Decisão do STF

É possível interpor agravo sem advogado

Autor

24 de novembro de 2014, 6h49

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu que recurso de agravo regimental contra decisão que rejeitou Habeas Corpus pode ser interposto pelo próprio acusado, sem a necessidade de ser representado por advogado. A questão foi no julgamento do Habeas Corpus 123837, impetrado por R.P.T em causa própria.

Conforme os autos, R.P.T – condenado à pena de cinco anos e oito meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, pelo crime de roubo – não possui advogado constituído e, atualmente, cumpre pena privativa de liberdade, na penitenciária de Tremembé, “sem dispor de recursos financeiros para contratar um profissional para atuar na sua defesa”.

No Habeas Corpus, ele questionou decisão do Superior Tribunal de Justiça que não reconheceu sua capacidade postulatória para apresentar recurso.  Segundo o relator da matéria, Ministro Dias Toffoli, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em não admitir a interposição de agravo regimental em sede de Habeas Corpus, pelo condenado que não detém capacidade postulatória, está em desacordo com a jurisprudência do Supremo. “É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que, em sede de habeas corpus, o fato de a parte não possuir capacidade postulatória não impede o conhecimento do agravo regimental”, salientou, ao citar como precedentes os Habeas Corpus nºs 102836, 84716 e 73455.

O Ministro Dias Toffoli considerou que “se o condenado pode o mais, que é propor o Habeas Corpus, então pode pedir ao colegiado a analise o agravo”. No pedido apresentado ao Supremo Tribunal Federal, R.P.T. pedia para que fosse cassada a sentença penal, porém o relator concedeu a ordem de Habeas Corpus de ofício para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que julgue o mérito do agravo regimental lá interposto. Ao participar do julgamento, o Ministro Luiz Fux observou que a capacidade postulatória existe em favor do autor do pedido, a fim de que ele não se prejudique, “mas no caso ele teve aptidão sozinho de postular o recurso”. A decisão da Turma foi unânime.

Sob todos os aspectos, uma verdadeira decisão de uma Suprema Corte. Brilhante o entendimento, pois não fez tabula rasa da garantia constitucional do Habeas Corpus, como ocorreu em tantas outras vezes, infelizmente.

                                                           Aliás, antes desta decisão, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal já havia decidido enviar ao Plenário, para que unifique a jurisprudência da Corte, uma divergência em torno da possibilidade ou não de pessoa não habilitada pela Ordem dos Advogados do Brasil interpor recurso ordinário em Habeas Corpus, sem ser habilitada como advogada pela entidade de classe.

                                                           A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº. 111438, em que o representante de uma Organização Não Governamental, atuando em nome de uma série de presos, questiona decisão do Superior Tribunal de Justiça em Habeas Corpus impetrado contra a Ordem de Serviço 02/2010, do Presidente da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O documento determinou a remessa imediata, à Defensoria Pública do Estado, de petições – geralmente manuscritas – encaminhadas por detentos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.m razão da discussão a respeito do tema, o colegiado decidiu levar a questão ao Plenário da Corte.

                                                           O relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski, havia se pronunciado pelo não conhecimento do recurso (determinou o arquivamento), por ter sido interposto fora do prazo legal e por pessoa não habilitada para interposição de recurso, entendendo que a ordem de serviço questionada não apresenta nenhuma ilegalidade e, pelo contrário, tem objetivo de facilitar a vida dos presos e de seus familiares.

                                                           Já o Ministro Gilmar Mendes, que apresentou voto-vista, entendeu que a ordem de serviço é cerceadora do direito dos detentos de peticionar diretamente ao tribunal, e que a passagem de suas petições obrigatoriamente pela Defensoria Pública teria como consequência uma demora maior até sua apreciação. Assim, tendo em vista a intempestividade do recurso, o Ministro Gilmar concluiu pelo conhecimento do recurso ordinário e, de ofício, votou pela concessão do pedido, para declarar a ilegalidade da ordem de serviço questionada. O processo, no entanto, foi convertido em diligência, para solicitar informações adicionais ao presidente da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo paulista sobre a situação de cada um dos presos. Posteriormente, o Habeas Corpus será levado a julgamento no Plenário da Corte.

                                                           Como se sabe, o habeas corpus deve ser necessariamente conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, pois se visa à tutela da liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”[1]

Para Celso Ribeiro Bastos “o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”[2]

Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.

                                                           Lendo este meu artigo, o Professor peruano Luis Alberto Pacheco Mandujano[3], passou-me o seguinte e amável e-mail:

 

                                                           "Estimado Rômulo, buenas tardes e muchas gracias por el envío de este interesante artículo que da cuenta de una toma de decisión que implica el avance en la protección de los derechos fundamentales más sagrados de la persona humana y que desecha la aplicación de formalismos torpes, como el de la exigencia de la firma de un abogado a la hora de presentar un Recurso de Agravio. En el Perú, la legislación para el caso del hábeas corpus indica que no se necesita de la firma de un abogado para ningún acto procesal en este proceso de garantía constitucional. Es decir, ni la demanda necesita de la firma de un abogado. Es por esa razón que los procesos de hábeas corpus son bastante céleres en mi país, incluso hasta para llegar al Tribunal Constitucional, desde la primera instancia. Sigamos coordinando. En mí cuentas con un  apasionado estudioso del Derecho. Abrazo fraterno."

                                                           Obviamente que não defendemos a possibilidade de quem não é advogado poder fazer sustentação oral em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Aliás, com esse entendimento o Ministro Cezar Peluso negou um pedido feito por L.R.Z. – que não é advogado mas pretendia falar perante os Ministros da Corte em defesa de M.M.S.F., condenado a quinze anos de reclusão por tráfico de drogas. Em sua decisão, o Ministro salientou que o artigo 124 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal é explicito no sentido de que só “advogados” podem ocupar a Tribuna da Corte para formularem requerimentos ou fazer sustentação oral. O Ministro Cezar Peluso citou precedentes da Corte e, com base no art. 191, também do Regimento, nomeou um Defensor Público para atuar em favor de L.R.Z. durante o julgamento a ser realizado no Supremo Tribunal Federal. O Habeas Corpus nº. 96088 foi ajuizado na Corte por L.R.Z., questionando decisão do Superior Tribunal de Justiça.

                                                           Oxalá os Ministro avancem ainda mais, no sentido de reconhecer ao recorrente (não advogado) a capacidade postulatória para o Recurso Ordinário Constitucional contra as decisões denegatórias de Habeas Corpus e, até mesmo, para o Recurso em Sentido Estrito (art. 581, X do Código de Processo Penal), tudo como corolário do disposto no art. 654 do Código de Processo Penal.                                           

 

 

[1] História e Prática do Habeas Corpus, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1999, p. 39.

 

[2] Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 312.

 

[3] Gerente General da Abad Consultores Asociados S.A.C., Lima, Perú: www.abadconsultores.com / www.luispachecomandujano.blogspot.com 

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!