Assistência judiciária

Atrito entre governo inglês e advogados prejudica cidadãos

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8 de março de 2014, 9h08

O número de pessoas desamparadas na Justiça Criminal da Inglaterra vai aumentar. A partir de sexta-feira (7/3), passou a valer uma nova política de não cooperação entre os advogados que vai deixar muitos réus tendo que se defender sozinhos perante um júri. Os criminalistas decidiram que, quando se tratar de assistência judiciária, só vão atender aqueles casos que se encaixarem na sua agenda e não mais cobrirão buracos deixados pelos colegas.

Tradicionalmente, os chamados barristers, que são os advogados qualificados para representar os clientes durante os julgamentos, trabalham em cooperação. Como a lei exige que o barrister seja autônomo e o proíbe de se associar a outros advogados, eles dependem do coleguismo para dar conta de todos os casos. Quando há conflitos na agenda — por exemplo, dois julgamentos de clientes diferentes marcados para o mesmo dia —, o advogado repassa um deles para um colega participar em seu lugar.

O trabalho em equipe sempre permitiu que nem julgamentos tivessem que ser adiados e nem que as partes ficassem sem apoio profissional durante uma audiência. O esquema funcionou muito bem até sexta-feira, quando os profissionais anunciaram que não mais existiria cooperação para casos encaixados na assistência judiciária. Nos processos de defesa de carentes, quando os honorários são pagos pelo governo, os criminalistas vão passar a só atender aquilo que a sua agenda permitir.

À primeira vista, pode parecer que os profissionais decidiram um virar as costas para o outro. Mas, na prática, não é nada disso. A categoria está unida para pressionar o governo a desistir dos cortes dos honorários para assistência judiciária, anunciados no final de fevereiro. Agindo dessa forma, eles pretendem forçar o adiamento de julgamentos ou deixar que o juiz tenha de desacelerar o ritmo da audiência para explicar ao réu leigo os procedimentos jurídicos e de que maneira ele pode se defender. Nos dois casos, o resultado é o mesmo: a Justiça fica mais lenta, o carente acaba tendo de se contentar com uma defesa amadora e o jurisdicionado, no geral, suporta o custo da lentidão judicial.

A política de não cooperação não tem data para acabar. Segundo comunicado da associação de advogados criminalistas da Inglaterra, a prática deve ser revista de tempos em tempos e seus efeitos, discutidos. Pode durar semanas ou meses. Vale ressaltar que o fim do coleguismo vale só para os casos de assistência judiciária. Quando o cliente é particular e paga pela sua defesa, um advogado vai continuar cobrindo o buraco deixado pelo outro.

Dia de protesto
Os cortes na assistência judiciária foram alvo de protesto na sexta-feira (7/3) em Londres. Apesar das ameaças do Ministério Público de que deixaria de convocar como auxiliar de acusação o advogado que participasse da greve, a adesão da categoria foi bastante alta. Segundo estimativa do jornal The Guardian, mais de mil advogados deixaram de comparecer a audiências e se reuniram na frente do Parlamento britânico.

Os profissionais carregavam faixas que pediam, entre outras coisas, que o secretário de Justiça, Chris Grayling, deixasse o cargo. Os manifestantes também carregaram um boneco gigante com o rosto de Grayling. É ele quem está comandando os cortes na assistência judiciária.

A redução dos honorários pagos a quem presta assistência judiciária foi anunciada no final de fevereiro. Já no final de março, os advogados que lidam diretamente com os clientes vão passar a receber 8,75% a menos. Nova redução de 8,75% deve ser implementada em meados do próximo ano. Já para os barristers, a redução será de 6%.

Atualmente, há cerca de 1,6 mil bancas cadastradas para prestar assistência judiciária na área criminal. Esse número vai ser reduzido para 525, apenas um terço. Como boa parte desses escritórios depende da assistência para sobreviver, a previsão é de que dezenas fechem suas portas.

A expectativa do governo é reduzir os gastos com a Justiça. Atualmente, cerca de 2 bilhões de libras (quase R$ 8 bilhões) são usados na assistência judiciária, metade disso na área criminal. De acordo com o Ministério da Justiça, as mudanças vão representar uma economia de 215 milhões de libras (pouco menos de R$ 850 milhões) por ano já em 2018, o que vai ajudar o Ministério a enxugar seu orçamento e lidar com a crise financeira.

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