Observatório Constitucional

Suspensão de norma inconstitucional
está em pleno uso pelo Senado Federal

Autor

  • José Levi Mello do Amaral Júnior

    é professor associado de Direito Constitucional da USP professor do mestrado e do doutorado em Direito do Ceub livre-docente doutor e mestre em Direito do Estado procurador da Fazenda Nacional cedido ao TSE e secretário-geral da Presidência do TSE.

31 de maio de 2014, 8h01

Spacca
Na coluna Análise Constitucional, de 20 de abril de 2014, nesta mesma revista eletrônica Consultor Jurídico, discorri sobre o artigo 52, inciso X, da Constituição: “Compete privativamente ao Senado Federal (…) suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Caracterizei o mecanismo como um sucedâneo, pela via normativa, ao stare decisis, elemento de funcionalidade e coerência decisórias existente na experiência do common law americano, mas que não veio ao Direito brasileiro por ocasião do transplante (ou cópia) do modelo americano.

Então, revisitei algumas questões decorrentes do dispositivo.

Primeira, a polêmica sobre a facultatividade ou obrigatoriedade de o Senado Federal suspender a lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A doutrina dividiu-se no ponto. Prevaleceu que o Senado tem a faculdade de suspender ou não a lei declarada inconstitucional pelo Supremo. A obrigatoriedade não seria compatível com a dignidade institucional própria a uma alta Casa legislativa que, do contrário, ficaria reduzida a um mero órgão carimbador das decisões do Supremo (a propósito, o voto do ministro Aliomar Baleeiro no MS 16.512/DF, relator o ministro Oswaldo Trigueiro, julgado em 25 de maio de 1966). Ademais, a decisão do Supremo, no controle difuso, não é afetada em sua autoridade pela eventual decisão senatorial de não suspender a lei declarada inconstitucional: remanescerá, no mínimo, o efeito que lhe é próprio: o inter partes.

Segunda, a repercussão da decisão no tempo: ex nunc ou ex tunc? O Senado, no exercício de sua competência privativa inscrita no artigo 52, inciso X, da Constituição, não revoga a lei ab initio — até porque isso só poderia decorrer do concurso de vontades das duas Casas parlamentares e da Presidência da República — mas, sim, (apenas) suspende-lhe a eficácia. Disso decorre eficácia temporal tão-só prospectiva, ex nunc. No entanto, nada impede que o Poder Público — diante da generalidade própria à manifestação senatorial — reconheça repercussão ex tunc não só às partes do respectivo controle difuso, mas também à toda sociedade. É o que faz o parágrafo 2o do artigo 1o do Decreto 2.346, de 10 de outubro de 1997.

Terceira, a questão sobre que decisões de inconstitucionalidade poderiam ser objeto da suspensão senatorial: apenas as típicas e clássicas, com redução de texto, ou também aquelas sem redução de texto. A prática do Senado Federal responde à questão. Veja-se, por exemplo, a Resolução 52 de 2005: “É parcialmente suspensa, sem redução de texto, a execução do artigo 11 da Medida Provisória Federal 2.225-45, de 4 de junho de 2001, ficando excluído do seu alcance as hipóteses em que o servidor se recuse, explícita ou tacitamente, a aceitar o parcelamento previsto no dispositivo, em virtude de declaração de inconstitucionalidade em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 401.436-0 – Goiás.”

Quarta, a reafirmação de que a suspensão senatorial não cabe em sede de controle concentrado, uma vez que as ações diretas já têm — elas próprias – eficácia erga omnes. Do contrário, na fórmula muito bem empregada pelo ministro Moreira Alves, a Corte transformar-se-ia em um mero “clube lítero-poético-recreativo”, cuja decisão em sede de controle concentrado nada valeria, porque ficaria inteiramente dependente do acolhimento senatorial.

Quinta, a origem das leis ou atos normativos sujeitos à suspensão senatorial. Ora, como o Supremo Tribunal Federal, no controle difuso, controla a constitucionalidade de leis e atos normativos federais, estaduais e municipais em face da Constituição da República, e considerando que o Senado Federal é a Casa de representação dos Estados — ou, mais propriamente, dos entes federados brasileiros — a suspensão pode atingir leis e atos normativos federais, estaduais e municipais. Na prática, são numerosos e recorrentes os exemplos de leis e atos normativos federais, estaduais e municipais suspensos pelo Senado no exercício da sua competência privativa constante do artigo 52, inciso X, da Constituição.

Também registrei que é a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, no uso de competência a ela delegada pelo Plenário da Casa, que vota projetos de resolução acerca do artigo 52, inciso X, da Constituição (sem prejuízo de recurso ao Plenário na forma do inciso I do parágrafo 2o do artigo 58 da Constituição — o que, via de regra, não acontece na matéria).

A propósito, vale, agora, mencionar alguns dados da prática mais recente do Senado Federal no exercício da competência privativa que lhe confere o artigo 52, inciso X, da Constituição. Sugere-se, como critério de corte do que seja uma “prática mais recente”, as duas últimas legislaturas (a anterior e a em curso), ou seja, uma breve análise das resoluções promulgadas pelo Senado Federal a partir de 2007 nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição.

No período em causa foram promulgadas 29 Resoluções com fundamento de validade no artigo 52, inciso X, da Constituição: uma em 2013, cinco em 2012, três em 2010, uma em 2009, quatro em 2008 e 15 em 2007.

Sete das Resoluções suspenderam a execução de dispositivos de leis ou ato normativos da União, aí incluídos dispositivos de uma Lei Complementar, de três Leis (ordinárias), de uma Medida Provisória (e suas reedições pertinentes), de um Decreto-Lei e de um Decreto. Três das Resoluções suspenderam, no todo ou em parte, a execução de atos normativos do próprio Poder Judiciário. Uma das Resoluções suspendeu dispositivo de Regimento Interno de Assembleia Legislativa (no caso, a de Minas Gerais). Quatro das Resoluções suspenderam, no todo ou em parte, a execução de leis municipais. A grande maioria das Resoluções (14) suspendeu a execução, no todo ou em parte, de leis ou atos normativos estaduais. No período examinado, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina foram os estados que mais tiveram leis ou atos normativos suspensos, no todo ou em parte, pelo Senado Federal (três resoluções para cada um desses três estados).

Da análise desses dados, algumas conclusões podem ser destacadas.

Primeira, foi bastante comum o exercício, pelo Senado Federal, nos anos mais recentes, da sua competência privativa prevista pelo artigo 52, inciso X, da Constituição.

Segunda, revela-se bastante abrangente a prática do controle difuso, fulminando leis e atos normativos de quaisquer dos Poderes federais, estaduais e municipais, inclusive aqueles anteriores à Constituição vigente.

Terceira, nota-se sintonia entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado Federal, porque, em regra, a declaração incidental de inconstitucionalidade pela Corte efetivamente enseja resolução senatorial na forma do artigo 52, inciso X, da Constituição. Aliás, vale destacar que a maioria das resoluções examinadas foi promulgada após breve lapso de tempo entre o recebimento do Ofício do Supremo informando uma declaração de inconstitucionalidade e a promulgação da Resolução de suspensão: duas foram promulgadas no mesmo ano de recebimento do Ofício, sete no ano seguinte e outras sete no segundo ano seguinte. As demais Resoluções examinadas cumpriram tramitação mais lenta. Porém, em verdade, essa circunstância é compatível com a discricionariedade que tem o Senado de suspender ou não a lei ou ano normativo declarado inconstitucional pelo Supremo.

Importa anotar que todas as 29 resoluções examinadas foram aprovadas em decisão terminativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, sem interposição de recurso ao Plenário da Casa.

Dentre as resoluções examinadas, apenas a Resolução 3, de 28 de fevereiro de 2008, atribui efeito ex tunc à suspensão, pois o dispositivo implicado foi publicado em consequência de erro material (não fora ele aprovado pelo Congresso Nacional), o que, claro, não gera nenhuma normatividade (portanto, uma inconstitucionalidade formal decorrente da não aprovação do dispositivo).

Enfim, como recordei em coluna anterior referida supra, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação 4.335-5/AC, considerou a possibilidade de atribuir eficácia erga omnes a decisões em controle difuso, independentemente de o Senado Federal haver exercido a sua competência privativa de suspender a lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo.

Após longo período de maturação, o assunto foi resolvido contra a possibilidade cogitada. A tendência expansiva dos efeitos de decisões no controle difuso foi reconhecida, mas, no caso, a Reclamação foi conhecida e deferida, na prática, simplesmente, porque houve a superveniência de um enunciado de súmula vinculante (o de número 26) sobre o assunto de fundo agitado na Reclamação.

Portanto, a prática mais recente da suspensão senatorial mostra que está ela em pleno — e vigoroso — uso, não havendo espaço para cogitar, no caso, desuso que pudesse justificar mutação constitucional a dispensar a manifestação do Senado Federal.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio). 

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