Direito de escolha

"Democracia brasileira já está madura para permitir o voto facultativo"

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5 de outubro de 2014, 7h10

spacca
Já está na hora de os cidadãos brasileiros poderem escolher se querem votar ou não, antes de terem que escolher em quem depositarão suas esperanças. Para o especialista em Direito Eleitoral e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da Bahia, Luiz Viana Queiroz, a democracia brasileira está "madura" o suficiente para permitir o voto facultativo.

Ao comentar a necessidade de a própria OAB ser mais democrática, Luiz Viana afirma que há uma “resistência conservadora” para que a escolha do presidente do Conselho Federal da entidade ainda seja feita de forma indireta. “Não digo que a forma como é feita hoje não é democrática. Acho que é legitima, mas dar [o direito de voto] ao advogado individual democratiza mais”, pontua. 

O presidente da OAB da Bahia propõe que a votação seja direta,  mas respeitando a ponderação federativa. “Deve ter uma eleição, com voto direto, em cada estado. O candidato que obtiver uma votação maior no estado recebe o voto daquela secção da OAB. Teríamos 27 votos no total.”, sugere.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Luiz Viana propôs uma mudança no perfil do Exame da Ordem. Ele entende que a prova deve exigir do candidato mais sobre a prática da advocacia do que a Teoria do Direito. “O Exame deve avaliar se aquele que se formou na faculdade tem condições práticas de exercer a advocacia”, destacou.

Há quase dois anos na presidência da OAB na Bahia, Luiz Viana fez um balanço positivo da sua gestão até o momento. Disse que a “democratização” é a marca da sua administração. “A gente abriu a OAB para dialogar com a sociedade civil. Acho que isto tem sido um grande ganho da nossa gestão. Abrimos espaço também para que os companheiros, que estão à frente das diversas comissões e conselhos, se manifestem”.

O advogado afirmou ainda que o Judiciário baiano vive a pior crise dos últimos 30 anos, reclamando da ausência de diálogo com a gestão do presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Eserval Rocha. “A nova gestão tem tomado medidas pontualmente corretas, mas, algumas vezes, autoritárias.”

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor é advogado eleitoral. Alguns penalistas afirmam que as penas do Código Eleitoral são brandas. O senhor concorda com esta crítica?
Luiz Viana —
Depende. Há atos que estão previstos no Código Eleitoral como crime, e que, a meu juízo, não deveriam ser crime. Por exemplo: é crime danificar propaganda eleitoral. Acho que isso pode ser uma contravenção, tendo outro tipo de punição, como a multa.

ConJur — O “caixa dois” deve ser criminalizado?
Luiz Viana —
Acho que sim, porque é uma conduta que viola o princípio da transparência. Para ser representante do povo, tem que ser transparente.  

ConJur — Os juízes federais deveriam atuar na primeira instância da Justiça Eleitoral?
Luiz Viana —
Na minha opinião, deveria ter um quadro de juízes eleitorais próprios.

ConJur — Não seria um custo alto para o Estado sendo que a eleição se realiza a cada dois anos?
Luiz Viana — Não sendo possível, acho que os juízes estaduais exercem bem a sua função.

ConJur — O senhor é a favor do voto obrigatório?
Luiz Viana —
Não. Sou a favor do voto facultativo. Acho que a democracia brasileira está suficientemente madura para permitir ao eleitor o voto facultativo.

ConJur — Qual o balanço que o senhor faz da sua gestão até aqui na seccional baiana da OAB?
Luiz Viana —
Na nossa gestão, conseguimos dar uma dinâmica em diversos pontos na OAB Bahia. Formamos um grupo coeso, competente e com boas ideias. A voz da OAB Bahia voltou a ser ouvida e está presente na discussão de temas relevantes. A gente abriu a OAB para dialogar com a sociedade civil. Acho que isto tem sido um grande ganho da nossa gestão. Abrimos espaço também para que os companheiros, que estão à frente das diversas comissões e conselhos, se manifestem. Os advogados voluntários são todos bem-vindos. Nós temos centenas deles trabalhando voluntariamente para a OAB Bahia. As comissões e o conselho seccional têm tido mais autonomia para se posicionarem. Eu exerço o papel de coordenação e representação. Não imponho a minha vontade pessoal em absolutamente nenhum tema, e temos discutido inúmeros assuntos. Primeiro, a defesa das prerrogativas, que é fundamental para os advogados. No ano passado, fizemos uma campanha de defesa das prerrogativas.

Segundo, discutimos sobre a ineficiência do Judiciário, pois atinge a advocacia. Continuamos a dizer que está é a pior crise do Judiciário baiano dos últimos 30 anos. Falo isto porque tenho 30 anos na advocacia. Nunca se viu nada igual. Não temos juízes e serventuários suficientes e nem estrutura para funcionar. Faltam na Bahia, hoje, 200 juízes e 10 mil servidores.

ConJur — Quais as propostas que o senhor fez durante a campanha e ainda não cumpriu?
Luiz Viana —
Tem poucas que ainda não cumpri. Uma delas é a transparência formal. Eu tenho transparência em tudo que faço. Mas ainda não consegui, por exemplo, abrir o sistema de controle das contas no site. Vou fazer isto. Quero que quando entrar um dinheiro na conta da OAB Bahia apareça para todos. Hoje temos mais de R$ 13 milhões na conta, quero que o advogado saiba o dia a dia. Este é um problema técnico. Quero transparência formal e total. A segunda proposta que não cumpri é a de ter sedes próprias, que ainda estão em plena execução. Vou fazer sedes dignas para todas as subsecções. No mais, acho que estamos cumprindo, a exemplo da TV OAB.

ConJur — O senhor concorda com a crítica de que o Judiciário baiano é o pior do Brasil?
Luiz Viana —
Acho que é muito ruim. Mas não é possível fazer essa comparação. Nos últimos 30 anos, dentro de um processo histórico, houve um sucateamento do Judiciário baiano, que foi, paulatinamente, sendo transformado quase que numa secretaria do Executivo. Tinha gente que não queria o Judiciário funcionando bem. Este sucateamento explodiu numa crise sem precedentes. Mas a OAB não tem nenhum interesse de apontar culpabilidades individuais. Temos interesse de apontar responsabilidades institucionais.

ConJur — Houve uma melhora do Judiciário baiano com a nova gestão?
Luiz Viana —
A nova gestão tem tomado medidas pontualmente corretas, mas, algumas vezes, autoritárias. Acho que uma marca desta gestão é a ausência de diálogo. Quando o presidente Eserval Rocha tomou posse no tribunal, tivemos uma conversa muito importante. Mas, a partir dali, ele começou a tomar medidas sem ouvir a OAB. Não quero que a OAB entre na gestão, queremos apenas contribuir. Os advogados sabem o que acontece porque estão no dia a dia. Acho que o presidente Eserval é um homem bem intencionado. Todo mundo diz que ele é um homem muito sério. Tenho essa impressão dele. Mas acho que a gestão precisa se abrir ao diálogo com as demais instituições do sistema Judiciário.

ConJur — O afastamento dos ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia, os desembargadores Telma Britto e Mario Alberto Hirs, mostrou a crise do Judiciário baiano para o país. O CNJ acertou ao afastá-los?
Luiz Viana —
Esta é uma pergunta difícil de responder. Quando eles foram afastados, a OAB da Bahia emitiu uma nota, afirmando que: todas as acusações devem ser apuradas de forma rápida e profunda; não fazemos juízo de culpabilidade prévia, porque presumimos a inocência — garantia constitucional —, a ampla defesa e o direito ao contraditório. A OAB espera que isto que aconteceu seja um sinal bem claro para o Tribunal de Justiça, que precisa rever a sua política. Em relação à culpabilidade de Mario Alberto Hirs e Telma Britto, é esperar a conclusão do processo. Espero que seja apurado em profundidade. Não foi rápido o suficiente, acho que já deveria ter sido concluído.

ConJur — O CNJ deve afastar o magistrado quando há suspeita de corrupção?
Luiz Viana —
Não dá para generalizar. Como presidente da OAB, a minha posição é mais favorável ao não afastamento, porque temos que presumir a inocência e garantir a ampla defesa. Agora, em circunstâncias em que a presença do juiz signifique um perigo para a apuração do processo ou para a jurisdição, [o magistrado] deve ser afastado. Genericamente, sou a favor do não afastamento.

ConJur — Como tem sido a implantação do Processo Judicial Eletrônico na Bahia?
Luiz Viana —
Está sendo implementado a “toque de caixa”, o que tem gerado muitos problemas. Não há treinamento suficiente e nem estrutura técnica e operacional. Nós somos a favor, mas é preciso que seja dentro de um cronograma com estrutura suficiente. Esse é um problema nacional, não só aqui na Bahia. A OAB está permanentemente em diálogo e confronto com o CNJ, por conta deste timing da implementação. É muito difícil para os advogados mais antigos e, também, para os servidores e juízes. Na Bahia, este momento de transição do processo físico para o eletrônico tem ocorrido com muitas dificuldades. Sobretudo, porque o diálogo do Tribunal de Justiça [da Bahia] com a OAB tem sido muito pequeno.

ConJur — O senhor é contra a terceirização no Judiciário?
Luiz Viana —
Sou contra a terceirização no que puder ser feito pelo servidor concursado. A política deve ser a do concurso público, e não da precarização, da terceirização. O Judiciário é serviço público de prestação jurisdicional, que lida com conflitos. Interesses que envolvem muito dinheiro. A meu juízo, quem deve cuidar destes interesses são servidores públicos, e não terceirizados.

ConJur — O senador Marcelo Crivella recuou e retirou o projeto que permitiria aos bacharéis não aprovados no Exame da OAB atuarem como assistentes de advocacia. O que o senhor acha do projeto?
Luiz Viana —
Acho um equívoco. É possível encontrar outra solução para a situação dos bacharéis que não foram aprovados no Exame da Ordem. O problema é que temos, hoje, milhares de pessoas que não conseguem a aprovação no Exame, e isso gera pressão política e a necessidade de dar uma resposta a esses bacharéis. A solução não é criar uma nova carreira, em que as pessoas pratiquem atos semelhantes ou parecidos aos dos advogados. Acho que é preciso preservar as funções típicas da advocacia.

ConJur — Qual seria a solução?
Luiz Viana —
Primeiro, melhorar a qualidade das faculdades. Tem faculdade demais no Brasil. É preciso diminuir o número de cursos e de vagas. A OAB tem tido sempre posições neste sentido, que não são acolhidas pelo MEC [Ministério da Educação]. O MEC tem que ter uma posição mais rigorosa em relação a estas faculdades. Aliás, tem até feito, de forma tímida. Segundo, é preciso rever o perfil do Exame da Ordem. A prova tem que ser mais prática do que teórica. O Exame deve avaliar se aquele que se formou na faculdade tem condições práticas de exercer a advocacia. No que for teórico, tem que ser especificamente da advocacia e não de Teoria do Direito. Eu não faria uma prova extensa sobre Direito do Trabalho, Tributário… Faria uma prova teórica sobre questões da advocacia: Estatuto da Advocacia, Código de Ética… Na parte prática, tem que avaliar se [o candidato] sabe fazer um Habeas Corpus, um Mandado de Injunção, um parecer…

Aos que estão nesta situação atual, acho que é possível avançar para uma discussão que envolva o próprio Estatuto da Advocacia. Segundo o Estatuto, não há impossibilidade para aquele que se formou passar dois anos como estagiário. Este poderia ser um momento de melhor preparação para o Exame da Ordem.

ConJur — O senhor concorda com a crítica de que a OAB usa o Exame da Ordem para fazer reserva de mercado?
Luiz Viana — Não. Esta é uma crítica apaixonada. A paixão é sempre má conselheira, em todos os campos da nossa vida. Seria muito melhor para OAB, do ponto de vista econômico, não ter Exame da Ordem.  A questão é garantir o nível mínimo daquele profissional que estará nos quadros da OAB, que vai cuidar da vida, da liberdade, do patrimônio, das famílias, enfim, das pessoas. A ideia do Exame da Ordem é garantir uma qualificação mínima. Toda vez que a gente perde qualidade mínima, perdemos qualidade de serviço. Ao contrário de acabar com o Exame de Ordem, outras profissões deveriam ter o seu exame.

ConJur — Há quem defenda o fim do quinto constitucional. O senhor concorda com esta defesa?
Luiz Viana —
Discordo completamente. É um equívoco muito comum, minoritariamente, entre os advogados, mas, sobretudo, entre os juízes. O quinto constitucional é uma forma de levar para os tribunais uma contribuição de pessoas que passaram a vida “do outro lado do balcão”. Portanto, podem levar para o Judiciário as grandes bandeiras da OAB e os princípios da advocacia.

ConJur — A OAB Bahia restituiu a votação direta para o quinto constitucional. Por quê?
Luiz Viana —
O Conselho Federal da OAB baixou uma regulamentação que permite o voto direito para o quinto constitucional, com o compromisso de o conselho de ratificar. Na OAB Bahia, o conselho sabatina publicamente os candidatos, a classe define a lista e o conselho homologa. Todo o processo democrático tem mais beneficio do que malefício. O maleficio é que custa caro. Temos que gastar dinheiro para colocar urnas na capital e no interior. Por outro lado, o grande benefício é que os candidatos têm que se expor. Eles dizem o porquê querem ser desembargadores, quais os princípios que vão defender, e passamos a conhecê-los melhor.

ConJur — Há diferença no modo de julgar dos juízes designados por advogados ou pelo Ministério Público, dos magistrados aprovados em concurso público?
Luiz Viana —
Não, porque são todos juízes. A finalidade é alcançar a Justiça. Como todo julgador, ninguém foge da sua subjetividade, mas deve ter critérios objetivos. Não há diferença significativa no ato de julgar. Há uma diferença no olhar sobre a realidade judiciária. O olhar de alguém que passou o tempo inteiro “do outro lado do balcão”, sofrendo as dificuldades da prestação jurisdicional.

ConJur — Por que o presidente do Conselho Federal da OAB ainda é escolhido pelo voto indireto?
Luiz Viana —
Porque o conselho não aceitou a minha proposta. Fui conselheiro federal pela Bahia durante dois mandatos. Não sou um homem orgulhoso, mas a gente tem que sentir orgulho das coisas boas que faz. Uma coisa positiva que fiz, como conselheiro, foi levantar a bandeira pelo voto direito. Não vejo nenhum sentido que uma entidade democrática como a OAB, que cobra democracia no Brasil, não se democratize internamente. Uma das formas de democratizar internamente é exatamente realizar eleição direta. Fiz esta proposta e, por duas vezes, houve votação no Conselho Federal e fui derrotado. Não digo que a forma como é feita hoje não é democrática. Acho que é legitima, mas dar [o direito de voto] ao advogado individual democratiza mais.

ConJur — E por que esta resistência ao voto direto?
Luiz Viana —
É uma resistência conservadora. É melhor para os grupos que estão à frente das OABs, nos diversos estados, manter eleição indireta do presidente nacional. É uma contradição, porque a eleição estadual é pelo voto direto. Estes grupos vão indicar três conselheiros federais de um colegiado com 81. Se imaginarmos que, no colegiado de 81 pessoas, uma chapa é formada por cinco candidatos, o candidato já começa com cinco estados favoráveis. Ou seja, já tem 15 votos na largada.

ConJur — O que o senhor propõe?
Luiz Viana
— A minha proposta tem uma particularidade muito importante: a OAB cresceu e é forte porque é uma entidade federativa. A OAB do Acre, que talvez seja a menor em número de advogados, é tão importante no sistema quanto a OAB de São Paulo, que é a com mais advogados. Para tentar minimizar isto, a minha proposta é que seja uma votação direta com voto federativo. Deve ter uma eleição, com voto direto, em cada estado. O candidato que obtiver uma votação maior no estado recebe o voto daquela secção da OAB. Teríamos 27 votos no total.

ConJur — O senhor acreditava que teríamos voto direito para presidente do Conselho Federal da OAB em 2016. O senhor ainda acredita nisso?
Luiz Viana —
Assim que tomei posse, no primeiro Colégio de Presidentes Nacional da OAB, propus um plebiscito, em março do ano passado, no Pará. O colégio, por maioria, o aprovou. Este ano não foi feito. Na última vez que estive com o presidente do Conselho Federal, Marcus Vinicius Futado Coêlho, ele garantiu que vai realiza-lo. Acho que o resultado será majoritariamente a favor da eleição direta. O Conselho Federal terá que fazer um anteprojeto e mandar para o Congresso. Acredito que para 2016 não. Mas não foi por falta de pedido meu.

ConJur — O que o senhor espera do ministro Ricardo Lewandowski à frente do Supremo Tribunal Federal?
Luiz Viana —
Tenho a maior admiração pelo ministro Ricardo Lewandowski. Não o conheço pessoalmente. Mas tenho as melhores expectativas. Espero que possa fazer uma administração firme e, ao mesmo tempo, dialogando com as entidades. Tenho expectativa de que possa exercer a presidência de forma a, efetivamente, levar o STF em sintonia com as aspirações da sociedade. Tenho uma expectativa muito positiva.

ConJur — O Conselho Federal da OAB acertou ao propor o fim do financiamento de empresas a campanhas políticas?
Luiz Viana —
Sem dúvida.

ConJur — O senhor acredita que isso diminuirá a corrupção?
Luiz Viana —
Acho que vai contribuir para diminuir, pelo menos, as barganhas que são feitas entre as empresas e os candidatos.

ConJur — Os tribunais de ética da OAB deveriam ter poder para investigar?
Luiz Viana —
Acho que não. A advocacia é um serviço público, mas o advogado é uma entidade privada. É privado como pessoa ou como sociedade de advogados. Os órgãos públicos precisam de corregedorias e investigação, os advogados não. Aqueles que desviam precisam ser apurados pelo Tribunal de Ética. Se cometerem crimes, devem ser investigados pelo Ministério Público, como qualquer cidadão.

ConJur — O cidadão tem receio de denunciar os maus advogados?
Luiz Viana —
Acho que não, pela quantidade de representações que a gente tem. São milhares.

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