Registro na Ordem

O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa quer uma beca de advogado

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3 de outubro de 2014, 13h06

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, hoje aposentado, quer, pela primeira vez na vida, usar a beca de advogado. Acontece a muitos, alguns com as loas dos novos irmãos, outros não. Pediu inscrição, segundo consta, na Secção do Distrito Federal. Aquilo provocou um “frisson” nos novecentos e poucos mil advogados postos no mundo, legitimamente, após verificação no chamado “exame de estado”, mas intrometidos na enxurrada aberta levianamente, no mínimo, por vários ocupantes no Ministério da Educação. Tais profissionais foram submetidos a provas na “Guilda”, podendo hoje, merecidamente, acompanhar e debater a recente vocação do pleiteante Barbosa.

Não cabe ao cronista ser o intérprete dos pendores da advocacia. Tem, aliás, o único mérito de estar exercendo o quinquagésimo quinto ano da advocacia criminal, sendo portanto um dos mais antigos sobreviventes, um quase milagre, porque, entre as múltiplas profissões liberais, os advogados partem mais cedo, contrariamente aos sacerdotes, estes últimos em paz com os pecados e, na superação, uma antinomia. Coisas de Deus…

Firmadas nos pressupostos, seguem brevíssimas considerações sobre o incidente:

a) Uma ou outra personalidade, com realce para Francisco Rezek, sai em defesa da pretensão de Barbosa. Rezek, duas vezes ministro da Suprema Corte, coisa esquisita e única no mundo, inteligente, preparado, influente ainda e advogando, critica a OAB por estar “politizando” o pleito de Joaquim Barbosa. A Ordem dos Advogados, no fim das contas, se e quando rejeitando o candidato, estaria deslustrando suas tradições.

b) Barbosa, enquanto juiz, demonstrou várias vezes não gostar de advogados. Não os recebia, dizendo-o publicamente.

c) Expulsou da tribuna, fazendo-o conduzir para fora, advogado que se intrometeu fora da pauta, é certo, para reclamar despacho retardado em relação a um dos réus do “mensalão”, não sendo importante, aqui, explicitar o nome do acusado.

d) Referiu-se à advocacia, destemperado, como reduto de chicanas.

e) Deu-se mal com outros ministros da Suprema Corte, particularidade que não vem ao caso, porque o fez em família, resolvendo domesticamente seus problemas — ou não.

f) Diga-se, inconfidentemente: num dos entreatos do “mensalão”, perplexo com o que acontecia, eminentíssimo criminalista, mais jovem, consultou o cronista quase ancião sobre qual deveria ser o comportamento dos defensores. Recebeu resposta seca: “— Joguem as becas na tribuna, todos, e voltem pra casa”. Não voltaram, mas é problema, também, de quem precisa, eventualmente, dar mais importância ao cliente que a ofensas às vestes talares. Faz parte do jogo.

O ex-ministro Francisco Rezek, como cidadão, tem a faculdade inarredável de dizer o que quiser, fazendo-o no consistório ou publicamente, mas é noviço na advocacia. Não conhece o cheiro podre das cadeias brasileiras. Não sabe que a própria visita íntima de mulher de preso já foi interceptada e gravada sub-repticiamente, numa das ocorrências mais repugnantes havidas no Brasil. Nunca precisou, a exemplo de candidata à presidência da República, acentuar ter começado a vida numa palafita, mastigando comida deixada por pai e mãe, estes sim passando fome. Não teve necessidade de disputar pretensões de cliente com juiz malcriado e arbitrário, sendo carregado a muque para fora do gabinete.

Enfim, se e quando vestindo a beca, o terá feito usando vestuário rebrilhando nos tafetás e não aquele pano às vezes sebento, rescendendo a suor, angústias e lágrimas de centenas de advogados, uns transidos de receio dentro daquele algodão negro surrado, outros mais experientes, certamente, mas sempre curtindo os conflitos hormonais influindo no sistema nervoso. Diga-se, a título de mero interfluxo, que vetusto criminalista confessava acometimento de diarreia antes do júri, ele detentor de centenas de intervenções em plenário. Dentro do contexto, o ex-ministro Rezek há de sentir-se melhor, na crítica, se e quando ungido com um daqueles vestuários referidos.

Tocante ao requerente Barbosa, firmado nos tempos vetustos em que, na ditadura, defendia o direito de todos a livre manifestação e igualitária competição pela sobrevivência, o cronista opina no sentido de que lhe deem a inscrição na OAB. Este escriba, tocante a magistrado excelso, já se ofereceu a lhe vestir o manto sagrado na cerimônia de juramento à advocacia. Quanto a Joaquim Barbosa, é demais mas, se e quando o quiser, o cronista lhe oferece o próprio. Tem alguns esgarçamentos produzidos pela antiguidade. Na expressão de Oréstes Barbosa em “Chão de Estrelas”, às vezes tenho a impressão de passarem, pelos orifícios, raios de sol provindos dos vitrais do Tribunal de Justiça de São Paulo (e a lua furava nosso zinco, salpicando de estrelas nosso chão). Com o tempo os dois se acostumam…

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