O parecer do Ministério Público em que é pedida a manutenção da prisão preventiva dos réus para influenciá-los a “colaborar na apuração” vem causando preocupação em quem entende do assunto. Professores ouvidos pela ConJur a respeito do assunto foram unânimes em, além de discordar do posicionamento do procurador do caso, afirmar que seu entendimento viola as leis penais e a Constituição Federal.
Esse parecer foi dado em Habeas Corpus impetrados por réus investigados pela operação “lava jato”, conduzida pelo Ministério Público Federal em Curitiba. É nessa operação que se apuram denúncias de que diretores da Petrobras cobravam aditivos financeiros de empreiteiras durante a assinatura de grandes contratos.
Os HCs foram impetrados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região contra a transformação de prisões temporárias em prisões preventivas. O desembargador federal João Pedro Gebran Neto negou os pedidos de liminar e suas decisões foram depois mantidas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Embora tenha causado antipatia em operadores do Direito, o procurador Pastana afirma que jamais defendeu a prisão provisória como forma de forçar os investigados a confessar, ou colaborar com a investigação. "O que sustentei foi a prisão preventiva como forma de corroborar a delação premiada. Isso é diferente de ‘forçar a confissão’, mesmo porque a delação é um instituto legal, previsto em diversos textos de leis."
A questão já virou motivo de preocupação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O conselheiro federal Guilherme Batochio pediu que a entidade "adote as medidas cabíveis contra quem de direito" e se manifeste publicamente sobre o que ele classifica como "supina ilegalidade, consubstanciada na instrumentalização da prisão processual para o fim de se arrancar confissões ou delações premiadas".
O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, afirma que o Plenário da entidade haverá de se manifestar sobre o tema para tirar uma posição institucional. "O compromisso da OAB há de ser sempre com o respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência, em todo e qualquer caso, pois estes são princípios constitucionais", diz o advogado.
Os advogados que trabalham para defender os réus da “lava jato” ficaram perplexos com o parecer. A manobra de prender os acusados para força-los a delatar outros envolvidos no caso já era comentada entre eles há bastante tempo. Foi inclusive denunciada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron em entrevista à ConJur. O que chamou a atenção de todos foi o procurador escrever isso em um parecer e enviá-lo ao tribunal.
“Ou seja, uma releitura do modelo medieval, em que se prendia para torturar, com a tortura se obtinha a confissão, e, posteriormente usava-se a confissão como a rainha das provas", diz.
Para o jurista Miguel Reale Junior, professor da USP e penalista renomado, o Ministério Público "erra ao justificar o pedido nessa perspectiva". "A prisão preventiva não pode se justificar como instrumento de pressão para ser feita delação", comentou.
O procurador Manoel Pastana, autor do parecer, defendeu suas posições em entrevista à ConJur. Ele disse que a delação premiada é uma figura nova no Direito Penal brasileiro, e por isso exige novas soluções. É o artigo 312 do Código de Processo Penal que fala na “conveniência da instrução criminal”, e o procurador entende que o “encorajamento à confissão” pode ser enquadrada nesse “conceito amplo”.
Lenio Streck discorda veementemente. Com essa interpretação, comenta Lenio, “o procurador acrescentou nova hipótese ao artigo 312 do CPP e acabou com a presunção de inocência”. “A polícia e o MP não conseguem provas sem delação? Querem inverter o ônus da prova? Caímos na república da responsabilidade objetiva-penal? Bronson era ficção, mas o procurador Pastana é realidade. Eis a questão que assusta”.
Prado também se preocupa com o fato de questões como essa terem o potencial de comprometer toda a investigação, de cuja importância ninguém duvida. “No lugar de defender a ordem constitucional, que presume inocente o acusado e o protege contra iniciativas que visam constranger a produzir confissões — que podem não corresponder à verdade, como está provado na boa literatura — o MPF prega o emprego da prisão provisória como método destinado a burlar a garantia que tem o dever de resguardar. Iniciativas do gênero desacreditam o processo penal e, ao contrário do que postula o MPF, podem levar ao comprometimento da própria investigação."
*Texto alterado às 18h13 do dia 28 de novembro de 2014 para acréscimos.