Competência para julgar

Legislativo deve ditar quem julga militares, independente da natureza do delito

Autor

  • Thiago Colnago Cabral

    é juiz de Direito da 3ª Vara de Tóxicos Crime Organizado e Lavagem de Capitais de Belo Horizonte (MG) doutor e mestre pela USP e mestrando na Universitat di Girona (Espanha).

23 de novembro de 2014, 16h45

Independentemente da distinção que se faz entre crime militar próprio e impróprio, certo é que um dos temas mais controvertidos no tocante à Execução Penal diz respeito ao juízo competente para a fiscalização do cumprimento de pena decorrente do julgamento de crimes militares, notadamente quando se ponderam todas as variáveis possíveis.
As variáveis da questão, a propósito, são muitas e tangenciam desde a natureza da pena imposta (privativa de liberdade ou restritiva de direitos) até a natureza do estabelecimento prisional de eventual segregação (estabelecimento militar ou civil, submetido à administração estadual ou federal), passando pela natureza da infração penal (crime militar próprio ou impróprio ou, ainda, crime comum) e pelo eventual desligamento do agente da respectiva corporação (manutenção ou perda da condição de militar).
Não pode deixar de ser visto, entretanto, que a controvérsia em comento também atinge, conquanto em menor grau, as demais Justiças Especializadas, a saber, a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal.
A controvérsia acarretou inúmeros julgamentos das Cortes Superiores, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, quanto ao tema, o que, é de se reconhecer, não contribui à adequada prestação da tutela jurisdicional, especialmente porque, na hipótese de estar encarcerado o agente, a dúvida quanto ao juízo competente para o processamento da execução de penas repercute, invariavelmente, em prolongamento indevido da custódia.
 
É verdade, deve ser dito, que o Superior Tribunal de Justiça, ainda em junho de 1997, tentou uniformizar a jurisprudência quanto à questão, editando a súmula n.° 192, segundo a qual “compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas aos sentenciados pela Justiça federal, militar ou eleitoral, quando recolhidos a estabelecimento sujeito à administração estadual”.
Flagrante, todavia, a verificação de que o preceito editado não responde a todas as variáveis identificadas anteriormente — o que concorre para que a controvérsia seja mantida, tanto na doutrina quanto nos tribunais, sem solução. Ou seja, como dito, prejudica a adequada prestação da tutela jurisdicional.
A causa da referida controvérsia remonta à absoluta inexistência de preceito destinado à regulamentação da competência para a execução de penas decorrentes de sentenças proferidas pela Justiça Militar, pela Justiça Eleitoral e pela Justiça Federal.
A despeito desta constatação, o Projeto de Lei de Execuções Penais em trâmite no Senado, perdendo oportunidade substantiva, deixa de propor solução à controvérsia, perpetuando a omissão legislativa existente.
Omitir-se, como na espécie, é absolutamente inadmissível, sobretudo porque, consoante já diagnosticado, as divergências atinentes à competência para processar e julgar a execução de penas impostas pela Justiça Militar, pela Justiça Eleitoral e pela Justiça Federal acabam, em grande número de casos, repercutindo em prolongamento desnecessário de eventual encarceramento.
O ideal é, neste toar de ideais, que o Parlamento adote de forma expressa posição quanto ao tema, fixando literalmente a competência para cada uma das hipóteses traçadas, valendo-se, na hipótese, da regra geral de que competirá à Justiça Comum Estadual a execução da pena privativa de liberdade, independentemente da natureza do delito, quando o agente estiver recolhido em estabelecimento sujeito à administração estadual, ainda que mantida sua condição de militar. Em sentido contrário, estando o agente segregado em estabelecimento militar, uma vez mais independentemente da natureza do delito, haveria de ser reservada a competência à Justiça Especializada, no caso, a Justiça Militar.
Noutro plano, caberia ainda ao Legislativo reservar às próprias Justiça Militar, Justiça Eleitoral e Justiça Federal a competência para a execução de penas restritivas de direitos, de multa e das medidas de segurança, no caso de impostas por cada um de seus órgãos, ressalvada, apenas, a competência da Justiça Comum Estadual, quanto às mencionadas sanções penais, relativas à condenação da Justiça Militar imposta a agente desligado da corporação. A razão é singela: perdida a condição de militar, não haveria razão legítima à manutenção da competência da Justiça Especializada.
Deve ser visto, finalmente, que o tratamento proposto ao tema solucionaria ainda outro impasse da jurisprudência, relativo à coexistência de condenações originadas da Justiça Comum e da Justiça Especializada. Neste caso, estabelecido o juízo competente em lei, caberia a este apenas e tão-somente a soma ou unificação de penas, tal qual se opera em relação a todos os outros condenados, evitando-se que o cumprimento de uma pena fique na dependência do cumprimento de outra apenas em virtude de suas origens distintas.
Assim agindo, o Legislativo prestaria relevante contribuição ao país, sepultando controvérsia jurisprudencial e doutrinária e suprindo omissão relevante da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Projeto de Lei de Execução Penal.
 
Essas reflexões integram conjunto de sugestões feitas pela Comissão de Estudos da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) ao PL nº 513/2013, que tramita no Senado Federal, para aperfeiçoar a Lei de Execução Penal. 
 

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