Tragédia dos erros na UFSC e os abusos em nome do Direito
29 de março de 2014, 8h01
De Éfeso para a Ilha da Magia
Na tarde da última terça-feira (25/3), houve o confronto entre 300 estudantes e policiais federais e militares no interior do campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, que se transformou num verdadeiro cenário de guerra, com o uso de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
O tumulto começou após policiais à paisana promoverem investigação contra o tráfico de drogas no interior da universidade. Na ocasião, alguns estudantes do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) tiveram suas mochilas revistadas. Cinco deles portavam substâncias entorpecentes — no caso, alguns cigarros de maconha — e, por isso, receberam voz de prisão, sendo encaminhados pelos agentes federais até a viatura discreta para condução à Superintendência da Polícia Federal.
A notícia da ação difundiu-se rapidamente, gerando indignação entre estudantes, que reivindicavam a assinatura de termo circunstanciando no local. Ao tomar conhecimento da situação, professores que estavam em reunião entraram em contato telefônico com a Superintendência da Polícia Federal. Após, o diretor do CFH, professor Paulo Pinheiro Machado, acompanhado do procurador e de representantes da reitoria, iniciou uma negociação com o delegado responsável pela operação, Paulo Cesar Barcelos Cassiano Júnior, dispondo-se inclusive a acompanhar os detidos perante a autoridade policial, desde que não houvesse o uso da força. O delegado informou que todos poderiam acompanhá-los sem quaisquer problemas, mas que, se necessário, a polícia faria uso da força. Dito e feito. Aumentaram os protestos. O fato assumiu grandes proporções. A polícia chamou o batalhão de choque. Os estudantes destruíram e viraram duas viaturas. O balanço contabilizou diversos feridos, de todos os lados. Os estudantes detidos foram levados à delegacia, onde assinaram termo circunstanciado e, em seguida, foram liberados, conforme estabelece a lei.
Após o ocorrido, os estudantes ocuparam o prédio da reitoria. O então criado movimento “Levante do Bosque”, em assembleia geral, realizada na manhã de quarta-feira (26/3), deliberou acerca da seguinte pauta de reivindicações divulgada nas redes sociais: (a) elaboração de plano de iluminação; (b) comprometimento da reitoria da não entrada de PMs no campus; (c) revogação imediata do acordo entre reitoria e polícia e punição dos responsáveis pela operação; (d) legalização das festas no campus; (e) ampliação da moradia; (f) proposta clara da reitoria de defesa da autonomia e democracia universitária; (g) defesa da ocupação dos espaços ociosos do campus por moradores de rua durante a noite; (h) reajuste da bolsa permanência para um salário mínimo.
Os fatos chegaram aos ministérios da Justiça e da Educação. Nos dias que se seguiram, uma série de declarações tensionaram ainda mais o ambiente entre a Universidade e a Superintendência da Polícia Federal. De um lado, a reitoria emitiu nota de repúdio, afirmando que a comunidade universitária “foi vítima de uma ação violenta e desnecessária, que feriu profundamente a autonomia universitária, os direitos humanos e qualquer protocolo que regulamenta as relações entre as instituições neste país”. De outro, em entrevista concedida aos veículos de comunicação, o delegado Cassiano defendeu a legitimidade de sua operação: “A Polícia Federal não é um órgão recreativo. Não é dedicada a sentar em um bosque da universidade para lavrar seus procedimentos. Nós não fazemos piquenique. A PF é um órgão de repressão criminal e, diante de uma intervenção criminosa, a PF atua com energia e rigor próprios de uma instituição que tem as armas e instrumentos dados pela lei para isto. Simples assim”.
A ocupação da reitoria estendeu-se até esta sexta-feira (28/3), quando a administração comprometeu-se a atender parte das exigências colocadas pelo movimento como, por exemplo, a discussão sobre o plano de segurança da universidade.
Os abusos em nome do Direito
Tal qual o enredo da peça de Shakespeare, o episódio ocorrido na UFSC também revela uma sucessão de equívocos, de todas as partes. Eis a tragédia dos erros. Desde os estudantes, passando pelos professores que intervieram, até o delegado e seus subordinados. Com razão até o momento, apenas o Diretório Central dos Estudantes da UFSC, que reconheceu publicamente os excessos praticados por todos os envolvidos e os abusos em nome do Direito.
A Polícia Federal é um órgão permanente dotado de atribuição constitucional. Sua atuação deve se voltar para a criminalidade que coloca em xeque os objetivos da República. Por isto, não deve ela voltar suas baterias para a repressão ao mero uso de drogas. Se a situação era, de fato, combater o tráfico no interior de uma universidade federal, sua ação mostrou-se desastrosa. Do outro lado, estudantes resolveram impedir a atuação dos agentes federais. Professores entraram na onda e resistiram. Deram mau exemplo. Prisão ilegal se relaxa. E a autoridade para isto é judicial! Desconhecimento geral. Assessores desinformados. Perda do controle da situação. O delegado chamou quem? O choque. No que deu? Choque! O pau comeu. Violência gratuita para todo lado. A reitoria, por sua vez, pulou do barco, alegando não ter sido comunicada da operação, sob o álibi furado da “autonomia universitária”. Ocorre que, desde o final de 2013, quando requereu a presença da polícia no campus, todos sabiam da investigação praticada por agentes federais, que eram, inclusive, acompanhados pelo departamento de segurança da universidade. Os estudantes aproveitaram a carona para reivindicar a legalização das festas. Quanto aos danos físicos, morais e patrimoniais, todos serão absorvidos pela Fifa. Isto quer dizer, quem pagará esta conta será o povo. Irresponsabilidade geral e irrestrita. Enquanto o mundo pega fogo lá fora — e, por aqui, o país se prepara para a Copa —, as cinzas de maconha no bosque da UFSC não deveriam ser “o” problema.
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