Falta de estrutura

Unafe sai em defesa dos procuradores federais e da política do acordo zero

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19 de novembro de 2014, 16h20

A União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe) não esteve diretamente envolvida na política do acordo zero empreendida por procuradores federais e advogados da União. Mas saiu em defesa dos associados que aderiram ao movimento como forma de chamar a atenção do governo para o que consideram desvalorização da carreira.

Em nota enviada à Revista Eletrônica Consultor Jurídico nesta quarta-feira (19/11), a Unafe afirma que os acordos judiciais não são compulsórios e só podem ser feitos quando o procurador “constatar que os fatos ou o direito em questão se tornaram incontroversos”. Por isso, continua a entidade, todos os acordos feitos em processos são vinculados ao Manual da Conciliação da Procuradoria-Geral Federal, que dá aos procuradores autárquicos “autonomia profissional” para decidir pela celebração do acerto ou não.

A política do acordo zero, revelada pela ConJur na semana passada, é uma prática de membros da AGU de não fazer mais acordos judiciais. Afeta principalmente o INSS, que responde por quase 80% dos casos em trâmite no primeiro grau da Justiça Federal e que tem quase de 70% dos processos resolvidos por acordo.

É uma ferramenta ao mesmo tempo política e jurídica. Os acordos celebrados entre INSS e beneficiado envolvem o pagamento imediato de 70% do valor cobrado pelo cidadão no Judiciário quando o procurador federal entende que não há possibilidade de a autarquia ganhar a disputa.

Para o beneficiado, a vantagem é receber o valor imediatamente, e não depois do fim do processo, que pode durar anos. Para o juiz federal, fica o conforto de apenas assinar uma sentença homologatória de acordo, sem precisar entrar nas minúcias do caso concreto para dar uma decisão de mérito. E para a Advocacia-Geral da União fica a possibilidade de anunciar a grande economia de dinheiro público, sem dano ao erário.

O acordo zero, portanto, foi a forma que membros da AGU encontraram de protestar contra a falta de estrutura da carreira sem incorrer em falta funcional, já que os acordos não são obrigatórios.

Falta de estrutura
A nota da Unafe foi uma resposta à declaração do advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, à ConJur. Ele disse que, como a atuação dos advogados públicos federais é vinculada aos interesses da administração pública, os casos de renúncia a acordo serão apurados. Se ficar demonstrado que a prática prejudicou os interesses administrativos, os casos serão levados à corregedoria da AGU.

Em reposta, a Unafe apresentou dados sobre a falta de estrutura da carreira. Segundo a nota, com a ampliação dos juizados especiais e federais e a interiorização da Justiça Federal (abertura de varas federais em cidades do interior), o número de ações envolvendo o INSS aumentou. “Entretanto, mesmo estando autorizada pela Presidente da República a decidir sozinha pela abertura de concursos e nomeação de procuradores, a AGU optou por não preencher todas as vagas.”

De acordo com a entidade, estão vagos 518 cargos de procuradores federais para trabalhar no INSS. Outras 375 pessoas foram aprovadas em concurso em 2010, mas nunca foram nomeadas, segundo a nota da Unafe. O mesmo, segundo a entidade, acontece nas carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda e procurador do Banco Central.

Isso leva à sobrecarga de trabalho dos procuradores. Em São Paulo, diz a entidade, os procuradores que trabalham em segundo grau, recebem 250 processos por semana. Numa carga horária de 40 horas semanais, são menos de dez minutos por processo. No Rio, são 400 processos por procurador por semana. Seis minutos para cada ação, ainda segundo a Unafe.

A entidade também diz que, em mutirões de conciliação, os procuradores chegam a fazer 50 audiências de acordo em um só dia. O que deixa menos de dez minutos para cada caso. Por isso é que na primeira nota da Unafe, do dia 11 de novembro, é dito que os procuradores que perceberem que têm menos de meia hora para avaliar a possibilidade de acordo estão livres para aderir ao acordo zero.

Volume de trabalho
A Unafe fez uma consulta a seus associados em outubro e constatou que a maioria dos procuradores federais está insatisfeita com a quantidade de trabalho que tem. No INSS, segundo o estudo, 80% dos procuradores avaliam que a quantidade de processos que recebem afeta a segurança ou a qualidade do serviço prestado.

Como são menos de dez minutos por acordo, 93% dos profissionais do INSS disseram fazer hora extra para dar conta do trabalho. Com isso, “identificam riscos ao interesse público em razão do excesso de processos”.

A Unafe também reclama da falta de carreiras de apoio aos membros da AGU. Isso leva os procuradores a se dedicar a tarefas “que poderiam ser efetuadas por técnicos sem formação jurídica, tais como acessar diretamente sistemas corporativos de autarquias, quando deveriam estar voltados à sua função precípua”.

Leia a nota da Unafe:

RESPOSTA DA UNAFE À MATÉRIA DO CONJUR DE 18/11/2014

Em resposta à matéria jornalística do site Consultor Jurídico, de 18/11/2014, a UNAFE – União dos Advogados Públicos Federais do Brasil esclarece:

O interesse público é, em regra, indisponível.

Somente quando autorizado por lei e pelas normas que regem a política de acordos da Advocacia-Geral da União é que o advogado público federal pode ofertar acordos. Pelas regras atuais, um advogado público somente pode propor acordo num processo quando constatar que os fatos ou o direito em questão se tornaram incontroversos. Por isso, o ato de celebrar um acordo é vinculado, ou seja, segue parâmetros estritos, previstos em lei.

O Manual de Conciliação da Procuradoria-Geral Federal (http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/10058710) é claro em estabelecer que, "salvo naquelas hipóteses em que a matéria já tenha sido objeto de Súmula da Advocacia-Geral da União ou de parecer aprovado na forma dos arts. 40 a 42 da Lei Complementar n° 73/931, a celebração de acordos não é compulsória. Pode o Procurador Federal atuante no processo, dentro da esfera de autonomia profissional e da sua avaliação pessoal dos fatos da lide, decidir pela não celebração do acordo, quando entender não estarem presentes os requisitos que autorizariam a sua celebração."

Assim, quando não presentes estas circunstâncias, o advogado não pode e não deve ofertar acordo. Hoje não existem prerrogativas que garantam aos advogados públicos proteção legal ao decidir pela celebração de acordos. Há um lamentável entendimento de alguns órgãos de controle de que um erro em um acordo, mesmo quando homologado por um juiz, sujeita o advogado público a sofrer responsabilização administrativa e civil – conforme ficou demonstrado pela atuação do Tribunal de Contas da União no acórdão 715/2012.

Nos últimos anos, com a ampliação dos Juizados Especiais Federais e a interiorização da Justiça Federal, o número de processos contra o INSS aumentou. Entretanto, mesmo estando autorizada pela Presidente da República a decidir sozinha pela abertura de concursos e nomeação de procuradores (art. 10, § 1º, I do Decreto 6.944/2009), a AGU optou por não preencher todas as vagas. Hoje estão vagos 518 cargos de procuradores federais, responsáveis diretos pela defesa do INSS na Justiça. Esta situação perdura desde o concurso de 2010, sendo que nos últimos 4 anos nunca houve o preenchimento da totalidade dos cargos vagos e não há previsão de nomeação dos 375 aprovados em concurso público. A mesma situação se repete nas carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional e procurador do Banco Central, igualmente atingidos pela política da AGU de não preencher todos os cargos de advogados.

Com a sobrecarga de processos sobre os procuradores em atividade, aumentaram os erros processuais e as perdas de prazos, por não conseguirem dar conta da demanda humanamente invencível. A AGU não possui uma norma que limite a quantidade de processos por procurador, o que conduz a absurdos. Em São Paulo, procuradores que atuam perante a Justiça Federal em segundo grau chegam a receber 250 processos por semana. Para dar conta desse trabalho em uma jornada de 40 horas, o procurador tem menos de 10 minutos para analisar e peticionar em cada processo, muitos deles envolvendo altas somas em dinheiro. No Rio de Janeiro, procuradores que atuam perante as turmas recursais recebem semanalmente uma carga superior a 400 processos, o que representa 6 minutos para atuação em cada caso. Em mutirões de conciliação, procuradores que defendem o INSS são exigidos a fazer até 50 audiências de acordo num dia, o que também representa menos de 10 minutos para analisar cada processo.

Na Pesquisa sobre Volume de Trabalho divulgada pela UNAFE no mês passado, constatou-se que mais de 80% dos procuradores federais que trabalham na defesa do INSS consideram que o volume processual excessivo afetou a qualidade ou a segurança do serviço jurídico que prestam. Constatou-se ainda que 93% desses profissionais extrapolam a jornada semanal para conseguir dar conta da demanda processual, bem como identificaram riscos ao interesse público em razão do excesso de processos. Tais problemas poderiam ser minimizados com a criação de uma carreira de apoio aos procuradores, mas até hoje isto não aconteceu – o que faz com que 80% dos advogados públicos tenham que executar funções que poderiam ser efetuadas por técnicos sem formação jurídica, tais como acessar diretamente sistemas corporativos de autarquias, quando deveriam estar voltados à sua função precípua. E, apesar dos 21 anos de existência da AGU, até hoje não foi implementada tal carreira. Tampouco há estagiários ou funcionários terceirizados em número suficiente para auxiliar em tarefas de menor complexidade.

Também preocupam as condições materiais para a prestação dos serviços jurídicos. Em muitas procuradorias os advogados precisam custear do próprio bolso a compra de itens de higiene, limpeza, água e manutenção de ar-condicionado, assim como mobiliário ergonomicamente adequado. Há notícia de que algumas empresas que fornecem os veículos para carga de processos e transporte de advogados para audiências não recebem pagamento há mais de 90 dias – o que coloca em risco a mais elementar atividade da AGU: buscar os processos nos fóruns, para análise dos procuradores.

A associação desses fatores adversos tem causado graves repercussões na saúde dos advogados. Na Pesquisa sobre Volume de Trabalho, 71% responderam que ficaram doentes nos 12 meses anteriores. Destes, 79% responderam que a doença tinha relação com o quantitativo excessivo de processos. Mesmo doentes, 81% dos procuradores continuam trabalhando. O ritmo de trabalho inadequado tem causado os mais diversos tipos de moléstias ocupacionais, como LER/DORT, estresse, hipervigilância, pertubação do ciclo vígilia-sono, fibromialgia, dentre outras consequências psicossomáticas.

São estas algumas das razões pelas quais a UNAFE defende e apóia, ao lado das demais entidades do Movimento Nacional da Advocacia Pública, a aprovação da PEC 82/2007, que confere autonomia à advocacia pública federal, estadual e municipal, garantindo o seu caráter de órgão defensor das políticas públicas e de aconselhamento jurídico dos Poderes Legislativo e Executivo – mas com a independência para sugerir caminhos alternativos quando a via escolhida pelo gestor público for vedada pela lei ou pela Constituição.

A UNAFE reitera seu apoio a todos os procuradores federais que aderiram ao movimento "acordo zero", que visa evitar a realização de acordos indevidos em processos previdenciários. A UNAFE confirma e mantém a recomendação aos seus associados para que suspendam a realização de acordos quando, por qualquer motivo, não tenham condições de analisar adequadamente os requisitos que os autorizam e para que considerem com muito critério a realização de acordos quando não disponham de pelo menos 30 minutos para a análise de viabilidade de cada conciliação. Reitera também as "Recomendações aos associados sob condições de trabalho inadequadas."

A UNAFE defenderá, jurídica e politicamente, qualquer associado que seja violado ou ameaçado em suas prerrogativas de preservar o interesse público e evitar acordos judiciais indevidos – seja na esfera disciplinar, judicial ou de controle externo.

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