Efeitos restritos

Validação de sentença trabalhista pelo INSS segue indefinida

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12 de março de 2014, 8h35

A partir da Emenda Constitucional 20/98, que acresceu à competência da Justiça do Trabalho a execução, de ofício, das contribuições sociais decorrentes das suas próprias decisões, o tema dos efeitos das sentenças trabalhistas perante a Previdência Social passou a ocupar um lugar de maior destaque no seio da comunidade jurídica.

Isso porque, em que pese o esforço e a cooperação para assegurar a arrecadação desse tributo, notou-se, por outro lado, uma dificuldade que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) oferece para a admissão do tempo de serviço reconhecido em processo judicial na Justiça do Trabalho, forte no preceito contido no art. 55, § 3º da Lei 8.213/91[1], que cogita, como regra, a necessidade de estar presente “prova material”, somente se admitindo prova testemunhal na hipótese de força maior ou caso fortuito.

O regulamento em vigor, no entanto, parece ter ido mais além. O art. 90 da Instrução Normativa INSS/PRES 45/2010, por exemplo, possui um trecho dedicado à “ação trabalhista”, fixando uma definição estipulativa (Warat) para a expressão “início de prova material”, como sendo equivalente a “documentos contemporâneos que possibilitem a comprovação dos fatos alegados”.

Com esse procedimento, a autarquia submete uma decisão judicial à análise da chefia de benefícios, de modo que os seus efeitos naturais não se fazem sentir nesse terreno.

Não desconheço que há boas razões para se ter cautela nessas questões previdenciárias, nomeadamente pelos inúmeros casos de fraudes que até nos acostumamos a tomar conhecimento. De outro lado, é preciso considerar também que as decisões judiciais que envolvem tempo de serviço e de contribuição transcendem à relação interpartes, para repercutir perante a Previdência Social.

Por essa razão, por exemplo, sempre evitei me valer apenas da confissão ficta, provocada pela contumácia do réu, para decidir sobre a existência ou não de um liame de trabalho ou emprego, em ordem a considerar toda a instrução probatória – documental e testemunhal – com o fito de trazer mais segurança jurídica à decisão.

Nada obstante, como já procurei aprofundar em outro estudo sobre o tema[2], a “validação” de decisões judiciais pelo INSS não me parece um caminho que encontre respaldo na Constituição Federal, que não coloca contencioso administrativo acima das deliberações do Poder Judiciário.

Essa “zona de tensão” tem trazido, inclusive, diversos prejuízos para os segurados, a começar pelo desestímulo do Poder Judiciário em buscar o recolhimento das contribuições sociais alusivas ao período de trabalho não formalizado. Em decisão ainda não transitada em julgado (RE 569.056), o Supremo Tribunal Federal chegou a afirmar que não está inserida no art. 114, inciso VIII, a competência da Justiça do Trabalho para cobrar essas contribuições, em que pese a atual redação do art. 876, parágrafo único da CLT, dada pela Lei 11.457/2007, que afirma essa atribuição[3], tema que não foi abordado pelo STF na referida decisão. Daí os Embargos Declaratórios opostos pela União Federal naqueles autos, ainda pendente de julgamento.

Na mesma direção limitativa a essa competência se apresenta o item I da Súmula 368 do Tribunal Superior do Trabalho[4], cuja redação foi assentada após uma série de frustrações no diálogo institucional entre a Justiça do Trabalho e o Ministério da Previdência, cuja retomada somente se deu em 2008, quando o Poder Executivo resolveu encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 3451/2008.

Essa proposição busca dar nova redação ao art. 55 da Lei 8.213, de modo a assegurar os efeitos naturais das decisões da Justiça do Trabalho, embora a redação proposta ao § 5º apenas assente que essas decisões “poderão ser aceitas como início de prova material, desde que tenham sido proferidas com base em prova documental, contemporânea aos fatos a comprovar”.

O § 6º passa a admitir as decisões sem essa característica, mas com limitação ao quinquídio prescricional trabalhista e, mesmo assim, “desde que tenha havido recolhimento de contribuições previdenciárias no curso do período laboral” ou, ainda, desde que comprovado o recolhimento posterior dessas contribuições perante o INSS (§ 7º).

Como se vê, a proposta, embora revele algum avanço no tema, é insuficiente para estabelecer um mecanismo em que as instituições envolvidas cooperem de forma efetiva para a eficácia da legislação previdência e trabalhista, entendimento fundamental até mesmo para garantir a recuperação da maioria dos créditos previdenciários, já que a Fazenda Nacional não ajuíza ações judiciais relativamente a créditos inferiores a R$ 20 mil (cf. Portaria MF 75/2012), faixa em que se situa boa parte dos créditos executados pela Justiça do Trabalho.

Assim, retirar ou limitar a força normativa do art. 114, inciso VIII, da Constituição resulta em legitimar não só a evasão fiscal, mas também o resistente ethos de não formalização dos contratos de trabalho em nosso país, gênese de parte não desprezível dos litígios judiciais.

Voltando ao PL 3451/2008, constato que a solução proposta em sua redação original, ainda que parcial, não logrou aprovação até o presente momento. A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) aprovou parecer, ainda em 2009, que rejeitou a substância da proposição, apresentando substitutivo ao projeto, em ordem a assegurar os efeitos naturais da decisão judicial trabalhista sobre a administração previdenciária. O substitutivo contém apenas um dispositivo, que daria nova redação ao § 3º do art. 55 da Lei 8.213/91:

“A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento, e na hipótese de decisão judicial transitada em julgado, em face de sua plena e imediata eficácia para todos os fins de direito”.

O projeto ainda aguarda deliberação da Comissão de Seguridade Social e Família, mas já com parecer divulgado pela relatoria, acompanhando a posição da CTASP.

Não se pode prever o desfecho da matéria no Congresso, mas a demora sugere, pelas máximas de experiência, que a posição da CTASP não deve ser aquela esperada pelo Executivo.

De toda sorte, o tema, apesar de sua importância para o país, continua em aberto e indefinido, o que demanda uma atenção dos atores políticos e sociais envolvidos, para a busca de um entendimento que traga não somente segurança jurídica, mas efetividade às legislações previdenciária e trabalhista, assegurando a eficácia dos direitos individuais e a higidez do sistema de seguridade social, reduzindo a informalidade dos contratos, a evasão fiscal e a perda de eficiência do sistema de proteção social.


[1] “A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”.

[2] CHAVES, L. A. Estudos de processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 155 e ss.

[3] “Serão executadas ex officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido”.

[4] “A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição”.

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  • Brave

    é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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