Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
O Índice de Transparência do Contencioso Administrativo Tributário (ICAT) é um instrumento criado pelo NEF/Direito GV para medir o nível de transparência das instâncias administrativas dos Estados brasileiros, aferível pelo grau de acesso dos cidadãos aos autos de infração, às decisões de 1ª e 2ª instância e aos relatórios de gestão, por consulta aberta em portais na web, a qual seja livre de qualquer obstáculo como a realização de cadastro, a necessidade de ser parte no processo administrativo ou outro acesso especial.
Dar ampla publicidade aos atos estatais é pressuposto básico do Estado Democrático de Direito, que propicia o indispensável controle pela sociedade, seja em favor dos direitos individuais, seja para a tutela impessoal dos interesses públicos. O ICAT é um mecanismo capaz de estimular uma competição positiva entre os Conselhos Administrativos Fiscais de todo o Brasil por uma atuação cada vez mais transparente, incentivando-os a agir conforme as expectativas da sociedade sem apelar para estratégias estritamente punitivas. [1]
A 1ª aferição do ICAT, publicada em 2013, chamou a atenção para uma situação preocupante, pois se constatou que, dos 27 Estados, apenas 2 permitiam na web a consulta ao inteiro teor das decisões de 1ª instância, sendo eles São Paulo e Santa Catarina.
As justificativas apontadas pelos Estados que não propiciam essa consulta na web foram a forte preocupação com os limites da Lei de Sigilo Fiscal e as dificuldades internas dos setores da Sefaz responsáveis pela informática. É grande o receio em alguns Estados de revelar dados das autuações e suportarem prejuízos decorrentes dessa divulgação.
Em relação às decisões de 2ª instância, a situação não é tão grave, mas está longe do ideal de transparência esperado numa democracia tributária, já que apenas 10 Estados da Federação autorizam a consulta de seu inteiro teor na web, quais sejam: Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
O sistema tributário nacional vive um verdadeiro caos, devido à complexidade de suas normas jurídicas. Em muitos países, a legislação tributária brasileira é referida por acadêmicos como exemplo de modelo ruim, o qual não deve ser copiado. Mesmo diante dessa dificuldade, insiste-se em não divulgar o modo como o Estado aplica e interpreta a sua própria legislação tributária, gerando cada vez mais insegurança jurídica.
No V Colóquio Internacional do NEF/Direito GV, ocorrido em novembro de 2013, Fátima Cartaxo, especialista setorial em gestão fiscal e municipal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em sua palestra, afirmou que o contencioso administrativo é um poderoso veículo para promover a democracia tributária por permitir ao contribuinte expressar sua inconformidade e insurgir-se contra a aplicação da norma, descortinando lacunas, imprecisões e impropriedades. [2]
É uma oportunidade para aperfeiçoar o sistema fiscal, pois os problemas aparecem de forma sistematizada, explicitando-se os critérios jurídicos interpretativos e oportunizando-se a pacificação de conceitos e teses. Contudo, é imprescindível que exista um processo contínuo de retroalimentação (feedback), aproveitando-se o que é discutido nos processos para que os litígios não se eternizem. Isso é possível mediante a disponibilização do inteiro teor das decisões de 1ª e 2ª instância, e pode ser intitulado “contencioso virtuoso”.
Ao tornar formalmente compreensível como a Administração Tributária interpreta a norma jurídica, reforça-se a segurança jurídica, promove-se a confiança nas atividades do Estado, cria-se um ambiente mais cooperativo entre o Fisco e a sociedade e estimula-se o pagamento correto e espontâneo do tributo, pois os contribuintes tendem a conformar suas atividades fiscais às decisões administrativas tributárias que são proferidas.
Além disso, é uma maneira de orientar os auditores fiscais a autuarem de modo mais uniforme, evitando que surja o litígio pernicioso, o qual fomenta a indústria do contencioso administrativo e produz entraves para o desenvolvimento do país.
Se for permitida a consulta a qualquer cidadão na web ao inteiro teor das decisões de 1ª e 2ª instância administrativa por todos Estados brasileiros, como prevê o ICAT, haverá a prevenção de futuros conflitos, pois o contribuinte saberá de antemão como a lei tributária é interpretada e aplicada pelo Fisco, viabilizando a realização dum planejamento capaz de evitar práticas inadequadas e inoportunas.
Um dos grandes desafios no âmbito do Direito Tributário é aproximar a tributação da realidade de cada indivíduo, tornando-a compreensível, para efetivar a cidadania tributária. Dar ao cidadão conhecimento tributário é trata-lo com dignidade. Aliás, compete ao Estado fornecer informações à sociedade possibilitando uma avaliação correta do custo de cada operação a ser realizada, só assim a economia alçará voos mais altos e sustentáveis. [3]
[1] BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies. Word Development Vol. 34, N.º 5, 2006, p. 884-898.
[2] Disponível em http://vcoloquiodonef.blogspot.com.br/ Último acesso em 23 mar 2014.
[3] OLIVEIRA, Júlio M. de. A relação entre educação, transparência, democracia e qualidade da tributação. In: Tributação e Desenvolvimento. Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, p. 389.