Boletim ofensivo

Justiça gaúcha manda sindicato indenizar empresária após ataques

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8 de novembro de 2014, 4h26

A livre manifestação do pensamento e a privacidade do indivíduo recebem proteção do artigo 5º da Constituição, pois coexistem como direitos fundamentais. Por isso, quando há colisão desses direitos, no ambiente da imprensa, o julgador tem de analisar os fatos para ver se houve ou não o ânimo de injuriar, difamar ou caluniar. Constatado abuso, nasce a obrigação de indenizar a parte ofendida, como dispõem os artigos 186 e 927 do Código Civil.

O entendimento levou a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que condenou o Sindicato dos Radialistas no estado a indenizar em R$ 7,5 mil a gerente de uma rádio no interior gaúcho. Para injuriá-la, o boletim do sindicato e seu site lhe imputaram o crime de apropriação indébita e ainda discorreram sobre fato da sua intimidade. O colegiado, tal como o juízo de origem, entendeu que o réu extrapolou o direito à liberdade de expressão, entrando na seara pessoal da autora, quando a questão se limitava à sua atuação como dirigente da rádio.

O relator da Apelação, juiz convocado Sylvio da Silva Tavares, afirmou que os princípios constitucionais servem, simultânea e reciprocamente, de condicionantes uns aos outros. Por isso — destacou ele — não se pode falar numa garantia absoluta à liberdade de expressão sem o devido atendimento ao direito à honra e à imagem que o indivíduo desfruta perante a coletividade.

‘‘Dessa forma, a divulgação mostrar-se-á legítima desde que respeitados os limites impostos de resguardo à intimidade individual, em uma construção permanente do que vem a ser o proporcional e o razoável em cada situação’’, arrematou no acórdão, lavrado na sessão do dia 30 de outubro.

Ação indenizatória
A autora afirmou, na ação indenizatória, que vem sendo perseguida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiofusão e Televisão do Rio Grande do Sul, já que foi inúmeras vezes alvo de publicações injuriosas e ofensivas publicadas em seus boletins. No cerne da questão, a autora diz que as mensagens, inclusive na internet, têm o propósito de contestar sua seriedade na gestão da Rádio Cultura de Pelotas, da qual é diretora.

Registra o boletim, numa de suas matérias: ‘‘A direção do sindicato já solicitou ao seu departamento jurídico que analise e encaminhe ao Ministério Público ação contra a Rádio Cultura de Pelotas, por apropriação indébita de valores referentes ao desconto assistencial de seus funcionários. Esta emissora efetuou o devido desconto de seus trabalhadores e repassou apenas a metade ao sindicato. Na palavra de sua diretora, esses valores não serão repassados a nossa entidade”.

Em outra oportunidade, o site do sindicato fez referência à vida privada da autora. A narrativa, no ponto: ‘‘Em uma certa região do nosso estado, uma senhora radiodifusora, viúva, bem conceituada na cidade, e que tem a particularidade de gostar muito de bailão, em certa ocasião tira para dançar um senhor (…)”.

Em face das expressões jocosas, injuriosas e ofensivas que ofenderam a sua dignidade, a autora pediu indenização por danos morais no valor de 100 salários-mínimos. Também pediu a suspensão de veiculação das matérias difamatórias no site, o recolhimento dos boletins e a emissão de carta de desagravo.

Citado, o sindicato apresentou contestação. Sustentou que a publicação das notas decorre do exercício das prerrogativas sindicais e que a autora não negou a veracidade das informações, nem comprovou qualquer prejuízo. Além disso, os informativos têm a sua circulação restrita ao meio sindical.

Em sentença proferida em outubro de 2008, a juíza Vera Regina da Rocha Moraes, da 8ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, julgou a demanda parcialmente procedente, por entender que o sindicato ofendeu a autora e invadiu sua esfera privada. Com isso, extrapolou seu direito à livre manifestação.

‘‘Por outro lado, não há, no caso, qualquer prova da veracidade das notícias veiculadas no informativo, não podendo o direito à livre manifestação sindical justificar a prática de atos desmesurados, sem qualquer embasamento fático e jurídico, motivo pelo qual tenho que devidamente caracterizado o ilícito’’, escreveu na sentença.

Conforme a julgadora, os danos morais não precisam ser provados pela parte autora, pois decorrem do próprio fato danoso. Afinal, ela teve a sua imagem vinculada à prática de crime perante a comunidade pelotense, o que atingiu a sua dignidade. O valor da reparação foi arbitrado em R$ 7,5 mil.

‘‘Não merece, de outro lado, acolhimento o pedido de emissão de carta de desagravo, porquanto não indicado o teor do texto que a autora pretendia ver publicado no informativo do sindicato, a qual deveria passar pelo crivo judicial, a fim de se assegurar a proporção entre a resposta e o agravo’’, encerrou.

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