Cochilo da classe

Comoditização da advocacia já é realidade irreversível nos EUA

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1 de novembro de 2014, 5h05

Os advogados americanos estão perdendo a luta contra empresas que vendem serviços jurídicos, já transformados em commodities. Dos oito estados onde moveram ações contra essas firmas, perderam em sete. Assim, a atividade jurídico-empresarial prospera no país. Alguns “produtos” novos acabam de chegar ao mercado: uma espécie de “disque-advogado”, um “seguro-advocacia” e serviços jurídicos agora disponíveis em uma cadeia de supermercados.

Na segunda-feira (27/10), algumas publicações repercutiram uma nota da imprensa da Avvo, que se declara “o principal mercado jurídico online”, em que ela anuncia o lançamento do Avvo Advisor, um serviço que presta assessoria jurídica por telefone, por um período de 15 minutos, a uma taxa fixa de US$ 39.

A empresa anuncia o serviço como “assessoria jurídica on-demand”. O cliente faz o primeiro contato com a empresa por computador, por smarthphone ou tablet, através de um aplicativo para iOS. Nos diversos campos do formulário eletrônico, digita o código postal (para a localização de advogados em sua área), descreve a natureza de seu problema jurídico e preenche os dados de seu cartão de crédito.

A seguir, a Avvo manda mensagens para os advogados inscritos na região. O primeiro que responder à mensagem pega o caso. Então, ele tem de chamar o cliente dentro de 15 minutos. Se isso não acontecer dentro desse prazo, a empresa devolve o dinheiro ao cliente. O serviço não está longe de um serviço para pedir táxi pelo celular: o motorista que estiver na área e que responder à mensagem, busca o cliente.

O preço fixo de US$ 39 só é barato, na verdade, para quem não faz as contas. Ainda é possível encontrar nos EUA advogados que cobram de US$ 100 a US$ 200 para a primeira consulta do cliente. Se essa consulta inicial durar uma hora, 15 minutos custariam de US$ 25 a US$ 50, com a vantagem de falar com um advogado pessoalmente, não por telefone.

Por enquanto, o Avvo Adviser está disponível em 15 estados e seus serviços são prestados em “nove áreas da lei: falência, criminal, divórcio, trabalhista, família, imigração, proprietário-inquilino, imobiliária e pequenas empresas”.

Seguro-advocacia
A LegalZoom e a LegalShields lançaram no mercado, recentemente, seus “planos jurídicos pessoais” (Personal Legal Plans) — uma espécie de seguro-advocacia, nos moldes do seguro-saúde. Na LegalZoom há três opções de planos, que custam, por mês, US$ 11,99, US$ 13,49 ou US$ 14,99, conforme a cobertura descrita em seu site. O cliente pode até mesmo fazer um check-up jurídico por ano.

A LegalShields anuncia que “por apenas US$ 20, você pode falar com um advogado sem se preocupar com os altos custos da hora dos advogados”. Os planos variam por estado. Na Flórida, é possível comprar um plano por pagamentos mensais de US$ 14,95, US$ 17 ou US$ 29,95, conforme se pode conferir no site da empresa.

Como nos planos de saúde, é difícil saber o que um plano de assessoria jurídica realmente cobre ou, mais importante, não cobre. Geralmente os preços propagados dos planos se referem mais a aconselhamento ou consulta. A efetiva representação em juízo é outra história. O site da LegalZoom traz uma tabela de preços para defesas criminais, que variam de acordo com o tempo de contribuição.

Cada firma descreve, em seu site, os serviços jurídicos que presta e que podem ser comprados pela internet — sempre começando com o preenchimento do campo do CEP. Como nos sites de lojas eletrônicas e de hotéis, os clientes podem fazer comentários sobre o advogado que os atendeu e lhe atribuir de uma a cinco estrelas.

Advocacia no supermercado
O Sam’s Club é uma cadeia de supermercados que, normalmente, vende produtos em quantidade, muitas vezes em caixas, como se fosse por atacado, com descontos razoáveis. É concorrente do Costco. É preciso ser membro do "clube", para poder entrar na loja e fazer compras, o que custa uma taxa anual.

Também nesta segunda-feira (27/10), algumas publicações, como o Jornal da ABA (American Bar Association), anunciaram que os membros do Sam’s Club terão, agora, o “privilégio” de comprar serviços jurídicos diretamente da empresa, com “descontos exclusivos”. Os serviços são fornecidos pela LegalZoom.

Os membros dos Sam’s Club poderão adquirir, por exemplo, uma “suíte de produtos de planejamento sucessório, por apenas US$ 299. Também estão incluídos revisão de documentos de até dez páginas e primeiras consultas com advogados. Qualquer serviço jurídico adicional será prestado com um desconto de 25% sobre os honorários regulares do advogado. Para os membros do Sam’s Club, não é preciso comprar o pacote para ter esse desconto.

Reação tardia
Os advogados americanos não estão alheios às investidas dessas firmas online no mercado jurídico. Além de transformar serviços jurídicos em commodities, as empresas — e seus serviços jurídicos — são administrados por não advogados.

O jornal da ABA publica, frequentemente, notícias sobre essas firmas que começaram a vender formulários jurídicos, para que seus clientes possam representar a si mesmos nos tribunais, alavancando a ideia do “faça você mesmo” (“do it yourself”), tão popular entre os americanos. Mas o jornal foi duramente criticado por seus próprios leitores por também publicar anúncios da LegalZoom.

Mas, se não estão alheios, se sentem impotentes, porque demoraram a acordar. A LegalZoom foi fundada em 2001 e só em 2011 os advogados, muitas vezes com apoio das seccionais da ABA nos estados, começaram a mover ações judiciais contra a empresa, como noticiou a ConJur em agosto de 2011 e agosto de 2014.

A LegalZoom já atua em 41 dos 50 estados americanos e no Distrito de Columbia. Os advogados moveram ações judiciais em apenas oito estados e só ganharam na Carolina do Sul. O avanço da LegalZoom e das demais firmas que seguiram o seu caminho se deve ao fato de que os advogados negligenciaram o mercado de baixa renda do país — exatamente o mercado que essas firmas começaram a atacar, antes de avançar para o mercado de renda média.

A esse ponto, a diretora do Centro da Profissão Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade de Stanford, Deborah Rhode, especializada em ética, aconselha os advogados a abandonar a luta contra a LegalZoom e outras, porque a presença delas no mercado jurídico já está consolidada. Provavelmente, os advogados acreditaram que essas firmas só iam colocar os formulários no mercado. Ela recomenda, então, que a comunidade jurídica foque em regulamentar essas firmas para proteger seus clientes.

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