Esqueletos no armário

Caso de fraudes internacionais é desafio para Itália

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5 de março de 2014, 16h15

Recém empossada pelo novo premiê italiano Matteo Renzi, a nova ministra de relações exteriores do país, Federica Mogherini, encontrará em suas gavetas investigação sobre um esquema milionário de desvio de dinheiro da Europa para empresas fantasmas no Brasil. O caso foi denunciado por ministros de Dilma Rousseff e chegou, inclusive, aos ouvidos do ex-presidente Lula, mas não foi visto como prioridade. São suspeitas de fraudes que usaram bancos nacionais e estrangeiros para obter dinheiro ilegalmente, descobertas a partir de um processo trabalhista no Brasil. 

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O caso é conhecido pelo governo brasileiro. O suposto crime internacional já foi alvo de dois ministros: Paulo Bernardo (foto), ministro das comunicações, e José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, bem como do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Em 2003, denúncias sobre o caso foram recebidas pelo gabinete do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, depois de terem sido ouvidas também pelo ex-presidente do PT José Genoíno. 

As informações sobre o esquema denunciado surgiram em um processo trabalhista no Brasil. No caso, o italiano, Piero Garavini consultor internacional e ex-deputado do Parlamento Mundial de Segurança e Paz, processou a empresa Interamerica Trade Financiamentos e Serviços, com sede em São Paulo, onde havia trabalhado, e seus donos, entre os quais Álvaro Malipensa Filho. Ao buscar a papelada de seu contrato, Garavini descobriu que havia sido registrado como diretor em outra companhia: uma fábrica de automóveis que nunca havia saído do papel, a New Generation Automóveis. 

Os documentos apontam que a Interamerica oferecia a suas clientes, como a New Generation, financiamentos altos, como de US$ 5,5 milhões, junto à Comunidade Econômica Europeia. O problema é que os financiamentos eram oferecidos “a fundo perdido”, ou seja, quem os recebia não precisaria pagar de volta. À época, a União Europeia só oferecia quatro tipos de financiamento a fundo perdido e o mais alto era de 1 milhão de euros. Como a conta não fecha, a empresa estaria recebendo e repassando as quantias de forma ilegal. 

Bancos no Brasil eram utilizados para que o dinheiro saísse da Europa. É o caso do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), que aprovou empréstimos de mais de US$ 5 milhões para empresas fantasmas no Espírito Santo, intermediadas pela Merchant Financial Services — também pertencente a Álvaro Malipensa —, e que viabilizou uma linha de crédito com o banco inglês Singer & Friedlander para a empresa que nunca saiu do papel. 

Foi a partir de uma entrevista de Garavini para o Jornal do Brasil, na qual ele contou sobre o esquema de obtenção de empréstimos de bancos brasileiros e estrangeiros, que o Ministério Público Federal no Espírito Santo entrou com uma Ação Penal contra os fundadores da Interamerica. Segundo a denúncia, os acusados simularam empresas para “levantar recursos financeiros sem qualquer compromisso de realizar ou executar as propostas aprovadas e justificadoras dos empréstimos”.  

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O caso do Banestes ficou famoso. No Espírito Santo, ele é conhecido como “caso Malimpensa”. Diretores foram afastados do banco. Uma carta enviada pelo deputado capixaba Lelo Coimbra (foto) a Piero Garavini aponta a importância do italiano para esclarecer o caso. Garavini foi convocado como testemunha pelo MP nas investigações. 

Na correspondência, o então deputado estadual diz: “Foram suas ações iniciais que garantiram que esse rumoroso e lamentável episódio atingisse a dimensão pública, possibilitando aos cidadãos capixabas conhecer, debater e mobilizar-se em defesa dos interesses maiores do Espírito Santo”.

Esquema conhecido
Desde então, a guerra contra o suposto esquema internacional está praticamente parada. Garavini tenta levar os fatos a apuração na Itália e no Judiciário brasileiro. Se os caminhos nos Judiciários dos dois países se esgotarem, afirma, vai levar o caso para o Organismo Europeu de Luta Antifraude (Olaf), na Alemanha. 

As denúncias sobre o esquema de desvios, assinadas pelos ministros Paulo Bernardo e José Eduardo Cardozo, foram encaminhadas à Itália a políticos da esquerda e da direita, mas o caso nunca foi para a frente em Roma. 

Uma representação à Procuradoria-Geral da República assinada por Paulo Bernardo em 1998, então deputado federal pelo PT-SP, aos quais a revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso, afirmam que os fatos acerca do desvio de dinheiro de bancos europeus e brasileiros “restam exaustivamente documentados e falam per se” e caberia à PGR entrar com uma Ação Penal pública para apurar as denúncias e condenar os envolvidos. 

O petista era, à época, presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados e recebeu a denúncia de Garavini e de dois deputados do Comitê dos Italianos no Exterior Carmelo Distante e Francesco Scavolini. 

Documentos semelhantes já haviam chegado à mesa do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro (foto), praticamente um ano antes, por meio do senador Roberto Requião. Ele enviou uma Representação sobre “um grupo de empresários que estaria obtendo empréstimos junto a instituições financeiras nacionais, sem a capacidade de pagamento e utilizando-se de documentação fraudulenta para prática de estelionato contra os credores”. O documento assinado pelo peemedebista reforça a suspeita da que o grupo buscava recursos junto à Comunidade Econômica Europeia. 

Em 2004, o caso voltou à mesa da PGR na representação feita pelo atual ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Ainda deputado, Cardozo levou à Procuradoria as denúncias que envolvem um esquema de envio de dinheiro da Itália para o Brasil: o caso Telecom Italia. Para Garavini, trata-se de um desdobramento do mesmo esquema: a vinda de dinheiro da Itália para o Brasil por um mecanismo de corrupção de entes públicos e privados nos dois países. 

Os três italianos, Garavini, Scavolini e Distante, foram encarregados por Cardozo de levar a representação e os documentos para a Itália, uma vez que o esquema envolvia a vinda ilegal de dinheiro de lá para o Brasil. Documentos apontam que eles já estavam, mesmo antes do pedido de Cardozo, tentando fazer com que o problema fosse investigado na Itália. Mas as tentativas foram frustradas. Entre novembro de 1998 e dezembro de 1999, Garavini contabiliza ter entregado 27 denúncias, com milhares de páginas e dezenas de gravações. Sem que as investigações fossem para a frente.

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