Créditos tributários

Para o Carf é necessário observar o efeito suspensivo

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26 de março de 2014, 13h06

A partir de Portaria[1] publicada no Diário Oficial da União 230 de 27 de novembro de 2013 – Seção I, páginas 71/72, convocou a presidência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sessão do Pleno e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) realizada em 9 de dezembro de 2013 no Edifício Órgãos Centrais – Setor de Autarquias Sul (L2 Sul), quadra 06 – Bloco "O", 9º andar, em Brasília – Distrito Federal.

Na oportunidade foram analisadas e votadas propostas de enunciados de Súmulas, bem como procedeu-se ao exame e julgamento de recursos extraordinários[2]; sendo que, quando da análise do processo administrativo 10680.002958/2002-57, interposto pela Fazenda Nacional, reclamou-se por um dos conselheiros julgadores a aplicação e observação ao feito do princípio do aprofundamento do recurso.

Tal princípio corresponderia à possibilidade de aquele Colegiado plenário adentrar em análise de matéria implicitamente constante no aludido processo administrativo, cuja abordagem nunca fora antes pugnada pelas partes envolvidas, mais ainda, por quaisquer dos conselheiros julgadores das instâncias julgadoras anteriores e pelas quais tramitara o processo administrativo em questão.

O reclame foi rechaçado pelo Colegiado.

E é então com este expediente e com o intuito de melhor entender tal proposição que, após tratarmos (i) dos recursos administrativos e os apelos cabíveis na esfera daquele Carf; (ii) dos efeitos destes recursos; e, por fim, mas não menos importante, (iii) dos princípios aplicáveis ao processo administrativo fiscal federal, apresentarmos conclusão no sentido de que inexiste no âmbito do Carf a possibilidade de se buscar a observação àquele princípio do aprofundamento do recurso, mas, por outro giro, informarmos que a revisão profunda das matérias em debate nos processos administrativos estaria doutrinária e legalmente[3] prevista no efeito devolutivo inerente aos apelos interpostos na esfera do mencionado Tribunal Administrativo, não fosse disposição regimental e legal a limitar o cabimento e a abrangência do debate recursal.

Recursos no Carf
Carvalho Filho (2008:889) leciona que recursos administrativos são os meios formais de controle administrativo, através dos quais o interessado postula, junto a órgãos da Administração, a revisão de determinado ato administrativo; sendo que em outra obra de sua autoria o citado Autor (2001:267), em comentários à Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, informa que recursos são instrumentos jurídicos destinados a permitir que os interessados postulem a revisão total ou parcial de determinado ato da Administração.

Ao discorrer sobre o conceito de meios e recursos em processo administrativo, inerentes que são à ampla defesa, Xavier (2005:10-17) observa que recurso é a possibilidade de obter o reexame de uma decisão judicial, em sede de mérito, por outro juiz pertencente a um grau de jurisdição superior (instância de 2° Grau).

Na hipótese objeto da análise deste trabalho e naquilo quanto diz respeito ao Carf, cabíveis são os seguintes recursos: voluntário e de ofício; embargos de declaração; especial; e, extraordinário.

Os apelos voluntário e especial seguem previstos nos artigos 33 e 34 do Decreto 70.235/72, bem como nos artigos 70, 73 e 74 do Decreto 7.574/2011, interposto que é o primeiro (voluntário) pelo sujeito passivo (contribuinte) contra as decisões de primeira instância e no prazo de 30 dias. O de ofício, por seu turno, é interposto pela autoridade de primeira instância quando exonerado o sujeito passivo do recolhimento de tributo e encargos de multa de valor a ser fixado em ato do Ministro da Fazenda, ou deixar a decisão de aplicar pena de perda de mercadorias ou outros bens cominada à infração denunciada na exigência.

Além de demonstrar a insatisfação do sujeito passivo para com a decisão de primeira instância, Neder e López (2004:323 a 330) observam que tal recurso deve (i) ser dirigido à Seção de Julgamento competente do Carf; (ii) ter indicada a qualificação do recorrente; (iii) serem apontados os motivos (fato e direito) em que se fundam os pontos da controvérsia para com a decisão recorrida; ser promovida da juntada de provas a corroborar as razões de discordância; e, (iv) serem enfrentados todos os pontos da decisão para com os quais está o recorrente em desacordo, pois, em assim não procedendo, ocorrerá a preclusão do tópico não atacado e, mais que isso, a possibilidade da imediata cobrança da parte não recorrida.

Contra as decisões proferidas pelos Colegiados que compõem a Primeira, Segunda e Terceira Seções de Julgamento do Carf são cabíveis os recursos de embargos de declaração no prazo de cinco dias (Regimento Interno – artigos 64, I; 65 a 66) e o especial, no prazo de 15 dias contados da ciência da decisão (artigos 37 – Dec 70.235/72; 79 – Dec 7.574/2011; e, 64 e 67 a 71 do RICarf).

Os declaratórios são oponíveis quando o acórdão contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos; ou ainda para a prestação de esclarecimentos. Dito recurso poderá ser oposto por conselheiro do Colegiado; pelo sujeito passivo; pelo Procurador da Fazenda Nacional; pelas autoridades de primeira instância julgadora ou pelas autoridades preparadoras/executoras da decisão.

Aludido apelo interrompe o prazo para a interposição do recurso especial, valendo o registro de que as inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos verificados na decisão serão retificados pelo presidente de turma.

Conforme jurisprudência do Tribunal Administrativo os declaratórios podem ter efeitos modificativos[4].

E quanto ao recurso especial informamos que seu julgamento é de competência de uma das Turmas que compõem a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, interposto contra decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, Turma de Câmara, Turma Especial ou a própria CSRF.

O apelo em comento não é cabível contra decisões de turmas que tenham aplicado súmula de jurisprudência do então Conselhos de Contribuintes, da CSRF ou do Carf, o que, em análise de preliminar, conclua pela anulação de decisão de primeira instância. Também não será admitido o recurso amparado por acórdão cuja tese, na data de sua interposição, houver sido superado pela CSRF.

Por outro giro, o apelo especial é cabível contra decisão que der ou negar provimento a recurso de ofício.

A análise da admissibilidade do especial é feita pelo presidente da Câmara recorrida, sendo que se a decisão recorrida contiver matérias autônomas, a admissão poderá ser parcial.

Em caso de não admissão do recurso especial, será o mesmo submetido ao presidente da CSRF, sendo definitivo o despacho daquele presidente que negar ou der provimento ao apelo em questão.

Trataremos agora do recurso extraordinário, observando por relevante que a bem da verdade e regimentalmente é o mesmo denominado como Resolução do Pleno, instrumento processual administrativo empregado com vista à uniformização de decisões divergentes das turmas da CSRF.

Tal incidente de uniformização poderá ser provocado pelo presidente e vice-presidente do Carf; pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional; pelo Secretário da Receita Federal do Brasil; ou, pelo presidente da confederação representativa de categorias econômicas de nível nacional e de central sindical, habilitadas à indicação de conselheiros.

A aprovação das resoluções se dará por maioria absoluta dos conselheiros integrantes do Pleno, após sua devida inclusão em pauta de julgamentos plenária.

Competência do Carf
Em obras de Direito Administrativo leciona-se que todos os recursos administrativos têm efeito devolutivo, possibilitando assim o exame ou reexame integral do processo pelo órgão superior. O efeito suspensivo, por outro turno, somente alcançaria os apelos administrativos nas hipóteses de expressa previsão legal.

No caso dos recursos administrativos de competência do Carf afirmamos que os mesmos atraem para si ambos os efeitos: o devolutivo e o suspensivo; o segundo efeito, aliás, objeto de expressas disposições legais como o Código Tributário Nacional (artigo 151, III) e a legislação que regulamenta o Processo Administrativo Federal Fiscal (Decreto 70.235/72).

Com relação ao efeito devolutivo concluímos que esse merece maior atenção quanto a sua aplicação, pois sustentamos que aos recursos de competência do Carf não deve ser empregada a revisão profunda, como sustentada por Carvalho Filho (2001:291), no sentido de que no processo administrativo ‘a devolutividade é ainda mais extensa, porque alcança até mesmo aquelas matérias que, embora não suscitadas ou discutidas, devem ser verificadas de ofício pela autoridade administrativa’.

A exceção, ‘in casu’ e para o recurso voluntário interposto contra decisão de primeira instância, reside na possibilidade do Carf conhecer de fundamentos não alegados pelo sujeito passivo, mas desde que favoráveis ao recorrente.

Isto, entretanto, não significa que possa o Tribunal Administrativo punir o sujeito passivo fundado em alegações sequer aventadas no curso do processo administrativo, conforme nos alerta Xavier (2005:172-176).

No que diz respeito ao recurso especial, limitada, legal e regimentalmente prevista a interposição do mesmo somente na hipótese em que for dada à lei interpretação divergente da que lhe tenha dado outro órgão julgador do próprio Carf; sendo que a comprovação da divergência deve ser demonstrada analiticamente com a indicação dos pontos nos paradigmas colacionados que divirjam de pontos específicos no acórdão, especificidade essa cada vez mais analisada com rigor quando do conhecimento dos apelos interpostos[5].

Ou seja, uma vez admitido referido apelo, somente quanto naquilo divergiu a decisão recorrida de decisão de outra Câmara, Turma de Câmara, Turma Especial ou a própria CSRF é que poderá se alinhar e ater o exame pelos conselheiros julgadores. Nada mais, nada menos.

Assim, temos que a limitação do alcance do efeito devolutivo dá-se por intermédio de expressa disposição legal (parágrafo 2º, II, artigo 37 do Decreto 70.235/72 e parágrafo único do artigo 79 do Decreto 7.574/11) e regimental (artigos 67 e seguintes do RICarf).

Quanto aos embargos de declaração, observando que alguns sequer os tratam como recurso, temos que a limitação do efeito devolutivo é decorrente das premissas regimentalmente fixadas (artigos 65 e 66 do RICarf), pois que a oposição de tal apelo é para tão somente buscar sanar possíveis vícios de omissão, contradição ou obscuridade verificada na decisão embargada, ou ainda para alcançar esclarecimentos do órgão julgador.

E como já tivemos a oportunidade de mencionar anteriormente, os recursos extraordinários não seriam em tese recursos, mas, sim, Resoluções reclamadas com a finalidade de se promover a uniformização de jurisprudência entre as Turmas da CSRF (artigos 76 e 77 do RICarf).

Mas, se tratadas são pelo Carf tais Resoluções como recurso extraordinário, observamos que a tal recurso também não poderia ser dado a possibilidade de um efeito devolutivo maior que aquele que lhe é regimentalmente destinado, o de tão somente solucionar e uniformizar a jurisprudência entre Turmas da CSRF do Carf.

Cristalino está, portanto, que os efeitos incidentes sobre os recursos administrativos são: o suspensivo, pois que a interposição daqueles suspendem a exigência dos créditos tributários até decisão final a ser proferida no processo administrativo, conforme legalmente previsto, e, o devolutivo, limitado que é sua aplicação por disposições legais e regimentais que disciplinam a interposição daqueles recursos de competência do Carf.

Para não cansar o leitor e da consulta feita às obras de autores que discorrem a propósito dos princípios que ora informariam, ora dirigiriam o procedimento e o processo administrativo, ficamos com os apontamentos feitos por Martins (2001:171) e sua seguinte representação esquemática principiológica:

Procedimento e Processo Administrativo Tributário
– Quadro Principiológico-
Princípios Constitucionais Gerais da Administração Pública
Princípio da legalidade, Principia da finalidade, Principia da razoabilidade,  Principia da proporcionalidade, Principia da motivação, Principia da impessoalidade, Principia  da publici dade, Principia da moralidade, Principia  da responsabilidade  e Princípio da eficiencia
Principios comuns ao Procedimento e ao
Processo Administrativo Tributário

Princípio da legalidade objetiva Principia  da vinculação
Princípio da verdade material Princípio da oficialidade
Princípio do dever de colaboração
Princípio do dever de investigação

Princípios do Procedimento
Administrativo Fiscal
Princípios do Processo Administrativo Tributário
Princípio da inquisitoriedade
Princípio da cientificação Princípio do formalismo moderado Princípio da fundamentação Princípio  da acessibilidade  Princípio da celeridade
Princípio da gratuidade
Princípio do devido processo legal Princípio do contraditório Principia da ampla defesa
Princípio da ampla instrução probatória
Princípio do duplo grau de cognição Princípio do julgador competente Princípio da ampla competência decisória
   

 

Notem que entre os diversos princípios acima listados, nenhum deles corresponde ou sequer se aproxima àquele suscitado quando do julgamento de recurso extraordinário pela composição plenária do Carf, qual seja: o princípio do aprofundamento recursal.

E assim afirmamos com fundamento não só nos doutrinadores que trataram do tema em comento, mas, também, após análise anterior que promovemos dos efeitos dos recursos administrativos de competência do Carf (suspensivo e devolutivo); acreditando que a tentativa de fazer com que o exame de recurso extraordinário se sujeitasse a uma revisão mais profunda de mérito com espeque no suposto princípio do aprofundamento recursal, o fora feito travestindo o efeito devolutivo inerente aos recursos administrativos em um princípio, mesmo que inexistente, e cuja extensão — se fosse o caso — deveria ser observada de forma limitada, pois que como já comprovamos, o efeito devolutivo para os recursos de competência do Tribunal Administrativo tem forma limitada por força legal e regimental.

Concluindo, consignamos que nas hipóteses de análise de recursos de competência do Carf, não podemos reclamar dos mesmos e de seus efeitos não mais que aquilo do que legal e regimentalmente previsto e determinado para os mesmos, e mais, sequer se pode agir de forma a atrair e ‘criar’ princípios com a finalidade de buscar solução para as demandas administrativas alçadas ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Para o Carf e em situações futuras faz-se necessária a observação ao efeito suspensivo, em especial para o que diz respeito à suspensão da exigência de créditos tributários, e, quanto ao efeito devolutivo, a impossibilidade de se buscar a revisão aprofundada da matéria em debate nos processos administrativos, pois que limitado aquele efeito pela legislação e regimento do Tribunal Administrativo.

Valemo-nos das lições de Grau (2005), em fechamento, naquilo quanto o renomado jurista enuncia e é pertinente a este trabalho:

‘A última década do século passado é marcada, no campo da meditação sobre o direito, pelo paradigma dos princípios. Mas isso se passou de tal modo que, por um lado, foram eles banalizados e, por outro, grande parte do que tem sido referido como doutrina produzida em torno deles dá testemunho acabado de que as pessoas que possuem inteligência bem-formada correm sempre o risco de supor que a criatividade de que são dotadas é suficiente para suprir a falta de leitura de que padecem.
Toma-se a nuvem por Juno, come-se gato por lebre e tudo passa a ser "principializado" – se é que o termo já foi cunhado. pautas normativas – como a da proporcionalidade e a da razoabilidade – são tidas como princípios e paira imprecisão absoluta quanto ao que se possa ou deva ter como princípios de direito, coisa distinta dos princípios ferais do direito.’

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 20 ed. revista, ampliada e atualizada até 15/07/2008. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008;

_________________. Processo Administrativo Federal. Comentários à Lei 9.784 de 29/1/1999. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2001;

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso. Interpretação/Aplicação do Direito. 3 ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2005;

MARINS, James. Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). Dialética: São Paulo, 2001;

NEDER, Marcos Vinicius. Processo administrativo fiscal federal comentado : (decreto nº 20.235/72 e lei nº 9.784/99) / Marcos Vinicius Neder, Maria Teresa Martínez López. 2 ed. Dialética : São Paulo, 2004; e

XAVIER, Alberto. Princípios do processo administrativo e judicial tributário. Forense: Rio de Janeiro, 2005.

[1] Portaria MF/Carf nº 18, de 20 de novembro de 2013

[2] Arts. 10; 27; e, 76 do RICarf

[3] Art. 64 da Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999

[4] Acórdão 1402-001.465 – PA 10880.017323/98-32

[5] Ver http://www.conjur.com.br/2012-nov-01/dalton-miranda-necessario-norte-carf-recursos-especiais

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