Justiça Tributária

Fisco federal trai a Constituição e o sistema legal

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

31 de março de 2014, 8h00

Spacca
Sempre que falamos em Justiça Tributária estamos a exigir respeito absoluto à CF. Qualquer cidadão que não seja totalmente ignorante tem o dever de lê-la constantemente, pois nela estão fixados seus direitos e deveres e definidos o que deseja o povo que é o verdadeiro dono deste país.

Nossa Carta Magna, a lei das leis, deveria ser de leitura obrigatória para todos, deixando-se apenas para grandes solenidades o cantar desafinado e até errático do hino nacional, peça de boa melodia, mas de letra complicada, que neste século não tem lógica nem faz sentido. 

Mas pelo que vimos nos últimos 60 anos, a CF vem sendo solenemente ignorada por pessoas cujos salários, mordomias e benefícios absurdos são pagos por toda a sociedade. 

O Brasil já se parece com a Índia, com suas diversas castas. Temos uma casta de privilegiados, com garantias nem sonhadas pelos cidadãos comuns: salários acima da média dos profissionais mais competentes, aposentadoria com poucos anos de trabalho, assistência médica gratuita, férias que chegam a 60 dias, licenças especiais, estabilidade funcional, cursos até no exterior pagos pelo Tesouro, etc. Enfim, vida de marajás, nababesca, ainda que a níveis diferentes. 

Tal casta não leu a CF e nem mesmo o código de ética de sua atividade, estabelecido pelo decreto 1.171/94. Para não cansar em demasia nossos leitores, devemos citar apenas três pequenos trechos:

Regras gerais
a) O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no artigo 37, caput, e § 4°, da Constituição Federal;

Deveres
b) Exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário; 

Vedações
c) iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite do atendimento em serviços públicos;

Embora a CF e o sistema legal ordenem, no serviço público federal labora-se em sentido contrário. Vamos a um caso emblemático e recente: 

Em junho de 2008 uma pequena importadora, com cerca de 25 anos de atividade, foi intimada de auto de infração, com multa de 100% do valor das mercadorias importadas de abril de 2005 a março de 2007, sob a acusação  de promover “entrada irregular” de mercadorias no país, porque “não comprovou a origem e disponibilidade dos recursos empregados” nas suas operações. 

O auto foi impugnado e no julgamento de primeira instância administrativa (outubro de 2008) declarou a Delegacia da Receita Federal, por unanimidade, o lançamento improcedente

Dessa decisão houve recurso de ofício perante o Carf onde também por unanimidade, (fevereiro de 2010) a autuação foi anulada

Todavia, a PGFN apresentou Recurso Especial (agosto de 2010) ao CSRF, alegando divergência jurisprudencial. Tal recurso não foi julgado, já passados mais de 3 anos. Assim, o lançamento original em princípio está SUSPENSO (CTN artigo 151, III) desde a impugnação ou seja, há mais de cinco anos. 

Em conseqüência da autuação, julgada improcedente em todas as decisões administrativas já proferidas, as autoridades fazendárias (servidores públicos) promoveram a suspensão da inscrição da empresa no CNPJ declarando-a INAPTA, com efeito retroativo, desde janeiro de 2005! 

Assim, desde o 1º dia do exercício em que o fisco teria encontrado supostas irregularidades, está a empresa impossibilitada de funcionar, ou seja, com sua atividade SUSPENSA. Esse ato é totalmente ilegal e irregular, posto que o próprio fisco julgou a autuação IMPROCEDENTE na primeira instância e NULA na segunda. Foram ao lixo várias decisões do STF, inclusive as Súmulas 70, 323 e 547. 

Claros estão os prejuízos que vem sofrendo a empresa, com suas atividades suspensas, seu estabelecimento interditado e impossibilitada de realizar qualquer tipo de operação, sequer podendo abrir ou movimentar contas bancárias. Também está impedida de cumprir obrigações acessórias, tais como apresentar declarações e informações exigidas por lei. Foram ignorados CF, o CTN (artigos 112 e 151) e outras normas. 

Todas as pessoas possuem direito líquido e certo à duração razoável do processo administrativo, especificamente ao célere julgamento de impugnação apresentada há mais de 5 anos. Tal garantia é expressa no inciso LXXIII do artigo 5º da CF. 

Por outro lado, a lei 9.784/1999 (processo administrativo federal) nos artigos 48 e 49 ordena o julgamento em 30 dias, prazo que a lei 11.457/2007 (Artigo 24), ampliou para 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.

Eis aí caso de total inobservância das normas constitucionais e legais. Se fôssemos relacionar uns poucos casos similares, especialmente os relativos ao IRPF e ao IRPJ, este espaço teria que ser bem maior do que o nosso limite de 10.000 caracteres.

Não são os contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas, que atolam o Judiciário com milhões de ações no campo do direito tributário.

Quem causa essa hecatombe judicial são os 3 poderes constituídos, acomodados em seus palácios; com ou sem togas com punhos de renda; ostentando ou não ridículas medalhas; eleitos pelo povo deseducado ou ingressando na casta por concursos ou compadrios, sempre tratados como excelências. Estes são, na verdade, os responsáveis por essa anarquia legal. Nós, ou párias desse sistema de castas, somos apenas as vítimas. Vale, portanto, o nosso jus esperniandi.

Para que tal quadro de terror terminasse, bastaria que as autoridades supostamente competentes (???) agissem conforme as normas legais em vigor, observando seus deveres mais elementares, definidos em seus códigos de ética. Afinal, os que são tão ciosos de seus direitos, não podem ignorar seus deveres!

Talvez estejamos sonhando, mas, como dizia Apolônio de Carvalho, “vale a pena sonhar”. 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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