Direito sem papel

O processo judicial eletrônico causa efeitos colaterais à saúde

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

7 de novembro de 2014, 14h45

Spacca
Alexandre Atheniense [Spacca]Sete anos após o advento da lei do processo eletrônico (Lei 11.419/2006) é salutar refletirmos se a adoção das práticas processuais por meio eletrônico tem propiciado efetivamente mais conforto pelo aumento do uso das tecnologias nas atividades cotidianas de todos atores processuais.

É inegável que a contínua redução do custo papel imposta pelos tribunais — que deve ser entendido não apenas pelo volume de folhas que deixaram de ser impressas, mas sobretudo pelas vantagens da celeridade propiciada pela transmissão remota de peças processuais e economia de espaço quanto ao armazenamento de volumes de pastas suspensas e autos processuais — nos revela a certeza de que este, de fato, se tornou um cenário bastante promissor para que possamos aprender que a desmaterialização da informação contida nos autos processuais gerou inúmeras vantagens que chegou a modificar a estrutura do modelo de negócio de uma sociedade de advogados.

Mas será que só temos a comemorar com o aumento do uso da tecnologia em nossas atividades cotidianas? Certamente não. Nem tudo são flores. Houve o aumento do apartheid digital, ou seja, as pessoas com necessidades especiais ainda são segregadas no acesso à justiça digital, pois os sites dos tribunais não se encontram adaptados para prestar serviços a elas com isonomia.

Além disso, o projeto de implantação dos sistemas que permitem as práticas processuais por meio eletrônico revela que se torna necessário imediata reorganização e distribuição do pessoal que está envolvido com as rotinas dos autos digitais, pois se por um lado houve a inequívoca celeridade no trâmite dos autos digitais nas secretarias dos foros, por outro, gerou um acúmulo de processos para desembaraçar os despachos judiciais. Isto resulta da inexistência do contingenciamento necessário de pessoas que possam auxiliar o magistrado a desafogar suas pendências relativas ao auxílio no apoio da etapa decisória da marcha processual.

Em suma, não estou convencido, sobretudo se analisarmos os resultados divulgados pelo Relatório Justiça em Números do CNJ, que até o momento a implantação do processo efetivamente resultou na celeridade processual. Prova disso, é manutenção do índice retenção processual. A estatística revela que, mesmo com o processo eletrônico, ainda existe em média uma margem de 70% dos autos judiciais em retenção nas varas forenses no Brasil.  Ou seja, a cada dez novos processos que são distribuídos no ano letivo, apenas 3 estão sendo julgados, enquanto sete aguardam decisão judicial. Por tal motivo, o número de processos que aguardam decisão na Justiça é muito alto. São 92,5 milhões de processos judiciais ativos no Brasil.

Apesar dos esforços, o magistrado, sobretudo em primeira instância, não está conseguindo dar vazão ao volume de processos que são a ele distribuídos e que demandam celeridade em suas decisões. Não é mais concebível admitir que apenas uma única pessoa, e não uma equipe que o auxilie, possa dar cabo a índices de produtividade com tamanho volume de informação.

Razão disso, os magistrados estão padecendo de sérios efeitos colaterais devido a necessidade de revisar o modelo atual da implantação do processo eletrônico.

Neste particular é sempre oportuno relembrar o ensinamento da ministra Ellen Gracie, uma das grandes percursoras deste tema, quando imaginava que a adoção das práticas processuais por meio eletrônico iriam converter no término da morosidade da Justiça: “A possibilidade de utilização de procedimento eletrônico abre ao Poder Judiciário a oportunidade de livrar-se daquele que é reconhecidamente seu problema básico, a morosidade”.

Fica nítido que a implantação dos sistemas de processo eletrônico sem a observância  dos princípios básicos da governança em tecnologia da informação, na prática não tem apresentado os resultados esperados que resultem na celeridade processual pretendida pelos idealizadores da lei do processo eletrônico.

Existem equívocos na execução do projeto de implantação dos sistemas que tem causado desconforto a todos os usuários.

Fica nítido que na implantação do processo eletrônico somada a falta governança dos tribunais, vem causando efeitos colaterais inclusive aos próprios magistrados, que, ao invés de estarem engajados nesta mudança cultural, na prática, por conduta inapropriada, estão ficando doentes com a implantação do processo eletrônico e não geram os resultados de produtividade esperados.

Já foram feitos estudos científicos neste sentido. Em junho de 2011 a Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajuferg), fez pesquisa cujo objetivo era diagnosticar a percepção dos magistrados federais do estado quanto às suas condições de saúde e quanto aos recursos de informática disponibilizados para prestação jurisdicional.

Os resultados foram impressionantes, destacamos alguns itens que revelam mais uma vez a falta de governança dos tribunais quanto a provocar o engajamento dos magistrados na adesão ao uso dos sistemas.

O objetivo deste estudo não era levantar uma bandeira contra o processo eletrônico, muito menos apontar os responsáveis pelo problema, mas sim ecoar um alerta que a tecnologia não vem sendo empregada nas práticas processuais para causar o maior benefício que pode causar, ou seja o conforto pessoal de cada usuário, a produtividade pessoal e economia no seu sentido mais amplo possível.

Em outras palavras, o estudo revelou que que os magistrados estão adoecendo em razão do processo eletrônico, pois foi possível identificar alternativas para quebrar o ciclo que inicia com desconforto no trabalho, e tentar converte-lo em mal-estar, que aos poucos se transforma numa doença profissional e, em casos mais graves, poderá  resultar até na incapacidade daqueles que obrigatoriamente operam com essas novas ferramentas tecnológicas.

O estudo aponta que os juízes, a exemplo dos advogados, não são contrários ou muito menos refratários ao processo eletrônico, apenas não querem adoecer por causa dele. Nem querem prestar jurisdição com menor qualidade por terem que se adaptar apressadamente a ele.

É interessante notar que o clamor dos magistrados, na qualidade de usuários do sistema de processo eletrônico, sob um aspecto genérico, coincidem com as mesmas súplicas dos advogados, peritos, representantes do Ministério Público e demais atores processuais.

Os principais destaques revelados foram: os magistrados estão se tornando reféns dos sistemas de informática e a jurisdição submetida à administração; (b) existe treinamento insuficiente de juízes e servidores; (c) percebe-se o atendimento inadequado às demandas e solicitações dos juízes; (d) é manifesta a inadequação das ferramentas e equipamentos postos à disposição dos magistrados e necessários à prestação jurisdicional; (e) foram detectados problemas frequentes de lentidão do sistema e instabilidade de conexão; (f) registrou-se queixas frequentes de desconforto, mal-estar e adoecimento dos magistrados que obrigatoriamente têm de usar o processo eletrônico.

As adversidades encontradas visavam buscar soluções de saúde e bem-estar dos juízes enquanto usuários do processo eletrônico; bem como pleitear aos órgãos competentes condições para jurisdição com qualidade e celeridade.

Pela a análise dos dados estatísticos coletados junto aos magistrados federais do Rio Grande do Sul em 2011, destacam-se:

  • 98% responderam que os juízes devem ser consultados em decisões de informática que afetem o serviço judiciário e apenas 1,10% acham que os juízes não devem ser consultados.
  • 97% responderam que as associações devem ser ouvidas em questões de informática que afetem condições de trabalho e serviço judiciário, e apenas 2,1% acham que não devem ser ouvidas.
  • Quanto às alterações na saúde do magistrados na implantação  do processo eletrônico, 78% sentiram piora em sua saúde e seu bem-estar no trabalho com o processo eletrônico; 20% não sentiram mudança, e apenas 1,1% sentiu melhora.
  • Quanto à identificação dos problemas, apenas 17% dos magistrados não sentiram piora na saúde com o processo eletrônico. Mas 73% referem problemas na visão; 53% referem dores físicas; 47% referem cansaço, dor de cabeça ou problemas no sono.
  • Quanto à mente e bem-estar, desde que começaram a trabalhar com o processo eletrônico 26% dos magistrados não sofreram problemas relacionados à mente e ao bem-estar, enquanto 44% relatam cansaço, stress, nervosismo ou preocupação excessiva; 33% relatam dores de cabeça; 27% relatam desmotivação; 26% relatam distúrbios no sono; 21% relatam dificuldade para pensar ou se concentrar; e 14% relatam ansiedade ou depressão.
  • Quanto a medidas preventivas disponibilizadas pela administração, nenhum associado da Ajuferg  se sente amplamente orientado/assistido em prevenção de problemas de saúde decorrentes do processo eletrônico, enquanto apenas 8,7% acham receber orientação/assistência razoável/suficiente, e 91% acham receber orientação/assistência mínima/inexistente (49%) ou deficiente/insuficiente  (41%).
  • Quanto ao futuro da saúde a partir do processo eletrônico, 95% acham que o processo eletrônico pode piorar sua saúde no futuro; apenas 2,2% acham que podem melhorar sua saúde e 2,2% acham que nada vai ocorrer. Entre os associados que responderam, 68% fizeram observações negativas; 27% fizeram observações neutras, e apenas 3,4% fizeram observações positivas.
  • Sobre o nível de satisfação dos magistrados com o processo eletrônico, 82% estão insatisfeitos com suas condições de trabalho em relação ao processo eletrônico; 10% estão indiferentes, e apenas 7,8% estão satisfeitos.
  • Sobre rotinas e tarefas cotidianas no processo eletrônico, 52% acham que processo eletrônico melhorou o trabalho quanto às rotinas e à execução cotidiana de tarefas; 40% acham que dificultou o trabalho, e 6,7% acham que não alterou o trabalho.
  • Nenhum associado AJUFERG se sente amplamente orientado para prevenir problemas de saúde decorrentes do processo eletrônico e apenas 8,7% acham receber orientação razoável/suficiente;
  • 82% estão insatisfeitos com suas condições de trabalho em relação ao processo eletrônico;
  • 82% estão insatisfeitos quanto à visualização de documentos e autos eletrônicos no Eproc2, que é o sistema utilizado pela Justiça Federal no Rio Grande do Sul;
  • 78,21% estão insatisfeitos quanto às funcionalidades, opções e comandos do Eproc2.

 

Estes números, apesar de coletados em pesquisa regional e relativos a apenas um dos 46 sistemas em uso de processo eletrônico no Brasil, certamente não seriam díspares caso fossem reproduzidos em outros Estados, para ao final revelar que os magistrados, a exemplo dos advogados e certamente outras categorias de usuários dos sistemas e práticas processuais, suplicam por mais governança dos tribunais até como meio de preservar a sua saúde.

Tanto isto é verdade, que no mês de outubro de 2014, o jornal Valor Econômico destacou em reportagem cujo título é Volume de processos tem aumentado número de licenças médicas de juízes, foi constatado que os magistrados trabalhistas vem sofrendo do mesmo problema, ou seja cansaço, stress e até mesmo depressão com a implantação do processo eletrônico.

Segundo o jornal, a adoção de metas e a implantação do processo eletrônico no Judiciário têm gerado mais do que stress e cansaço a juízes e servidores. Segundo pesquisas recentes, o aumento de trabalho tem repercutido negativamente na saúde física e mental desses profissionais.

A carga horária tem sido ainda mais pesada na Justiça Trabalhista, conforme levantamento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), realizado em 2011 com 706 juízes. Segundo o estudo, 45% dos magistrados vão dormir depois da meia-noite e 17% se levantam antes das 5 horas por causa do trabalho. Além disso, 64% trabalham nas férias e 70% nos fins de semana mesmo cansados.

O excesso de jornada, segundo a pesquisa, tem desencadeado problemas de saúde à categoria. O estudo da Anamatra revela que 33% dos juízes ouvidos estiveram de licença médica no último ano (entre 2010 e 2011). Do total, 41% alegam ter diagnóstico médico de depressão e 53% afirmam que dormem mal.

Segundo o presidente da Anamatra, Paulo Luiz Schmidt, os dados são alarmantes em relação aos males causados por estresse e o desenvolvimento de doenças ocupacionais e que devem ter piorado ainda mais nos últimos anos com a intensificação da implantação do processo eletrônico. "Há ainda um grau de tendência ao suicídio altíssimo entre juízes em geral", diz.

Com base nisso, o jornal revela que a entidade deve pleitear no Conselho Nacional de Justiça(CNJ) uma espécie de “flexibilização" das metas para o ano que vem, que leve em consideração a preservação da saúde.

É preocupante que em menos de dez anos após a promulgação da lei que possibilitou a implantação do processo eletrônico, os gestores dos tribunais que deviam praticar a gestão de suas atividades lastreados nos princípios básicos governança de tecnologia da informação resistam em refletir sobre estes números alarmantes que causam tamanho desconforto aos usuários do processo eletrônico.

A crítica sustentada pela OAB, na defesa das prerrogativas dos advogados e, sobretudo pela defesa  dos direitos do cidadão, alinha e endossa este desconforto revelado pelos próprios magistrados que foram alvo destas pesquisas de satisfação sobre a implantação do processo eletrônico. Se não houver uma reavaliação do modelo atual dos sistemas de práticas processuais por meio eletrônico, o  encargo operacional cotidiano impostos aos efetivos operadores não vão alcançar as metas pretendidas e gerar produtividade nas suas diversas jurisdições. Muito pelo contrário, com o tempo serão potencializados os sintomas que o modelo atual é inapropriado à saúde dos magistrados e demais autores processuais.

Aplicativos para dispositivos móveis de comunicação que causam conforto nas atividades relacionadas com as práticas processuais:  

Abby Text Grabber + Translator — permite capturar texto impresso em processos, revistas, livros, documentos, etc. em mais de 60 idiomas suportados. O texto reconhecido pode ser imediatamente editado, traduzido, publicado no Facebook, Twitter, DropBox, Evernote ou enviado por e-mail ou SMS. O TextGrabber + Translator é um aplicativo fácil de usar — basta tirar uma foto do texto em qualquer formato impresso e selecionar a opção desejada. Muito útil para ganhar tempo com a digitação. Está disponível na Apple Store ou no Google Play

Wolfram Lawyer’s Professional Assistant — O aplicativo Wolfram Lawyer é uma ferramenta de referência inovadora para o profissional que atua na área jurídica. Possui informações detalhadas e algumas funções úteis como cálculo de datas, cálculos financeiros, dicionário de termos legais em inglês, conversores, e outras pesquisas rápidas relevantes. Disponível na Apple Store.

Swiftkey — O teclado SwiftKey para iPhone e iPad e Android é um aplicativo inteligente que aprende com você e substitui o teclado interno do seu dispositivo por um que se adapta ao seu jeito de digitar. O aplicativo aprende seu estilo de escrever para fazer uma correção automática precisa e previsão inteligente de próxima palavra, reduzindo os toques e aprendendo mais com o tempo. O SwiftKey é cheio de recursos para tornar a digitação cada vez mais fácil, incluindo digitação multilíngue e digitação rápida com gestos.

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