Luta ingrata

Argentina tenta evitar catástrofe econômica nos EUA

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7 de março de 2014, 13h19

O pesadelo econômico vivido pela Argentina, desde que declarou, em dezembro de 2001, a moratória de uma dívida externa de mais de US$ 100 bilhões, começou a ganhar novos capítulos bem longe de casa. E, pior, em um território nada amistoso: a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Na verdade, no momento é mais fácil prever um bom desfecho para os “hermanos” na Copa do Mundo no Brasil, do que na atual Suprema Corte dos EUA, considerada a mais pró-corporações de todos os tempos. Assim, não se pode dizer que a Argentina é a favorita em nenhum dos três processos que correm separadamente na Suprema Corte dos EUA.

Aliás, no primeiro da fila, a batalha já foi perdida nesta quarta-feira (5/3). A Suprema Corte decidiu contra a Argentina — e em favor da British Gas Group Plc — em um caso que envolve a arbitragem de uma disputa entre as partes. Resultado final: a Argentina terá de pagar US$ 185,3 milhões à BG Group Plc.

Essa disputa começou quando a Argentina, em plena crise econômica, congelou o preço do gás. A British Gas levou a Argentina ao Tribunal International de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio Internacional, sediada em Washington, nos EUA.

A alegação principal da BG foi a de que a Argentina violou um tratado internacional, assinado com a Inglaterra em 1993, para estimular investimentos estrangeiros no país. A BG argumentou que o congelamento reduziu significativamente o valor de sua participação acionária de 45% na Metrogras SA, uma empresa com participação majoritária argentina.

O tribunal de arbitragem internacional decidiu, em 2007, que o caso deveria ir direto à arbitragem, porque as medidas de emergência decretadas à época pelo governo argentino limitavam o acesso à Justiça.

A Argentina contestou a decisão do tribunal de arbitragem em um tribunal federal de Washington. Porém, em 2011, o tribunal decidiu que a arbitragem internacional era, realmente, a melhor via para a resolução do caso.

A Argentina apelou ao tribunal de recursos na cidade e, em 2012, sua luta ganhou novo fôlego. O tribunal de recursos decidiu que a corporação inglesa deveria ter buscado a via judicial para solucionar a disputa — e não a arbitragem. “Juízes, não árbitros, devem decidir onde as tentativas de resolver uma disputa devem começar”, escreveram os juízes.

Desta vez, a BG recorreu à Suprema Corte dos EUA e se saiu bem. Por 7 a 2, a Suprema Corte anulou a decisão do tribunal de recursos. Em nome da maioria, o ministro Stephen Breyer escreveu que, se a disputa estava sujeita à arbitragem, a solução deveria ser dos árbitros. “Os tribunais podem apenas examinar suas determinações com deferência”, ele declarou.

Os dois votos dissidentes vieram, surpreendentemente, de dois ministros conservadores: o presidente do tribunal, ministro John Roberts, e o ministro Anthony Kennedy. Eles escreveram, em seu voto, que disputas só podem ir à arbitragem se as duas partes concordarem expressamente com isso.

A Argentina caiu em uma armadilha que países sedentos por investimentos estrangeiros caem com frequência: assinam tratados internacionais que conferem a corporações o poder de processar nações em tribunais de sua escolha — e a soberania do país é posta de lado.

O segundo e terceiro processos correndo na Suprema Corte têm relação direta com a moratória declarada pela Argentina em dezembro de 2001. Os planos de reestruturação de uma dívida total de US$ 102 bilhões foram aceitos por 93% dos credores, mas recusado por um grupo liderado pela N.M.L Capital, subsidiária da Elliott Management.

Com esse plano, cada dólar de dívida foi reduzido a US$ 0,35 e o prazo de pagamento foi estendido até 2038. O grupo dos 7% foi à Justiça, nos EUA, porque quer receber de volta cada dólar emprestado. Em março do ano passado, um juiz de primeiro grau mandou a Argentina pagar US$ 1,33 bilhão a esse grupo de credores.

Daí surgiram dois processos. Em um deles, o segundo na fila de três processos na Suprema Corte, o grupo de credores conseguiu uma decisão judicial que intima o Bank of America Corp. e o Banco de la Nación Argentina, um banco estatal, a revelar os ativos do país em seu poder. A NML Capital, do bilionário Paul Singer, quer coletar US$ 1,6 bilhão (agora) das contas da Argentina nesses bancos.

A Argentina recorreu a tribunais superiores e, em janeiro deste ano, a Suprema Corte decidiu examinar o caso.

Em fevereiro deste ano, a Argentina recorreu à Suprema Corte para decidir o processo principal — o terceiro na fila. Com esse recurso, a Argentina quer anular a decisão que a obrigou a pagar a dívida total ao grupo de credores — uma dívida que a Argentina chama de “fundos abutres” e que o Congresso argentino já proibiu o governo de pagar.

A Suprema Corte ainda vai decidir se vai examinar o caso. Se não aceitar, fica valendo a decisão do tribunal inferior. Nesse caso, ou se for mantida a decisão do tribunal inferior, a catástrofe econômica será anunciada: todos os demais credores que aceitaram o plano de reestruturação da dívida da Argentina, entre 2005 e 2010, poderão exigir na Justiça americana tratamento equitativo.

A Argentina terá de pagar a dívida de mais de US$ 100 bilhões, mais juros, sob a ameaça de confisco de seus bens em todo o mundo. Como já aconteceu, a Justiça poderá ordenar, por exemplo, o confisco de um navio carregado em qualquer porto do mundo.

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