Linhas vigiadas

Discussão sobre grampos trava no CNMP e tema volta a preocupar advogados

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10 de novembro de 2014, 5h15

O Conselho Nacional do Ministério Público ainda não julgou o mérito de um Pedido de Providências interno que avalia se (e como) o MP pode fazer interceptações telefônicas. O processo, que está para ser votado desde o ano passado, teve uma sucessão de pedidos de vista. Uma impressão compartilhada de dentro do CNMP é de que há uma tentativa de esvaziar a pauta. As últimas seis votações foram adiadas e três dos 14 conselheiros pediram vista dos autos.

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Dentre as recomendações e análises do voto do então relator do caso, o ex-conselheiro do CNMP Fabiano Silveira (foto), atualmente integrante do Conselho Nacional de Justiça, está o pedido de monitoramento dos grampos por agente especializados e a centralização dos dados obtidos pelos sistemas de espionagem. Em maio de 2013, quando foi feito o levantamento, os MPs monitoravam mais de 16 mil telefones simultaneamente.

Medidas
Para além das discussões sobre a legitimidade desse tipo de escuta feita pelo Ministério Público, advogados de várias partes do país afirmam que as interceptações telefônicas têm ultrapassado os limites do processo legal. É o que acontece em Santa Catarina, onde três casos de interceptação telefônica de conversas entre advogados e clientes, protegidas pelo sigilo profissional, foram usados em processos recentemente. 

A partir desse caso, o conselho pleno da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina aprovou um projeto para acompanhar o registro de grampos de conversas entre advogado e clientes nos autos processuais.

O plano, assinado pelo conselheiro Leonardo Pereima, pretende conscientizar as corregedorias do Ministério Público, Tribunais de Justiça, CNMP e CNJ para que sejam vedadas interceptações de conversas de cunho profissional de advogados com seus clientes. A ideia é, inclusive, acionar criminalmente os responsáveis por interceptações indevidas e disciplinarmente junto ao CNPM e ao CNJ os promotores e os juízes que violarem a prerrogativa do sigilo profissional da advocacia.

A seccional catarinense criou, inclusive, o cargo de procurador de prerrogativas para monitorar a situação, e orienta os advogados a acioná-la sempre que forem vítimas de escutas ilegais. A procuradoria é, ainda, responsável por pedir a íntegra de processos com trocas entre advogados e clientes para análise.

A lei e os operadores do Direito
A Lei de Escutas Telefônicas (Lei 9.296/96) é clara em classificar como crime a quebra segredo de Justiça ou o uso dos grampos para objetivos não autorizados em lei. Especificamente sobre a atividade advocatícia, a inviolabilidade do aconselhamento profissional por medidas de escuta também é garantido. A exceção é para o caso em que o advogado também é investigado. Ainda assim, em alguns casos pode-se “confundir” trechos de conversas do defensor com associação criminosa, afirma Leonardo Accioly, presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB. “Muitas vezes, uma investigação tem acesso ao diálogo entre o advogado e o cliente e, segundo a ótica policial, o aconselhamento se confunde com associação criminosa”.

Um exemplo desse tipo de confusão aconteceu recentemente no Rio de Janeiro. Em setembro, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu liminar em Mandado de Segurança contra o grampo e o uso de interceptações dos advogados de ativistas políticos em processos penais.

A liminar foi dada porque não havia qualquer prova de associação criminosa indicada no processo de quebra de sigilo. Alguns dos advogados tinham seus telefones grampeados há mais de cinco anos. A alegação para a interceptação fora simplesmente a suposta possibilidade de associação criminosa entre advogados e ativistas.

Accioly disse também que as comissões de prerrogativas de cada estado têm autonomia para julgar casos de irregularidade e, portanto, a comissão nacional não centraliza esse tipo de informação. “A não ser casos de muita repercussão”, explicou.

O advogado também vê com preocupação a falta de controle e acesso externos aos sistemas de vigilância do Ministério Público. “O problema do [sistema] Guardião [e outros meios de grampo] é esse: nós não temos acesso ao modo como o sistema procede. Em função disso, é possível ter acesso a conversas que sequer são objeto de investigação” disse. Ele lembra, também, que o Ministério Público não pode ter acesso a todas as peças do processo, pois sua função é de acusar.

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Dignidade
Para o advogado criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes (foto) , a interceptação de conversas é “a coisa mais vil” que pode ser feita em um processo criminal. O decano, como ele mesmo se refere, entende que esse tipo de ação “transforma um juiz, um promotor, em um ‘espiador’ de fechadura”. Fernandes lembra de um caso para ele muito sintomático, em que chegaram a gravar o áudio de um condenado enquanto mantinha relações sexuais para tentar achar provas para outros crimes. O sigilo da atividade sexual é direito fundamental, diz o criminalista. E vaticina: “Isso tem que acabar. Se hoje interceptam um preso, amanhã grampeiam o telefone do Ministro da justiça. E fazem”.

Clique aqui para ler o plano da comissão de prerrogativas de SC.

Clique aqui para ler a liminar que impede o uso de escutas dos advogados do Rio de Janeiro.

Clique aqui para ler o pedido de liminar do caso dos advogados do RJ.

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