal  Parte Geral, Volume I, Editora Impetos, 2007, 9º Edição, Niterói, RJ, página 48, 6.1.

[3] Delmanto, Celso e outros. Código Penal Comentado, Edição Renovar 2002, 6ª edição,pp.20 e 24.

[4] Marcão, Renato http://www.conjur.com.br/2009-dez-30/principio-insignificancia-crimes-ambientais-irrecusavel#_ftn1_5322

[5] Hungria, Nelson Comentários ao Código Penal, 3. ed., Rio de Janeiro, Revista Forense, v. I, t. 1º, 1955, p. 75/76 ( In:  Marcão, Renato. www.conjur.com.br/2009-dez-30/principio-insignificancia-crimes-ambientais-irrecusavel#_ftn1_5322)  

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!