Custo Brasil

Modelo de tributação ajuda Brasil a ter PS4 mais caro do mundo

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6 de março de 2014, 8h23

No segundo semestre do ano passado, a Sony anunciou o lançamento do PlayStation 4. No Brasil, além da inovação tecnológica, teve grande repercussão o preço de venda do aparelho e sua comparação com outros mercados mundiais. Isso porque, enquanto nos Estados Unidos o preço de lançamento foi de U$ 399, por aqui, a Sony divulgou o preço de R$ 3.999. Chegou-se a dizer que seria mais barato ir buscar o console em Miami. A própria Sony teve que dar explicações a respeito.

Infelizmente essa não é uma situação exclusiva do PlayStation 4. Esse fenômeno se repete em relação aos automóveis, tablets, celulares, roupas, etc. Até os juros cobrados pelas instituições financeiras brasileiras são mais elevados do que os praticados por outros países do mundo. De maneira geral, produtos e serviços no Brasil são bem mais caros se comparados a outros países. A questão é: por que isso ocorre? Por que o consumidor brasileiro que desejar ter um PlayStation 4 terá que desembolsar quase quatro vezes mais do que o norte-americano?

Eis alguns fatores que, para mim, devem ser considerados quando se está a analisar os motivos que levam o Brasil a ser um país tão caro se comparado aos países desenvolvidos, ou mesmo em relação a outros emergentes.

Um dos pontos sempre lembrados é a carga tributária. Alta, mal distribuída e implementada por meio de uma legislação confusa e complexa. Absorvendo quase 40% do Produto Interno Bruto, a carga tributária brasileira é reconhecidamente elevada. No entanto, muitos países desenvolvidos apresentam carga tributária similar e nem por isso seus produtos e serviços são tão caros como os brasileiros. O maior problema reside na forma como ela é distribuída e na legislação que a regulamenta.

No Brasil a tributação incide fundamentalmente sobre o consumo[1], enquanto em outros países a opção é tributar mais fortemente a renda, a propriedade e a transmissão da propriedade. O ITCMD brasileiro, por exemplo, é muito mais baixo do que o cobrado em outros países. Essa opção inevitavelmente torna nossos produtos e serviços consideravelmente mais caros, já que os tributos são repassados aos consumidores por meio da elevação do preço.

Além disso, nossa legislação é extremamente complexa. Só sobre o consumo pode-se citar o ISSQN, o IPI, o ICMS, a PIS/Pasep e a Cofins, divididos entre a União, estados, municípios e Distrito Federal. Em países onde o sistema tributário é mais racional e funcional a opção é concentrar tudo isso em um único imposto — o Imposto sobre Valor Agregado, IVA. De outra banda, tem-se um sem-número de normas editadas quase que diariamente que tornam a relação com o fisco tormentosa. A contabilidade acaba sendo uma atividade cara aos empresários. Fora a insegurança gerada pela quantidade excessiva de tributos incidentes praticamente sobre o mesmo fato gerador. Quem investe em local inseguro normalmente o faz mediante remuneração maior de seu capital, caso contrário, investirá em mercados mais seguros.

Outro fator importante é a péssima infraestrutura brasileira. A começar pelos portos que estão defasados, não dão conta da demanda e cujos serviços são caros. Além disso, a malha rodoviária é ultrapassada e não suporta mais a quantidade de veículos. As malhas ferroviárias e fluviais, por sua vez, são praticamente inexistentes. A situação, infelizmente, não é diferente em relação aos aeroportos brasileiros. É caro, portanto, distribuir a produção no Brasil.

Além disso, a burocracia brasileira muitas vezes é absurda. Abrir uma empresa no Brasil é muito mais caro e demorado do que em outros países. Importar e exportar, então, se tornam atos quase que heroicos. Não é incomum o desembaraço aduaneiro demorar meses. Aliás, nesse quesito somos um dos piores do mundo. Isso encarece a mercadoria importada que vá ser vendida por aqui, assim como encarece o produto nacional que utiliza matéria prima estrangeira. Além disso, como destacado acima, o relacionamento com o fisco é complicadíssimo. O Brasil é o país que mais exige mão de obra de contadores. Não há no mundo um relacionamento tão complexo com o Fisco. Nem advogados, nem contadores, muito menos o fisco, sabem exatamente o que deve incidir em cada operação realizada.

Se isso não bastasse, as instituições públicas brasileiras são frágeis e instáveis. Não é possível precisar se o Supremo Tribunal Federal irá julgar amanhã da mesma forma que julgou hoje. O mesmo se diz em relação à Administração Pública e ao Legislativo. Fora a falta de transparência e de estabelecimento de regras claras. Nossas instituições públicas geram insegurança para quem opera no Brasil.

A insegurança é um estímulo à cultura da litigiosidade incutida tanto nos empresários quanto nos consumidores[2]. Aqui mesmo na revista Consultor Jurídico já se disse que as “empresas transferiram seu call center para o Judiciário”. De certa forma, culturalmente somos inclinados ao descumprimento de regras. Isso é um símbolo nacional, o famigerado “jeitinho brasileiro”. Em vez de as regras jurídicas serem cumpridas, muitas vezes, a opção é discutir no Judiciário e protelar o pagamento de obrigações. Esse fator, além de trazer insegurança, representa custo para as empresas.

Empresário, para vir empreender e trabalhar em um ambiente hostil como esse, só se for para ganhar mais do que em mercados de países desenvolvidos. Se desestimulamos a vinda de investimentos estrangeiros, internamente, acabamos desestimulando a concorrência. Menos concorrentes, maior será o lucro dos empresários que se aventuram por aqui.

O último fator que destaco é a docilidade do consumidor brasileiro, que não se opõe às altas margens de lucro praticadas por aqui. Ademais, o consumo demarca as classes sociais. Comprar um determinado celular ou veículo pode significar fazer parte de classes sociais mais “favorecidas”. Esse cenário é agravado por se tratar o Brasil de um país com níveis de desigualdades sociais tão altos como o nosso.

Enfim, esses são alguns fatores que, a meu ver, ajudam a compor aquilo que tem sido chamado de “custo Brasil”. Procurei destacar aquilo que, apesar de talvez não ser algo genuína ou exclusivamente brasileiro, deixa o Brasil menos competitivo que outros mercados internacionais.

A pretensão deste pequeno ensaio não foi estabelecer um rol taxativo, pelo contrário, apontar eventuais outros motivos, assim como aprofundar os que foram aqui expostos é imprescindível se pretendemos avançar para, quem sabe, mudarmos o estado no qual nos encontramos.


[1] Assim como sobre a renda do trabalhador assalariado.
[2] Só para se ter uma ideia, segundo Eurico Marcos Diniz de Santi e Andréia Scapin, “o contencioso fiscal, no Brasil, corresponde a 15% do PIB, ao passo que, nos Estados Unidos, segundo dados do Internal Revenue Service (IRS), é de aproximadamente 0,2% do PIB.”

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