Disputa tranquila

“Eleitor não vai ficar perdido nas eleições”, afirma presidente do TSE

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2 de outubro de 2014, 15h01

Spacca
Mais de 140 milhões de brasileiros vão às urnas no próximo domingo (5/10) para escolher quem vai ocupar as cadeiras da Presidência, do Congresso e dos governos estaduais a partir de 2015. Para o ministro Dias Toffoli, que comanda o Tribunal Superior Eleitoral, as campanhas têm sido veiculadas “dentro da normalidade”, gerando menos processos do que em eleições anteriores.

Embora vários candidatos tenham passado a disputa tentando reverter a aplicação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), o presidente do TSE avalia que isso não foi suficiente para confundir o eleitor, porque a Justiça Eleitoral tem atuado de forma célere. Ao menos 95% dos casos já foram julgados, aponta. Ele também afirma que a população brasileira “já mostrou que tem toda a capacidade de entender o sistema de voto”. Sabe até que a escolha de um candidato famoso para a Câmara dos Deputados “empurra” colegas da legenda desconhecidos do público? “Sabe”, diz Toffoli. “Mas o que importa para esse eleitor é o candidato e não o partido.”

Apesar do quadro otimista, o ministro defende mudanças no sistema eleitoral do país, o qual considera “esgotado”. Crítico à doação feita por empresas a partidos — “de ideologia não se trata” —, ele diz que é mais importante fixar regras no país limitando gastos em campanha e com quanto a pessoa física pode colaborar, citando a experiência francesa.

Toffoli é ainda crítico à reeleição nos municípios, pelo risco de que elites locais mantenham-se no poder e utilizem a estrutura administrativa. Mas permitir que o(a) presidente da República fique mais quatro anos no cargo é positivo, avalia, pois a iniciativa “trouxe estabilidade política à nação brasileira”. Isso porque, na avaliação dele, o presidente deve se equilibrar entre coalizões e atuar como um maestro, orquestrando uma federação de “elites regionais”.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, o presidente do TSE disse não ver perigo imediato na presença de temas religiosos nas campanhas. Ele reconhece o poder das religiões no Brasil, mas afirma que esses assuntos interferem mais na atividade do Congresso. “O eleitor, em sua ampla maioria, pensa primeiro o que será melhor para ele.”

Ministro do Supremo Tribunal Federal desde 2009, Toffoli foi advogado-geral da União e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e advogado do PT. Estudioso de Direito Eleitoral, ele procura entender modelos internacionais, mas diretamente nas fontes, por desconfiar de traduções.

ConJur — Como o senhor avalia o período de campanha eleitoral?
Dias Toffoli —
Está dentro da normalidade, inclusive em termos de representações eleitorais relativas à campanha da Presidência da República, com menos ações do que em outras eleições. A avaliação do ponto de vista da campanha presidencial é que ela está dentro da normalidade, não temos tido maiores trocas de ofensas ou de disputas, de tal forma a avaliação é bastante positiva. O TSE já recebeu 1.766 recursos relativos a registros de candidatura, e estamos dando cabo desses julgamentos antes das eleições.

ConJur — No cenário estadual, o senhor nota também essa normalidade?
Dias Toffoli —
As informações que eu tenho dos tribunais regionais eleitorais também é de muita tranquilidade. Aliás, até pouco tempo atrás parecia que nem havia campanha, nem para presidente nem para o Parlamento no Brasil ou para os governos de estado. Talvez seja um reflexo daquilo que o Supremo Tribunal Federal começou a julgar na Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o financiamento de pessoas jurídicas, apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Muitos políticos têm reclamado que estão sem dinheiro para colocar as campanhas na rua. Ou seja, nós estamos assistindo a um modelo em que as campanhas estão se reduzindo no tempo. Talvez seja o caso até de no futuro se pensar realmente a redução no tempo de campanha.

ConJur — Como o senhor avalia a aplicação da Lei da Ficha Limpa?
Dias Toffoli —
A Justiça Eleitoral muitas vezes se vê com questionamentos em relação à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, mas isso está superado porque o Supremo Tribunal Federal já declarou [o texto] constitucional. Nós estamos aplicando essa lei evidentemente de acordo com a perspectiva de estabelecer uma jurisprudência mais adequada, que não seja uma caça às bruxas.

ConJur — Não há risco de as discussões em torno da aplicabilidade ou não da Lei da Ficha Limpa causarem insegurança jurídica que ultrapasse até mesmo a data das eleições?
Dias Toffoli —
Nessas eleições isso não deve ocorrer porque a Justiça Eleitoral está atuando a tempo. Os TREs julgaram todos os processos e no TSE, pelo menos em grau de decisão monocrática, já foram analisados ao menos 95%. Com isso a segurança jurídica do eleitor com relação ao seu voto será maior, na medida em que ele saberá quem está registrado e quem não está.

ConJur — Mas a validade das candidaturas também não depende de outras decisões? Por exemplo, se o Superior Tribunal de Justiça vai derrubar ou não uma condenação por improbidade?
Dias Toffoli —
No que diz respeito a alguns casos, como a condenação por improbidade, há a possibilidade de que ocorra a suspensão dessas cautelas no Superior Tribunal de Justiça, em caso de Recurso Especial, ou no Supremo, por meio de Recurso Extraordinário. Mas esses tribunais têm sido muito cautelosos em relação à concessão dessas cautelas, só mesmo em casos em que há grande plausibilidade do direito no recurso.

ConJur — Então o eleitor não vai ficar perdido nas eleições?
Dias Toffoli —
Não vai ficar. Inclusive eu verifico também que os próprios partidos neste ano, sabendo da aplicação da Lei da Ficha Limpa, já foram mais cautelosos no que diz respeito aos registros de candidatura.

ConJur — O senhor acha que a experiência da reeleição tem sido positiva dentro do quadro eleitoral brasileiro?
Dias Toffoli —
No caso da Presidência da República, a reeleição é positiva, trouxe estabilidade política à nação brasileira. Em um país complexo, com 26 estados e um Distrito Federal, com uma base parlamentar que nunca é majoritária à linha ou ao partido daquele que se elege presidente, no nosso tipo de sistema nunca vai ocorrer de um presidente ser eleito com uma base parlamentar majoritária de apoio. O que acontece? Esse presidente, se não tiver a perspectiva da reeleição, ele não governa e cai. Quantos presidentes caíram? Na República Velha teve presidente que teve que governar, como Arthur Bernardes, três anos e meio sob estado de sítio. Tivemos a Revolução de 30, na redemocratização houve tentativas de não dar posse a Getúlio e a Juscelino. Jânio renunciou porque não conseguiu governar, na ótica dele… O Brasil é muito complexo de se organizar, porque não existe uma elite nacional. A elite nacional em Brasília está de passagem. Só existem elites regionais.

ConJur — Isso quer dizer que a reeleição não é adequada em estados e municípios?
Dias Toffoli —
A reeleição nos municípios deveria ser vedada. São 5,6 mil prefeituras no Brasil afora, onde elites locais comandam. Hoje, mil prefeituras de 5,6 mil municípios estão sob judice por abuso do poder político, por abuso do poder econômico, por compra de votos. A reeleição nas disputas municipais não me parece positiva.

ConJur — E nos estados?
Dias Toffoli —
Nos estados eu tenho dúvidas, acho que poderia se manter as reeleições nos estados.

ConJur — É possível um presidente governar no Brasil sem maioria no Congresso?
Dias Toffoli —
Não é possível. Ele tem que formar a maioria. O Brasil é um presidencialismo de coalizão. Se ele não conseguir na maioria uma certa elasticidade, esse governo não se sustenta. O Brasil é uma federação de elites regionais, onde o presidente da República atua como maestro.

ConJur — Com o adiamento da decisão de proibir a doação de pessoas jurídicas para campanhas, o senhor não acha que o Brasil perdeu a oportunidade de experimentar um novo caminho?
Dias Toffoli —
A França adotou um rígido sistema a partir de 1988 para controlar o financiamento das campanhas, após o escândalo da primeira campanha vitoriosa de François Mitterrand. Partidos socialistas financiaram naquela época de maneira clandestina, principalmente através de prefeituras e de empresas. A partir de 1988 se estabeleceu um teto para campanhas eleitorais. Em 1995, não satisfeita com o resultado do teto, a França vedou a doação de pessoa jurídica. Nos Estados Unidos o financiamento direto de pessoas jurídicas também é vedado. O que se permite são associações, chamados PACs — Political Action Committees, que recebem doações de pessoas físicas e de algumas pessoas jurídicas para determinadas campanhas. E, por uma decisão da Suprema Corte em 2010, se permitiu que esses PACs recebessem doações de empresas com fins lucrativos, o que deu origem aos chamados “Super PACs”. E há uma grande discussão na sociedade americana de que essa decisão tomada pela maioria republicana que compõe a Suprema Corte acabou por estabelecer um desnível na democracia, inclusive com editorial no New York Times e com uma rara declaração de um presidente da República criticando fortemente uma decisão da Suprema Corte. Ou seja, as discussões que assistimos mundo afora, no mundo ocidental, é que cada vez mais o dinheiro de corporações está tentando capturar a democracia. Não vamos colocar uma peneira para tapar o sol. Em uma sociedade capitalista, fundada em uma democracia universal com sufrágio secreto — onde, por exemplo, no caso concreto do Brasil, em 1945 votou 11% da população e hoje vota 75% —, a base democrática se modificou. Não é mais a elite que define o destino do Brasil, é o povão. E o capital tenta capturar isso, ou seja, a elite capitalista tenta capturar a democracia brasileira através do financiamento de campanha. Simples assim, vamos falar o português claro. Na França, estabeleceu-se o teto a partir de 1988.

ConJur — Isso é ruim?
Dias Toffoli —
Não. Isso faz parte do jogo democrático. Eu penso que é melhor vivermos em uma democracia em que isso acontece do que vivermos em uma ditadura soviética, do que em uma ditadura de esquerda ou de direita. Qualquer ditadura é muito pior, ou qualquer governo autocrático, ou qualquer monarquia, é muito pior do que esse sistema em que a gente sabe que o jogo é jogado. Agora, não podemos ser hipócritas de querer esconder esse jogo ou dizer que se trata de financiamento de campanha de “a”, “b” ou “c” por afinidade ideológica. Porque de ideologia não se trata. O estabelecimento da vedação da pessoa jurídica encontra respaldo em democracias sólidas, como a França e os Estados Unidos. No Brasil nós temos que estabelecer um teto de gastos por campanha, em primeiro lugar. Para se ter uma ideia, o limite de gastos em um campanha presidencial na França é 15 milhões de euros, no primeiro turno, e 20 milhões de euros, no segundo turno. O limite de gastos em uma campanha para deputado federal é de 38 mil euros. Lá, cada um dos 577 distritos elege uma cadeira na Assembleia Nacional. O Estado francês é unitário, não uma federação como o Brasil. É dividido em 577 locais, com 70 a 110 mil eleitores, que elegem por voto majoritário em dois turnos os seus deputados. Esse sistema torna uma campanha muito mais curta e muito mais barata. O financiamento público lá é de reembolso, ou seja, o candidato faz o gasto por conta própria e depois pede o reembolso. O Estado só paga aquilo que é legítimo e aceito, pelas leis, como despesa eleitoral. É um sistema bastante interessante. Ou seja, o dinheiro não é adiantado, o dinheiro é reembolsado.

ConJur — O Brasil deveria seguir esse modelo?
Dias Toffoli —
É importante estabelecer um teto de gasto por campanha. No Brasil quem estabelece o teto é o próprio candidato e o próprio partido, ou seja, o céu é o limite. Nós temos assistido campanhas com gastos enormes, principalmente com rádios e televisão. Então, mais importante do que o julgamento sobre a proibição de doações por pessoas jurídicas é analisar um limite de gastos, um teto de gastos e a fixação do quanto alguém pode doar. Por exemplo, na França o eleitor só pode doar 4,6 mil euros, tenha ele um patrimônio de 1 bilhão de euros, tenha ele um patrimônio de 10 mil euros. Ele não pode doar 4,6 mil euros para cada campanha, ele só pode doar esse valor no total. Ou seja, com isso há uma equalização no que diz respeito à participação do cidadão em termos do seu potencial econômico em uma campanha eleitoral. Qual a lição que a França deu? Após os escândalos da primeira eleição, o país radicalizou no sistema de limite de gastos por campanha, proibiu o financiamento de pessoas jurídicas e criou uma comissão de análise da contabilidade de campanha, que pode levar à perda de mandato, à cassação do mandato do eleito e à inelegibilidade. No Brasil também temos essa possibilidade de que gastos de campanha levem à cassação de mandato e à inelegibilidade. Mas o que ocorre? Não há um teto de gasto por campanha nem um limite tão rígido de doação das pessoas físicas. A pessoa física pode doar até 10% do seu rendimento no ano anterior. Para um cidadão muito rico isso pode significar R$ 1 milhão, e quem ganha salário mínimo pode ficar com o limite de R$ 70. Então, há distorção de poder econômico. Assim, mais importante do que proibir pessoa jurídica é estabelecer teto de gastos e teto de doação. Poderíamos até aceitar doação de pessoa jurídica desde que houvesse um teto de doação.

ConJur — E ela deve ser feita diretamente para o candidato?
Dias Toffoli —
Pode até ser, dentro de um limite rígido. Pode até ser. Mas da maneira como é hoje nós vemos aí grupos econômicos doando milhões e milhões. E isso mostra que quem está financiando a democracia hoje no Brasil não é a cidadania, não é o Estado, são as grandes corporações nessa tentativa, dentro do capitalismo, de capturar a democracia e eleger pessoas que vão defender interesse seus.

ConJur — Então o melhor modelo seria misto?
Dias Toffoli —
Não. O modelo ideal para mim é vedar pessoa jurídica totalmente, estabelecer um teto de contribuição das pessoas físicas equânime, em um número em valores fixos de reais, e não em porcentagem de renda, como é hoje, e estabelecer tetos de gasto por lei. Com isso teríamos eleições com maior controle. E talvez um sistema que, ao invés de liberar o financiamento a priori, aplique o sistema de reembolso, como ocorre na França. Ou seja, só os gastos legítimos e aceitos pela Justiça é que serão reembolsados aos partidos das candidaturas.

ConJur — Por que alguns críticos desse tipo de proposta dizem que isso beneficiaria partidos como o PT?
Dias Toffoli —
No Brasil se criou uma dicotomia entre financiamento público versus financiamento privado. Sempre se discutiu isso. E o PT apresentou uma proposta no Congresso Nacional de financiamento público exclusivo, impedindo que o cidadão contribua. Eu já disse que isso é inconstitucional. Proibir o cidadão de participar com a energia do seu recurso financeiro, que é produto do seu trabalho, da sua empresa, do seu empreendimento, para apoiar determinado partido, determinada ideologia, determinado candidato, afronta a liberdade de expressão. Então, um financiamento público exclusivo é equivocado. É por isso que se criou uma terceira via de discussão transversal a essa público versus privado, que é “há de se vedar pessoas jurídicas”. Então, a polêmica, no meu sentir, não deve se dar entre financiamento público exclusivo e financiamento privado, e sim entre financiamento de pessoa física e pessoa jurídica.

ConJur — As formas de financiamento podem beneficiar um ou outro partido?
Dias Toffoli —
Essa questão sobre se vai beneficiar “a”, “b” ou “c” é equivocada. Nos Estados Unidos se achou que a decisão da Suprema Corte, em janeiro de 2010, beneficiaria os republicanos e prejudicaria os democratas. Hoje, o maior “Super PAC” que existe é o de apoio à candidatura [democrata de] Hillary Clinton. Não dá para dizer previamente se vai ajudar alguém.

ConJur — Se forem aplicadas essas mudanças, quem tem mais militância acabaria tendo mais dinheiro…
Dias Toffoli —
Mas isso é bom, exatamente por conta disso. Hoje é muito cômodo para os partidos correr o chapéu pelas empresas. Mudar o modelo oxigenaria a democracia. Os partidos teriam que procurar o cidadão para doar. Hoje o que ocorre no Brasil? O cidadão pede dinheiro para o político. Nós temos que inverter essa lógica, é o político pedir dinheiro para o cidadão, e não ficando com o rabo preso com os grandes grupos econômicos.

ConJur — De toda essa discussão, o senhor acha que nós poderíamos ver alguma mudança implantada para as próximas eleições?
Dias Toffoli —
Eu penso que, seja quem for que vencer as eleições presidenciais, há de se refletir sobre uma reforma política. A maneira como se forma as maiorias governamentais no Brasil historicamente precisa ser modificada. Nosso sistema eleitoral eu penso que realmente chegou ao esgotamento.

ConJur — Se forem proibidas de doar, as empresas não criarão alternativas?
Dias Toffoli —
Não nego que essa captura da política pelo capital pode ocorrer após a eleição. Pode ocorrer, sem dúvida nenhuma. E faz parte do jogo, o embate em uma sociedade capitalista entre aqueles que querem dominar aqueles que estão exercendo a representação do povo. Os lobbies são legítimos, desde que dentro das regras do jogo. O que é um lobby? Uma reivindicação. Agora, quando coloca troca de favores e dinheiro, aí vira corrupção, algo ilícito. A ideia de contribuição de pessoa jurídica para as campanhas virou também uma maneira de as pessoas usarem a desculpa de que aquilo é o sistema, de que a democracia no Brasil só funciona assim, não tem como fazer política de outra maneira. É melhor matar o mal na raiz.

ConJur — É possível fazer política de outro jeito no Brasil?
Dias Toffoli —
O sociólogo francês Maurice Duverger, que escreveu muito nas décadas de 1940 e 1950 sobre os partidos políticos e sistemas eleitorais, dizia o seguinte: base proporcional com dois turnos de votação leva a uma amplíssima admissão no número de partidos e dificuldades de se ter base parlamentar, porque há uma diluição de integrantes no Parlamento. Nunca vai se formar maiorias parlamentares, e quem estiver exercendo um governo, seja um primeiro ministro no governo parlamentarista, seja um presidente no sistema parlamentarista, terá inúmeras dificuldades de ter um governo estável com uma base política estável. E o Brasil tem as duas coisas, a base proporcional e o segundo turno. Isso leva a uma proliferação de partidos natural e evidentemente a uma dificuldade de governança.

ConJur — Mas isso não pode ser uma vantagem também?
Dias Toffoli —
Não. A base proporcional no Brasil sempre foi discutida, desde a época do Império, nesse sentido. Ela foi introduzida na década de 1930 em uma proposta exatamente de acabar com a exclusão das minorias. Qual é a necessidade? A de se pensar um sistema que tente mesclar isso. A França tem o voto distrital, mas com dois turnos por deputado. Então, todo mundo pode se lançar no primeiro turno e no segundo turno você pode ter mais do que dois candidatos. A Alemanha resolveu isso com uma base proporcional, mas com distritos. Então, isso leva que se tenha na Alemanha um número flexível de cadeiras para o Parlamento, então o número é flexível. E são dois votos na Alemanha, na lista do partido e no distrito.

ConJur — O senhor pode explicar esse modelo de forma didática?
Dias Toffoli —
 Você tem o voto em lista, para seu partido, de modo proporcional. Só que no seu distrito você elege também o deputado local. Todo distrito vai ter um representante eleito, pelo sistema majoritário. Ali vence quem obteve o número maior de votos. Com isso você garante que as minorias estejam representadas e ao mesmo tempo que todo o território tenha representações próximas do eleitor.

ConJur — E isso funcionaria aqui?
Dias Toffoli —
Entre os modelos viáveis, prefiro o modelo alemão.

ConJur — Por que o sistema alemão do voto distrital misto é tão elogiado no Brasil e nunca adotado? É só um amor platônico?
Dias Toffoli —
Olha, eu penso que existem muitos que pensam que isso seria complexo para o eleitor. O eleitor brasileiro já mostrou que tem toda a capacidade de entender o sistema de voto. Ou seja, nós teríamos a divisão de metade da bancada através do voto distrital e metade através do voto proporcional, grosso modo.

ConJur — O Senado representa os estados na Câmara, enquanto os deputados representam a população ou o eleitorado. O voto de São Paulo vale 1/30 do voto do eleitor do Acre. O senhor acredita que existam condições objetivas de se corrigir essa distorção?
Dias Toffoli —
Só com emenda constitucional. Se introduzir o sistema alemão daria para resolver esse problema, porque você teria que acabar com a fixação do número de parlamentares. Hoje, o número está em lei complementar, são 513. A Constituição só dá o máximo e o mínimo. Para adequar isso dentro do número de parlamentares máximo por estado, você teria que diminuir o número de cadeiras no Parlamento hoje, o que prejudicaria São Paulo. Então, só seria possível com uma emenda constitucional que abrisse um teto para possibilitar que São Paulo tenha representação maior.

ConJur — Mas não haveria uma grande resistência?
Dias Toffoli —
A grande questão é a seguinte: o sistema atual interessa ao poder econômico. É muito mais barato eleger alguém em estados que têm super-representação em face de um estado como São Paulo.

ConJur — No fundo, a solução não seria um plebiscito e uma Constituinte exclusiva?
Dias Toffoli —
Eu penso que não há sentido nenhum para criar uma Constituinte exclusiva específica para a reforma política. Penso até que é de duvidosa constitucionalidade. Porque não há parâmetros para definir o que é reforma política. Pode ser tudo. Direitos e garantias individuais são temas políticos? São. Não há como se controlar. Seria criado um quarto poder acima de todos os outros. A sociedade deve ser madura e discutir isso dentro dos meios legítimos e constitucionais de reforma.

ConJur — Plebiscitos seriam interessantes?
Dias Toffoli —
Sim. A consulta popular eu acho que seria.

ConJur — Existe alguma restrição para plebiscitos?
Dias Toffoli —
De maneira nenhuma. Poderia ser um sistema de plebiscito que orientasse então o Parlamento a estabelecer determinados sistemas.

ConJur — O senhor comentou que é um mito achar que a população não entende a forma de votar. O senhor acha que o eleitor hoje entende o modelo de votação proporcional? Por exemplo, quando vota no Tiririca sabe que está levando outros deputados juntos?
Dias Toffoli —
Sabe que está levando. Mas o que importa para esse eleitor é o candidato e não o partido. Paciência.

ConJur — O senhor falou que o ideal seria a pessoa física ter mais participação. Quando o cidadão se manifesta nas redes sociais, como avaliar se ele está praticando propaganda irregular ou sua liberdade de expressão?
Dias Toffoli —
O cidadão pessoa física pode dizer o que deseja para o país desde que não seja calúnia, difamação e injúria ou a mentira deslavada. Na internet não pode propaganda paga — o cidadão não pode publicar apoio em seu blog em troca de dinheiro —, precisa ser algo verdadeiramente espontâneo, e pessoas jurídicas não podem fazer esse tipo de manifestação.

ConJur — Nós falamos de limitar o poder econômico e o poder administrativo nas eleições. E o chamado poder religioso?
Dias Toffoli —
O poder religioso no Brasil está ressurgindo. Mas o eleitor, em sua ampla maioria, pensa primeiro o que será melhor para ele. Existem aqueles que levam em conta o que o padre, o pastor, o pai de santo diga ou recomenda… Apesar disso, os temas religiosos têm interferido menos na eleição e mais na atividade do Parlamento, criando temas tabus.

* Texto atualizado às 17h30 do dia 2/10/2014 para acréscimo de informação.

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