Acesso à informação

Itália busca equilíbrio entre sigilo e transparência

Autor

  • Andreia Scapin

    é advogada doutora em Direito Tributário pela USP professora convidada da pós-graduação da Universidade Mackenzie e pesquisadora do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais da Università del Salento Itália/Furb (Brasil).

12 de março de 2014, 14h03

Encontrar o justo equilíbrio entre a transparência dos atos da Administração Pública e o sigilo para a proteção de interesses do Estado é uma meta em desenvolvimento na Itália. Habituado à total reserva e com sólida tradição em segredo, o país tem forte resistência e preocupação com a difusão indiscriminada e generalizada de informações. Contudo, a experiência atual mostra ser primordial o esforço para balancear esses dois extremos para prevenir a corrupção e promover a integridade.

Na Comunidade Europeia, a lei italiana é a mais restritiva em transparência. Passou por lenta evolução nos últimos 20 anos cujo ápice foi a recente entrada em vigor do DLeg n.º 33/2013, como resposta à Lei n.º 190/2012 (anticorrupção), que determina a criação de portais institucionais na web para dispor informações que possibilitem um controle amigável dos atos administrativos e para simplificar o acesso a documentos, atos e procedimentos. Introduz o programa trienal de atividades para instituir no país uma cultura voltada à transparência. [1]

Mais de 20 mil órgãos públicos já colocaram informações na web, por isso o departamento de funções públicas do governo italiano criou a “bússola da transparência” que permite ao cidadão, em tempo real, analisar estatísticas e verificar a evolução do projeto em todo o território nacional. [2]

O marco da disciplina do acesso à informação na Itália foi o Dec. n.º 241/1990, o qual tornou obrigatório informar o interessado sobre a abertura de procedimentos administrativos permitindo o acesso aos atos praticados e à sua motivação. Foi um avanço na época, já que a comunicação entre a Administração Pública e o cidadão era inexistente em razão do princípio do segredo de ofício. Não havia um limite para o que considerar segredo de Estado e praticamente nada podia ser revelado.

Contudo, explica Rossella Miceli, professora de direito tributário da Università di Roma “La Sapienza”, que o direito de acesso à informação previsto nesse decreto é exclusivo do indivíduo que comprove interesse legítimo. Portanto, impraticável ao cidadão cuja finalidade seja o controle social amigável de atividades administrativas. Além disso, não alcança atos de natureza tributária, os quais foram expressamente excluídos de sua abrangência, de modo que nem mesmo o contribuinte pode ter acesso às informações existentes e aos procedimentos fiscais instaurados a seu respeito. [3]

Somente com a Lei n.º 212/2000, intitulada “Estatuto do Contribuinte”, que a Administração Tributária foi obrigada a dar informações ao contribuinte. Entretanto, para Miceli, na prática, não houve mudança significativa, pois não se permite verificar o ato, mas apenas as suas razões. Os atos tributários continuam inacessíveis ao cidadão, sendo uma estratégia para afirmar o poder do Estado e uma técnica para desestimular impugnações devido à dificuldade de conhecer os posicionamentos e práticas da Administração Pública em matéria fiscal.

Numa democracia avançada, a transparência é regra e o sigilo a exceção. Como se trata de um país democrático foi imprescindível adotar medidas para substituir o princípio do segredo de ofício pelo princípio da transparência, uma poderosa ferramenta para o bom andamento e a imparcialidade nas atividades administrativas, previstos no artigo 97 da Constituição italiana. [4]

O acesso total às informações aos usuários de serviços públicos e à coletividade é recente na Itália, surgiu com o DLeg n. 150/2009, que regularizou a otimização da produtividade do serviço público, da eficiência e da transparência das atividades administrativas. É consequência ao Tratado de Lisboa, que prega uma Europa mais democrática e transparente e prevê a criação de mecanismos que possibilitem uma interação cada vez maior entre os cidadãos europeus e as instituições.

A implantação de tecnologia com o DLeg 33/2013 atua como uma estratégia para o progresso da transparência na Itália. Busca-se introduzir uma Administração Pública digital com informações compreensíveis, atuais e em formato aberto, de acordo com a filosofia open data. Apenas assim será possível ajustar-se à imagem construída por Filippo Turati da Administração Pública casa de vidro, cujo interior é visto constantemente por todos pelo lado de fora.

Apesar do DLeg 33/2013 ser um grande passo em transparência, ainda há um longo percurso a ser seguido, pois não basta uma revolução legislativa, é essencial também introduzir a cultura da transparência na sociedade italiana. Só assim será possível aniquilar o culto ao segredo fortemente instalado no país e, nas palavras de Norberto Bobbio, experimentar o governo dos poderes visíveis.[5]


[1] Cf. “Programma triennale per la trasparenza e l´integrità”, instituído pelo DLeg. N.º 33, de 14-03-2013, disponível em:http://www.governo.it/AmministrazioneTrasparente/DisposizioniGenerali/ProgrammaTrasparenza/programma_triennale_trasparenza_2012-2014.pdf. Último acesso em 16 fev. 2014.

[2] Disponível em: http://www.funzionepubblica.gov.it/media/1066217/bussola.pdf. Último acesso em 17 fev. de 2014.

[3] Rossella Miceli é professora de Direito Tributário do Departamento de Direito e Economia da Atividade Produtiva da Faculdade de Economia da Universidade de Roma “La Sapienza” e advogada.

[4] Cf. ITALIA. Costituizione della Repubblica Italiana. Promulgada em 17-12-1947. Bologna: Editora Zanichelli, 2011. Disponível em http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf .Último acesso em 17 fev 2014.

[5] “La democrazia è idealmente il governo del potere visibile, cioè del governo i cui atti si svolgono in pubblico sotto il controlo della pubblica opinione. L´opacità del potere è la negazione della democrazia”. BOBBIO, Norberto. Democrazia e Segreto. Giulio Einaudi Editore, 2011.

Autores

  • é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Doutoranda em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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