"Lava jato"

Em parecer, MPF defende prisões preventivas para forçar réus a confessar

Autor

27 de novembro de 2014, 11h00

O uso das prisões preventivas como forma de forçar os réus da operação “lava jato” a colaborar com a investigação não é mais segredo. Em pelo menos quatro pareceres em Habeas Corpus, a Procuradoria Regional da República da 4ª Região defende a manutenção das prisões diante da “possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal”.

Reprodução
Os textos foram assinados no dia 21 de novembro e enviados ao Tribunal Regional da 4ª Região na terça-feira (25/11). O advogado Alberto Zacharias Toron (foto), que representa os executivos da empresa UTC Engenharia, já havia denunciado a manobra da acusação em entrevista à ConJur no dia 18 de novembro. Segundo ele, as prisões foram uma forma de “extorsão de confissões e delações”. “Quem colaborou foi solto”, disse.

A operação “lava jato” vem sendo conduzida pelo Ministério Público Federal no Paraná, sob responsabilidade da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. É nela que são investigadas denúncias de que diretores da Petrobras cobraram de empreiteiras o pagamento de aditivos financeiros em grandes contratos. E as ordens de prisão são baseadas em informações prestadas por investigados sob o regime de delação premiada.

Os Habeas Corpus em que o MPF pediu a manutenção das prisões preventivas se referem a prisões feitas no dia 15 de novembro. Foi nessa data que a Polícia Federal conduziu inúmeras diligências de busca e apreensão e prendeu diretores das empreiteiras apontadas na investigação. Entre elas, Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, UTC Engenharia, Engevix. A Odebrecht, também citada, é investigada em um inquérito exclusivo.

Diante das prisões temporárias, que têm prazo de cinco dias, o MP em Curitiba pediu sua conversão em prisão preventiva, cujo objetivo é proteger o andamento do processo e impedir que o acusado fuja ou destrua provas. O pedido foi atendido pelo juiz titular da operação, Sergio Moro.

Contra essa conversão, os advogados dos empresários entraram com HCs no Tribunal Regional da 4ª Região. Nos pedidos, alegaram que as prisões foram decretadas apenas com base em depoimentos de outros réus  e que não existem razões para manter os réus presos. E já nos pedidos de liminar os defensores afirmam que “a prisão tem por finalidade levar o paciente à confissão”.

Conveniência da investigação
O relator dos HCs no TRF-4, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, negou as liminares, mas não discutiu o argumento da tentativa de forçar a confissão. E no Superior Tribunal de Justiça, as prisões também foram mantidas — com direito a comentários dos ministros sobre como eles estão espantados com o nível de corrupção a que chegou o país.

Reprodução
No parecer de mérito enviado ao TRF-4, o procurador da República Manoel Pastana (foto), afirma, já na ementa, que, “além de se prestar a preservar as provas, o elemento autorizativo da prisão preventiva, consistente na conveniência da instrução criminal, diante da série de atentados contra o país, tem importante função de convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos penais, o que poderá acontecer neste caso, a exemplo de outros tantos”.

Os textos dos quatro pareceres a que a ConJur teve acesso são bastante parecidos. O que muda, evidentemente, é a narração dos delitos cometidos por cada réu e alguns detalhes na redação da parte dispositiva. O parecer emitido no HC do ex-diretor da Petrobras Renato Duque foi divulgado pelo blog do jornalista Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo o procurador Pastana, as prisões devem ser mantidas diante da “conveniência da instrução processual”. Diz ele: “A conveniência da instrução criminal mostra-se presente não só na cautela de impedir que investigados destruam provas, o que é bastante provável no caso do paciente, mas também na possibilidade de a segregação influenciá-lo na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade, o que tem se mostrado bastante fértil nos últimos tempos”.

Pastana também discute a possibilidade de a prisão preventiva ser transformada em alguma das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Mas ele acredita que, “por razões óbvias, as medidas cautelares alternativas à prisão são inadequadas e impróprias”.

Reprodução
Sem pudor
O advogado Fabio Tofic Simantob (foto), um dos criminalistas que trabalham no processo da “lava jato”, concorda com o colega Toron: o parecer é a prova de que a prisão preventiva está sendo usada como “forma de extorquir confissões”. “Perderam o pudor”, comentou.

Roberto Telhada, outro dos criminalistas que militam nesse caso, ficou perplexo com a inovação dos argumentos do procurador. “Prender a pessoa pra obrigar a confessar um crime é fazer tábula rasa do direito ao silêncio. É um equivoco muito grave. Em toda a minha carreira nunca vi nada parecido.”

A questão do cabimento ou não da prisão preventiva está para ser discutida pelo TRF-4. “O procurador acha que ela é cabível, direito dele, e nós achamos que não. Mas esse argumento foi realmente surpreendente. Prender pra forçar a confessar? Voltamos à Idade Média?”, espanta-se Telhada.

Tese nova
O procurador Manoel Pastana se defende. Ele reconhece que foi “um entendimento avançado” do que diz o artigo 312 do Código de Processo Penal. Em conversa com a ConJur, explicou que seu parecer se baseia na parte do dispositivo que autoriza a prisão preventiva “para conveniência da instrução criminal”. Segundo ele, trata-se de um conceito aberto.

“É um entendimento meu, posso interpretar o Direito. Não estou distorcendo fatos, estou tratando de teses”, afirma. O procurador acredita que “o Direito precisa evoluir” e que a figura da delação premiada é recente no Direito Penal brasileiro. Por isso, diante de uma regra que fala da conveniência da instrução de forma abstrata como causa para a prisão preventiva, é possível se interpretar que uma dessas conveniências seja forçar o réu a colaborar, conclui.

Pastana afirma que se está diante de um dos crimes mais difíceis de se apurar, por causa da sofisticação. “Em crime de colarinho branco, onde existem rastros mas as pegadas não ficam, são necessárias pessoas envolvidas com o esquema para colaborar. E o passarinho pra cantar precisa estar preso”, comenta.

Ele analisa que a prisão nos crimes tributários é para forçar o réu a pagar o imposto devido. No caso dos crimes financeiros, a prisão também pode servir para forçar o réu a contar à Justiça como foi cometido o delito. “É um negócio que o Estado faz com o criminoso: ele já agrediu a sociedade, agora agride os companheiros dele. Se os criminosos usam de todos os artifícios para tentar fugir, temos que tentar nos adequar.”

Clique aqui para ler o parecer do MPF no caso dos executivos da OAS e aqui para ler o dos executivos da UTC Engenharia.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!