Projeto no Senado

Proposta sobre terrorismo dá brecha para violação a direitos

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8 de março de 2014, 9h25

É a velha estratégia: onde o Estado fracassa com os problemas sociais, recorre à violência penal para dar conta do conflito. Uma história tão antiga e obsoleta quanto a de seu insucesso, mas que tem se tornado muito usual no processo legislativo nacional: a absorção de anseios de parcela da população para revigorar a sensação de insegurança da sociedade. Nem que para isso seja necessário restringir a liberdade de umas tantas pessoas de comportamento social indesejável, afinal o insubordinado deve conhecer o peso da disciplina.

Não podemos mais conviver com semelhante populismo na formulação de leis penais. Esta tendência veio de forma extremada na chamada proposta de “lei antiterrorista”, apurada em vista da comoção nacional causada pela lamentável morte do cinegrafista Santiago Andrade. 

O problema é que a definição que o PLS 499/13, que tramita pelo Senado, atribuiu ao terrorismo deixa vulneráveis a liberdade de associação e a organização dos movimentos sociais. Entende-se como ato de terrorismo a conduta que “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”. A tipificação é demasiadamente ampla e pode alcançar um espectro ilimitado de condutas. Em que contexto participar de uma manifestação significa cometer um delito? As penas vão de 15 a 30 anos. Ou de 24 a 30 anos de reclusão, se resultar em morte. Um golpe que chega ao paroxismo, com penas mais incisivas do que as previstas no projeto de Código Penal (até 20 anos) para o crime de terrorismo.

Aliás, tal prática antidemocrática é muito similar àquela adotada pelo regime militar, que encontrou seu cume com o famigerado AI-5. Naquela época, como agora, elegeu-se um suposto inimigo interno a ser combatido a bem da “população ordeira”. Confundiu-se segurança urbana com segurança nacional, instalou-se verdadeiro clima de guerra interna, em que o Estado não buscava proteger o bem comum, mas sim a perpetuação do regime político, por meio da disseminação da violência, das prisões e dos processos arbitrários.

São “legislações-álibi” que têm consequências em vários níveis distintos. Primeiro, por representar um retrocesso histórico na consolidação democrática brasileira, recolocando na ordem do dia táticas desprezíveis de controle dos movimentos sociais e de restrição da liberdade de manifestação. Depois, porque difunde a “policialização” da vida em sociedade. E, o que é ainda mais delicado, afeta o orçamento e a própria capacidade distributiva do Estado, na medida em que as soluções penais mostram-se sempre muito custosas e albergam em si um efeito negativo cumulativo que eclodirá no futuro, aliás como se tem visto na crise reiterada pela qual vem passando nosso sistema carcerário.

A retórica dos “intelectuais do medo” é nada amadora, faz-nos acreditar que a sociedade não quer ser vítima, que ela merece segurança contra o “quebra-quebra” do comércio e a destruição de bens públicos. Fica mais fácil deixar a ilusão de que punir dura e seletivamente garantirá a não perturbação da paz.

Mas como reagir racionalmente ao medo com estratégias democráticas para proteção dos manifestantes, ou seja, daquelas pessoas que pretendem apenas e tão somente exercer o seu direito constitucional de protestar pacificamente?

A diferença entre o manifestante e aquele que não tem outro propósito senão o vandalismo é bem sutil. Para manter a precaução devida, impedir o uso de máscaras é um primeiro passo importante. Demonstrar à população que o policiamento tem sido treinado para atender a seus direitos é outro. E garantir o livre exercício do direito de protestar, de manifestar a divergência política, como garante o texto constitucional, aliás.

É bem verdade que a Constituição Federal repudia o terrorismo e que o Brasil deve à comunidade internacional uma regulamentação da matéria. Mas nada que se pareça à embaraçosa iniciativa do Senado, que apenas reconforta determinadas preferências às vésperas das eleições.

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