Anistia irrevogável

Justiça Federal rejeita denúncia do MPF contra Ustra por morte de jornalista

Autor

2 de outubro de 2014, 15h56

A anistia não pode ser revogada. Sendo uma das formas de extinção de punibilidade, que se caracteriza pelo esquecimento jurídico do ilícito, concedida pelo Congresso Nacional, ela extingue todos os efeitos penais dos fatos, remanescendo apenas eventuais obrigações de natureza cível.

Wilson Dias/ABr
Seguindo esse entendimento, o juiz substituto Rubem David Müzel, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, rejeitou a denúncia contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra (foto), o delegado Dirceu Gravina e o servidor aposentado Aparecio Laertes Calandra, pela morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, em julho de 1971, durante a ditadura militar. Também foi rejeitada a denúncia contra o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini, que assinou laudos sobre a morte de Merlino.

Na denúncia, o Ministério Público Federal alegou que a Lei da Anistia não se aplica ao caso. “Os delitos foram cometidos em contexto de ataque sistemático e generalizado à população, em razão da ditadura militar brasileira, com pleno conhecimento desse ataque, o que os qualifica como crimes contra a humanidade — e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia”, diz o MP.

Os procuradores citam decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em novembro de 2010, segundo a qual o Brasil não pode criar obstáculos à punição de crimes contra a humanidade. Além disso, mencionam recente parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, segundo o qual deve ser afastada qualquer interpretação que afirme estarem os delitos contra a humanidade cobertos por anistia ou prescrição.

Para o juiz, no entanto, não há como punir os acusados devido à concessão de anistia, conforme previsto na Lei 6.683/79. “Afirmada a integração da anistia de 1979 na nova ordem constitucional, sua adequação à Constituição de 1988 resulta inquestionável”, disse o juiz. Ao rejeitar a denúncia, o Müzel apontou ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

“O Plenário do Pretório Excelso no julgamento da ADPF 153 reputou que os efeitos da anistia concedida pela Lei 6.683/79 não foram afastados pela Constituição Federal de 1988, alcançando, portanto, os crimes políticos ou conexões com estes, considerando-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, praticado pelos agentes civis e militares da repressão”, explicou.

Morte de Merlino
Integrante do Partido Comunista Operário, o jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino foi preso em Santos, em 15 de julho de 1971, e levado ao Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI), em São Paulo, segundo o MPF. Ele morreu quatro dias depois. Ainda de acordo com a denúncia, ele sofreu sessões de tortura durante 24 horas, para passar informações sobre outros membros do partido, como a companheira do jornalista, Angelas Mendes de Almeida.

Com ferimentos por todo o corpo, o jornalista só teria sido encaminhado ao Hospital do Exército quando já estava inconsciente. De acordo com a denúncia, foi criada uma versão falsa para ocultar as causas da morte: Merlino teria se atirado sob um carro durante uma tentativa de fuga, na BR-116, na altura da cidade de Jacurupinga. 

No Instituto Médico Legal, o médico legista Abeylard de Queiroz Orsini teria endossado a versão ao assinar o laudo sobre a morte, em conjunto com outro servidor, Isaac Abramovitch, já morto. Segundo a denúncia, os dois sabiam das circunstâncias em que Merlino foi morto e omitiram as agressões. Na década de 1990, afirma o MPF, peritos revelaram uma série de inconsistências nos laudos sobre Merlino e outros militantes políticos mortos na época, todos subscritos por Orsini.

Clique aqui para ler a decisão.
Clique aqui para ler a denúncia.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!