Contos do vigário

Concorrência desleal usa truques e confunde a justiça sobre uso do amianto

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3 de novembro de 2014, 14h56

Juízes e advogados da área criminal queixam-se com frequência das distorções provocadas pelo “clamor público” na órbita judicial. Com razão. É comum a mídia, em rápidas pinceladas, desenhar quadro que, depois, se descobre fantasioso ou equivocado. O que não se tem discutido suficientemente é como esse mesmo truque se aplica no direito civil e no campo empresarial.

A manobra pede certa sofisticação, mas é simples na fórmula: monta-se uma estrutura de marketing para demonizar o concorrente. Junta-se alguma verdade com teses verossímeis e chega-se a conclusões hediondas. Pronto: tem-se o argumento das armas de destruição em massa que justificam qualquer invasão do direito e da lógica.

A mais recente e mais bem sucedida campanha desse tipo é a que determinou que o amianto ameaça a saúde de quem, por exemplo, tem em sua casa telhas ou caixas d’água. Sem nenhum indício, sem qualquer prova, emplacou-se a lorota: o amianto mata e não se discute mais isso.

Mais da metade das casas brasileiras são cobertas com telhas de amianto. A caixa d’água de amianto sempre foi utilizada largamente, sem problema algum. Até que os concorrentes (e seus prepostos) inventaram doenças e estatísticas falsas para afastar fabricantes e empreendedores do setor com uma falácia que vem respaldando decisões judiciais e até leis para afastar o produto preferido da população do mercado.

A questão agora está nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eles terão que decidir se as leis já aprovadas em alguns estados ofendem a lógica, o bom senso e a Constituição brasileira ou não. É missão espinhosa, já que os concorrentes do amianto conseguiram convencer uma parte da imprensa que o amianto crisotila dá câncer, o que é uma ficção.

O ministro Marco Aurélio, relator de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o assunto, já deu o seu veredicto. Decidiu que o amianto fica no mercado e que não há motivos para bani-lo. O julgamento começou em 2012 e ainda não terminou. Enquanto isso, as pessoas que ganham muito dinheiro (em detrimento do interesse do consumidor) seguem espalhando o conto do vigário disfarçado de “luta do bem contra o mal”.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio, juiz independente, deu uma resposta certeira às acusações: “Para o público em geral, não há indicações de que o amianto seja mais perigoso que outras substâncias igualmente conhecidas e lícitas, como o tabaco, o benzeno, o álcool, etc. Vale ressaltar que, se empregado na forma devida, o crisotila não traz qualquer risco ao usuário”. Dentro deste contexto, se fosse válido o raciocínio sobre os riscos à saúde, poderia se cogitar também do fim da extração de carvão em minas ou da produção de cimento.

A tentativa de manter a atividade empresarial lícita, no Supremo, está em duas ADIs contra asleis de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Elas proíbem o uso de amianto nos dois Estados. As ADIs foram ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria. O desafio dos ministros será descortinar o truque da mentira, que repetida mil vezes torna-se verdade, como disse certa vez um marqueteiro nazista famoso. O truque é velho, mas eficiente. Costuma ser usado em disputas comerciais, como no caso do amianto crisotila.

O ministro Marco Aurélio, explica com exatidão que a Convenção 162, da Organização Internacional do Trabalho, não tem a finalidade de banir o amianto crisotila do mercado, ao contrário do que alegam alguns com base em falsas premissas. Segundo o ministro, “os diversos dispositivos estampados na Convenção têm por escopo proteger o trabalhador sujeito à inalação de fibras de amianto no ambiente de trabalho, mas, em nenhuma parte, exigem, em termos peremptórios, o banimento do uso da fibra. A Convenção determina sejam adotadas as técnicas mais modernas visando reduzir os riscos de inalação da fibra, bem como os eventuais danos à saúde”. As regras para o uso seguro do amianto no Brasil já foram adotadas. O mercado segue leis e regulamentações próprias para este fim.

O relator do caso no STF fez uma observação interessante ao entender que os materiais apresentados como potenciais substitutos do amianto também não foram completamente endossados pela literatura médica. “Em síntese: há simples substituição de riscos”, resumiu, ao defender que nada impede que o Brasil adote padrões ainda mais elevados de proteção ao trabalhador, ao meio ambiente e à saúde da população. E, neste contexto, as indústrias terão a possibilidade de aprimorar estes quesitos. O ministro reconheceu, na ocasião, que “o simples banimento retirará, em caráter sumário, agentes econômicos relevantes do mercado”.

Atualmente, mais de 50% das casas brasileiras são cobertas com telhas de amianto. Milhões de pessoas viveram e vivem décadas em residências cujas caixas d’água são de amianto. Não existe um único caso de usuário que tenha contraído qualquer doença por isso. Mas concorrentes usam dados de forma manipulada para tentar bani-lo do mercado.

É verdade que, no passado, existiu um outro tipo de amianto: o anfibólio. Trabalhadores que passaram muitos anos em contato com o amianto, sem os cuidados que existem hoje, contraíram a doenças. Os tempos são outros. O anfibólio foi banido. Desde então, a partir de 1980, não foi relatado mais nenhum caso novo de doença relacionada a esta fibra.

Importante destacar que a Constituição Federal, no inciso VIII, do artigo 170, determina que a busca do pleno emprego deve ser um objetivo perseguido pelo Estado. Neste sentido, segundo dados do relatório feito pelo ministro Marco Aurélio em seu voto, somente a indústria do setor de cloro, que usa o amianto crisotila, emprega 67 mil pessoas. A área de fibrocimento com amianto gera 170 mil empregos diretos e indiretos. Desta forma, ele considerou que “são 230 mil empregos que poderão simplesmente desaparecer da noite para o dia em virtude da decisão que vier a ser proferida pelo Supremo, sem que o Poder Público tenha tempo para prover alternativas a essas pessoas. Em estimativa conservadora serão cerca de meio milhão de famílias afetadas com o fim dessa fonte de renda”.

Além dos empregos, a cadeia produtiva do amianto crisotila movimenta, atualmente, R$ 3,7 bilhões por ano. E ainda: 92% do consumo nacional do amianto ocorrem na indústria de fibrocimento, que é responsável pela fabricação de telhas utilizadas na construção civil. Mais de 20 mil lojas vendem telhas de fibrocimento com amianto crisotila, que são mais baratas, duram mais e são melhores. Logo, percebe-se o interesse de concorrentes neste mercado de fibras.

Desta forma, é fundamental que o julgamento das ADIs, no Supremo, tenha um desfecho com base em informações e não em manipulações. Deve ser banido qualquer incentivo à cultura do medo, com base em interesses meramente mercadológicos, para que o amianto crisotila seja substituído por outras fibras menos resistentes e mais caras. Não é possível aceitar truques, que consistem em praticar o mal em nome do bem, para legitimar práticas desleais de comércio em que o interesse de empresas se sobrepõe ao do consumidor.

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