Obrigação à judicialização

Marco Civil da Internet prejudica solução extrajudicial

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23 de março de 2014, 7h22

Ao navegar na internet seja acessando uma rede social qualquer, ou visitando um site de vídeos públicos, não é incomum depararmos com materiais que possam ser nocivos ou lesivos à imagem e reputação de qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica.

Tomemos aqui o fictício exemplo de Zé Bonito, modelo e assíduo usuário de famosa rede social na internet, quem toma conhecimento de que seu desafeto, Antonio Boa Praça, passou a espalhar mensagens ofensivas à sua pessoa, denegrindo sua boa aparência e reputação.

Diante desta situação bastante grave (e nada incomum) Zé Bonito, hoje, poderia simplesmente encaminhar uma notificação, ou um comunicado qualquer (que poderá ser feito até mesmo por e-mail), denunciando à rede social o conteúdo lesivo, que, sob pena de tornar-se solidariamente responsável ao seu autor (Antonio Boa Praça), caso não remova o conteúdo ilegal.

Lembra-se, inclusive, que este é um procedimento não apenas adotado por consumidores pessoas físicas, usuários das redes sociais, lesados por algum conteúdo ofensivo à sua pessoa, mas também por empresas de todos os ramos e portes, seja no combate a campanhas publicitárias ilícitas, seja ao comércio de produtos falsificados ou violadores de direito autoral.

Ou seja, ante a forte presença da jurisprudência em estender a responsabilidade também ao provedor de acesso ao conteúdo ilícito, quando notificado e inerte, tem-se que hoje, está-se diante uma solução rápida e, acima de tudo, não litigiosa, visto que o problema se verá solucionado sem intervenção judicial, ao menos em um primeiro momento.

Todavia, com o advento do Projeto de Lei 2.126/2011, também conhecido como Marco Civil da Internet, o qual se encontra em vias de votação na Câmara dos Deputados, esta possibilidade de ágil e extrajudicial solução de conflitos, ver-se-á completamente prejudicada, em evidente retrocesso ao sistema de proteção e defesa do consumidor (seja ele usuário da rede social, ou não, afinal, não podemos esquecer aqui da figura do consumidor bystander previsto no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor).

Isso porque, se aprovado como está, o artigo 15 do projeto apenas tornará responsável o provedor de aplicações de internet (leia-se aqui o buscador, a rede social, o site intermediário de ofertas individuais ou coletivas e qualquer outro que provenha algum tipo de conteúdo na internet) caso recuse-se à remoção do conteúdo nocivo após ordem judicial expressa neste sentido.

Além da óbvia necessidade de submissão de qualquer caso ao litígio, haverá um evidente acúmulo de demandas junto ao Poder Judiciário, afinal, a solução extrajudicial pela via da notificação (largamente utilizada, diga-se de passagem) perderá quase que qualquer efeito prático.

Sem o descumprimento da ordem judicial, nenhuma responsabilidade recairá sobre o provedor de acesso que, evidentemente, não terá incentivo algum em resolver a questão brevemente.

Vale lembrar que o artigo 3º, do projeto em análise que elenca os princípios para uso da Internet no Brasil, em seu inciso V, traz a necessidade de se estimular o uso de boas práticas, o que torna incompatível, e porque não dizer incoerente o artigo 15 ao projeto de lei ao qual faz parte.

Afinal, e aqui se pergunta ao legislador brasileiro: Que espécie de estímulo à adoção de boas práticas está presente na limitação de responsabilidade do provedor de aplicações de Internet (responsável por dar dimensão ao ato lesivo) ao ponto de compeli-lo a remover um conteúdo ofensivo apenas por intermédio de um litígio?

Não se deve esquecer que a obrigação à judicialização, além de comungar com a superlotação do já saturado Poder Judiciário (centenas de notificações de empresas e pessoas físicas visando à remoção de conteúdos ilícitos são emitidas diariamente), retardará e muito a solução do problema.

A finalização de uma demanda judicial pode ultrapassar uma década em alguns estados brasileiros, sendo que mesmo uma decisão liminar pode levar tempo demais a ser proferida tornando o dano simplesmente irreparável! Afinal, se a mensagem, ou vídeo, ofensivo não for imediatamente removido, seu teor já terá sido visualizado por uma grande coletividade, ao passo que qualquer medida reparadora não terá efeito prático algum! No mais das vezes (e sob um aspecto idealmundo do dever-ser) deve-se trabalhar com a idéia de prevenção e não simplesmente com a idéia de reparação.

Não é demais lembrar que em conformidade com o projeto discutido, o uso da Internet no Brasil carrega como um de seus fundamentos o respeito a defesa do consumidor, e o mesmo questionamento aqui se faz: Como se defenderá o consumidor se a prevenção de sua boa imagem e interesses depender, irremediavelmente, da atuação do Poder Judiciário? Onde está o princípio da facilitação da defesa do consumidor decorrente de sua vulnerabilidade (art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor)?

O retrocesso do Marco Civil da Internet, neste aspecto, é premente e evidente, devendo seu artigo 15 ser suprimido de seu texto final ante a sua completa incoerência aos princípios e fundamentos do próprio projeto de lei ao qual faz parte, não se esquecendo, também que a própria Constituição Federal que traz a defesa do consumidor como direito fundamental em seu artigo 5º, XXXII, o que tornaria o mencionado dispositivo inconstitucional.

Faz-se necessária, portanto, uma reflexão, antes que seja tarde…

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