Direitos preservados

Histórico de violência autoriza internação de sociopata

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22 de março de 2014, 14h30

Sem a real noção das regras sociais, limites individuais, dor e sofrimento de outras pessoas, um sociopata — pessoa que apresenta comportamento antissocial — que comete atos de violência pode ser interditado para acompanhamento psiquiátrico. Isso ocorre porque tal comportamento coloca a vida do próprio cidadão e de outras pessoas em risco, o que demanda acompanhamento e restrição à liberdade, dependendo do quadro. Com base nesse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu Recurso Especial do Ministério Público de Mato Grosso e determinou a interdição de um jovem que, aos 16 anos, assassinou a mãe de criação, o padrasto e o irmão.

Após cometer os crimes, ele passou três anos cumprindo medida socioeducativa em diversas instituições, nas quais foi apontada a insanidade mental e vontade de continuar matando. Isso levou o MP-MT, em 2009, a apresentar Ação de Interdição, negada em primeira instância sob a alegação de que a situação não se enquadra nas previstas no artigo 1.767 do Código Civil. Segundo a sentença, para a interdição é necessária a constatação de que a doença retirou da pessoa em questão “o necessário discernimento para os atos da vida civil, não bastando qualquer tipo de enfermidade”. Houve Apelação ao TJ-MT, rejeitada com argumento semelhante, pois não foi "comprovada a incapacidade da pessoa para gerir atos da vida civil e bens, não há falar-se em interdição".

Relatora do Recurso Especial levado ao Superior Tribunal de Justiça, a ministra Nancy Andrighi apontou a condição do jovem como transtorno não especificado da personalidade. De acordo com ela, “a mera presença de comportamentos antissociais e/ou agressivos, podem não refletir uma personalidade sociopática, mas na verdade, tratar-se de reflexos do meio no qual o indivíduo foi criado”, aumentando a complexidade da situação. Citando especialistas na área, ela informou que o melhor tratamento é o terapêutico, por remédios ou de forma psicoterapêutica. A impossibilidade de qualquer dos dois tratamentos “gera o inevitável questionamento sobre a possibilidade de recorrência comportamental, que leve aquele que já praticou um determinado ilícito a fazê-lo novamente no futuro”, sendo esse o cerne da questão, disse a ministra.

Entre a sanidade mental e a loucura há uma zona fronteiriça, continuou. Quando as medidas legais não garantem a proteção e uma vida digna ao sociopata, buscam-se “alternativas, dentro do arcabouço legal para, de um lado, não vulnerar as liberdades e direitos constitucionalmente assegurados a todos e, de outro turno, não deixar a sociedade refém de pessoas, hoje, incontroláveis nas suas ações, que tendem à recorrência criminosa”, informou Nancy. Isso é necessário porque não há como controlar completamente o comportamento dos sociopatas violentos, e “a reincidência comportamental é quase uma certeza”.

Para a ministra, a questão opõe o direito à liberdade após o cumprimento da medida socioeducativa e a garantia à sociedade de que tais atos não se repetirão. Como não é possível prever o comportamento de tais pessoas, apontou, é preciso buscar uma solução plausível e possível para o caso. A base para o entendimento adotado pela ministra é o artigo 1.767, inciso III, do Código Civil, pois nele permite-se a interdição — ainda que parcial — de viciados em drogas e alcoólatras. Nesses casos, informou Nancy, há prejuízo incontrolável à capacidade civil da pessoa, “com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física”. Mesmo oculto, há também risco para a sociedade, especialmente nos casos com violência prévia.

Como é impossível controlar a psicopatia — e a sociopatia — de forma total, é preciso “albergar esse sociopata em rede de proteção social multidisciplinar, que inclui um curador designado, o Estado-Juiz, o Ministério Público, profissionais da saúde mental e outros mais que se façam necessários”, apontou a ministra. Isso não vale para demonstrações genéricas de sociopatia, mas sim para casos com histórico de tal prática e de desrespeito às regras sociais, continuou. Baseando-se na possibilidade de internação compulsória, medida de internação psiquiátrica autorizada pela Lei 10.216/2001, Nancy Andrighi votou por dar provimento ao Recurso Especial, determinando a internação do homem. Ela foi acompanhada pelos ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino, ficando vencido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

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