Pressão das instituições

Adiar julgamento sobre planos econômicos beneficia os bancos

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7 de março de 2014, 8h27

O jornal Folha de S.Paulo divulgou que o ministro Joaquim Barbosa estava cogitando adiar, uma vez mais, o julgamento dos planos econômicos. A mesma reportagem, com dois ministros do STF como fonte, menciona que a decisão se deve, em boa medida, a uma pressão dos bancos. Em movimento coordenado ou coincidente, AGU e Banco Central peticionam para insistir no adiamento. O pedido de adiamento ampara-se especialmente em suposta necessidade de controverter os números constantes do parecer da PGR. Ora, o parecer da PGR está nos autos há mais de três anos. Por que só agora, mais de três anos depois, AGU e BC, coordenados com os bancos, resolveram controverter o parecer?

Desprezando que o julgamento já foi iniciado, a petição do governo, em requerimento nitidamente tumultuário, cogita até mesmo uma audiência pública. Parece óbvio que a ideia é, na essência, não julgar. Ou julgar apenas quando o julgamento não mais tiver qualquer relevância prática, pois estão prescrevendo as execuções individuais das ações civis públicas.

Disse isso o Painel da Folha de S.Paulo, conforme resumidamente veiculado na edição de 1º de março. Hoje, Luís Inácio Adams, o competente e sério advogado-geral da União, apresenta um desmentido. Em primeiro lugar, Adams nega que exerça pressão sobre o STF para que o julgamento não seja retomado. Sustenta que apenas cogitou o aprofundamento da questão e, explica o advogado-geral, isso não é pressão, é responsabilidade. Um eufemismo, quem sabe. Parece desnecessário anotar que reconheço a legitimidade da pressão pelo adiamento. Mas não posso deixar de consignar que é uma pressão — pressão responsável, como prefere o advogado-geral — que coincide com os interesses ilegítimos dos bancos — que apostam sim na prescrição, como esclareço em seguida.

Na mesma nota, Luís Inácio Adams explica que não há de se falar em prescrição intercorrente na ADPF. Sem dúvida, mas não é desta prescrição que se trata. Como mencionei em sustentação oral — e como sabem muito bem os bancos — estão a prescrever as execuções individuais das ações civis públicas. É singelo.

A ADPF, proposta em 2009, teve a liminar negada pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski. Não obstante, no ano seguinte, os bancos conseguiram suspender todas as ações de planos econômicos no Brasil. A suspensão se deu em dois Recursos Extraordinários relatados pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. E com a suspensão das ações houve imediata e consequente diminuição radical na propositura de novas execuções individuais em Ações Civis Públicas. Por quê? Ora, as decisões liminares dos ministros, com suspensão de tudo, passou uma mensagem clara aos poupadores sobre a instabilidade da orientação do STF sobre o tema. Com isso houve um nítido recuou no número de novas execuções.

Foi o que eu disse em sustentação oral ao início do julgamento. Agora, em ato falho, a própria Febraban reconheceu e demonstrou a expressiva redução no número de novas execuções no período subsequente às decisões que determinaram a suspensão de tudo. Há duas semanas, Murilo Portugal, presidente da entidade, juntou à ADPF um gráfico que demonstra que depois da suspensão de todos os processos, em meados de 2010, houve drástica redução na propositura de novas execuções contra os bancos. Em 2011, 2012 e 2013, especialmente nos dois últimos anos, o número de ações novas caiu em mais de 90% em relação ao volume anterior às decisões de suspensão.

E por que interessa aos bancos adiar o julgamento e inibir/postergar a propositura de novas execuções? Por que assim correm os prazos prescricionais para estas execuções individuais, diminuindo o número de novos processos que serão propostos. O gráfico juntado pela própria Febraban é muito didático em demonstrar a conveniência dos bancos em manter tudo como está. Em agosto de 2014, vencerá o prazo limite para a propositura de novas execuções contra o HSBC. Em outubro contra o Banco do Brasil. É muito importante para os bancos manter o reduzido número de novas execuções, como está desde a suspensão de tudo em meados de 2010.

Enfim, interessa aos bancos que a questão siga suspensa — e em suspense — no STF. A suspensão deveria durar no máximo um ano. Já dura mais de três anos e meio. O julgamento foi pautado pela primeira vez em abril de 2012. Depois alteraram para o fim do ano passado, mas o julgamento foi cindido para terminar neste ano. Agora os bancos, coordenados com AGU e BC, pressionam para mais um conveniente adiamento. Neste período de suspensão, muitas execuções individuais prescreveram. E poucos são os que aventuram a propor execuções individuais enquanto a questão não se resolve no STF, prova o gráfico da própria Febraban.

O adiamento, enfim, é uma vantagem em si para os bancos. Enorme vantagem. Não posso dizer que AGU e BC, ao pressionar pelo adiamento, tenham o mesmo pragmático e conveniente objetivo dos bancos. Mas devo dizer que ao advogado-geral da União, o Luís Inácio Adams, não cabe alegar que desconhece as externalidades negativas deste adiamento para o interesse dos poupadores. Já iniciado o julgamento, quatro anos depois da propositura da ADPF e mais de 20 anos depois dos primeiros julgados sobre o tema, parece certo dizer que o Supremo está sim pronto para decidir. Com responsabilidade para separar pressões legítimas de outras nem tanto.

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