Trabalho degradante

Ex-varredora de ruas será indenizada por não dispor de banheiro nem refeitório

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31 de maio de 2014, 7h41

 ”Há um cristalino retrocesso social quando passamos a admitir que, dada a natureza externa do labor — limpeza das ruas do município de Pelotas —, o trabalhador possa ser privado de direitos tão comezinhos como o de usar banheiro para a satisfação de suas necessidades fisiológicas ou a ter um local adequado para fazer suas refeições. Se o Judiciário Trabalhista concluir ser incensurável esse proceder, estará avalizando violações das mais perversas no mundo do trabalho.’’

Essa foi a ementa do acórdão prolatado pela 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que condenou a empresa Delta Construções S.A. a indenizar, por danos morais, em R$ 10 mil a uma trabalhadora que fez serviços de varrição por mais de um ano em condições indignas. Ela era obrigada a fazer suas refeições em locais públicos, sem higiene, além de sofrer constrangimentos ao ter que utilizar banheiros emprestados. A decisão reforma sentença da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, que julgou improcedente o pleito. Ainda cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O juízo da 4ª Vara não acolheu os argumentos da trabalhadora porque considerou que a natureza externa do trabalho faz com que os empregados se submetam a condições diferentes daqueles que exercem suas atividades dentro de fábricas ou outros estabelecimentos.

Na sentença, o juiz também argumentou que muitos trabalhadores compartilham dessas mesmas condições e, nem por isso, pode-se dizer que todos sejam vítimas de danos morais a serem reparados. Ainda do ponto de vista do julgador de primeira instância, não se pode afirmar que o trabalho externo, por si só, torne os ambientes inóspitos para refeições, sendo que muitas vezes os locais podem ser até mesmo "muito aprazíveis". Descontente, a empregada recorreu da decisão ao TRT-4.

Cenário abjeto
Ao apreciar o caso, o relator do recurso na 3ª Turma, juiz convocado Marcos Fagundes Salomão, afirmou que a comprovação dos fatos alegados pela trabalhadora foi feita com provas robustas. O magistrado destacou seis relatos, além do depoimento da própria autora, emprestados de reclamatórias trabalhistas contra a mesma empresa.

Em um dos depoimentos, uma empregada declarou que precisava utilizar banheiros emprestados e que nem sempre isso era possível, porque os proprietários recusavam-se a emprestar ao ver as suas roupas sujas por causa do trabalho. Outro depoente afirmou que precisava aquecer sua comida em latas, utilizando-se de álcool para acender fogo. Os reclamantes também afirmaram que a comida, muitas vezes, "azedava", por ficar muito tempo fora de um ambiente adequado para sua conservação.

Para o relator, os depoimentos compõem um cenário abjeto. "Não nos indignamos ao vermos seres humanos alimentando-se feito bichos, na rua, junto a toda sorte de detritos. Somos capazes até de pensar ser ‘aprazível’ almoçar naquelas condições. Aceitamos passivamente que trabalhadores, pais e mães de família, façam suas necessidades fisiológicas no mato", ponderou. "Nenhuma atividade laboral, por mais específica que seja a sua natureza, justifica essa desumanidade", frisou.

De acordo com Salomão, se o Poder Judiciário concordar com essa conduta, estará avalizando a institucionalização do trabalho degradante, uma das formas da chamada escravidão contemporânea, que reduz o homem a uma "coisa’’. O juiz também embasou seu ponto de vista na Norma Regulamentadora nº 24 do Ministério do Trabalho e Emprego e em julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Salomão arbitrou o valor da indenização em 50 remunerações recebidas pela trabalhadora. Entretanto, o desembargador Gilberto Souza dos Santos observou que a empresa possui diversas ações neste mesmo sentido e que o Ministério Público do Trabalho pode, eventualmente, pleitear indenização por danos coletivos. O magistrado também observou valores aplicados pelo TRT-4 em ações semelhantes e optou por fixar em R$ 10 mil o valor, no que foi acompanhado pelo desembargador Ricardo Carvalho Fraga. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-4.

Clique aqui para ler o acórdão.

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