Requerimento de parlamentar

Pedidos escritos de informação precisam de parâmetros

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26 de maio de 2014, 15h38

Os requerimentos de informação de autoria de deputados e senadores são uma constante no dia a dia da Administração Pública Federal, sobretudo dos ministérios. Ao ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por exemplo, foram dirigidos cerca de 40 pedidos no ano de 2013, tratando de questões as mais diversas, e, em especial, acerca de contratos firmados com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) — empresa pública vinculada àquela pasta — a exemplo dos tão comentados empréstimos concedidos a sociedades empresárias do Grupo OGX e ao Estado cubano.

A despeito de bastante utilizado pelo Parlamento, trata-se de instrumento pouco explorado doutrinária e jurisprundencialmente, máxime no que tange a seus limites e conformação. Vale dizer, ainda pairam muitas dúvidas relativamente àquilo que pode ou não ser veiculado num pedido de informação e, por consequência, àquilo que deve ou não ser prestado em resposta ao requerimento. Diante disso, nas próximas linhas se propõe alguns critérios para delimitação desta competência.

O Poder Legislativo exerce duas funções típicas de igual dignidade: a edição de leis e outros atos normativos primários, que inovam a ordem jurídica (função legiferante) e a fiscalização dos atos praticados pelo Executivo (função fiscalizatória).

Quando se cogita da função fiscalizatória do Legislativo, é comum identificá-la com a constituição de Comissão Parlamentares de Inquérito (CPI) para investigar determinados fatos de interesse social. Entretanto, referida função não é exercida unicamente mediante a formação de uma CPI. Antes, a Constituição Federal consigna instrumentos outros para realizar este mister, tais quais a convocação de ministros de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado e os pedidos escritos de informações a ministros de Estado ou a qualquer das autoridades mencionadas.

Os pedidos escritos de informações são previstos no artigo 50, parágrafo 2º, da Constituição Federal, verbis:

Art. 20 (…)

§ 2º – As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não – atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 2, de 1994).

Comentando o dispositivo, Uadi Lammêgo Bulos assenta:

Os pedidos escritos de informação constituem uma novidade trazida pela Carta de 1988. Agora deputados e senadores poderão pedir, por escrito, que ministros de Estado, bem como titulares de órgãos da Presidência da República, lhes forneçam informações sobre assunto determinado, nos estritos limites de suas pastas.

É importante perceber que o pedido será feito por intermédio da Mesa a que pertencer o parlamentar. Procura-se, assim, controlar o teor das perguntas endereçadas à autoridade.[1] (…) (g/n).

O delineamento inicial desta competência parlamentar é conferido pelos próprios dispositivos que regulamentam o artigo constitucional citado, a saber, o artigo 216 do Regimento Interno do Senado Federal e os artigos 115, I, e 116 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Em essência, tais disposições exigem que os pedidos de informação observem os seguintes requisitos: a) formais — observância do procedimento adequado e necessidade de o pedido ser aprovado pela Mesa da Casa respectiva; b) materiais — os requerimentos de informação devem se referir a ato ou fato da área de competência do Ministério, incluídos os órgãos ou entidades sob sua supervisão; devem estar relacionados a matéria legislativa em trâmite (objeto de proposta de emenda à Constituição, de projeto de lei, de decreto legislativo ou de medida provisória em fase de apreciação), ou qualquer assunto submetido à apreciação do Congresso Nacional; sujeita a seu controle (fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; atos de gestão do Poder Executivo; atos de autoridades que importem em crime de responsabilidade, etc.) ou pertinente às suas atribuições.

Desse modo, não seria cabível, exempli gratia, que um deputado federal enviasse requerimento de informação a ministro de Estado, sem que antes fosse este submetido ao crivo da Mesa da Câmara, ou que um Senador requeresse informações relativas a assuntos alheios às atribuições do Senado. Este é o contorno regulamentar dos pedidos escritos de informação, que deverá ser sempre observado. Visto isso, cumpre apresentar outras limitações a estes pedidos de informação.

Conforme exposto, quando o parlamentar solicita informações, ele o faz não na condição de cidadão, e sim na de membro do Poder Legislativo, no desempenho de uma atribuição constitucionalmente outorgada e presumidamente ao escopo de resguardar o interesse público. Assim, é intuitivo que toda informação de interesse coletivo e geral que pode ser obtida por um particular, com maior razão possa ser veiculada num pedido de informação de autoria de deputado ou senador. É dizer, as informações que o particular obtém junto ao Estado, no exercício do direito previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF e regulamentado pela Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI), também poderão ser obtidas pelos parlamentares mediante o pedido de informação. Este seria o piso da competência do artigo 50, parágrafo 2º, da CF.

Por outro lado, esta competência também possui um limite máximo. Com efeito, não seria apropriado endossar que, por intermédio dos pedidos escritos, deputados e senadores tivessem acesso a toda espécie de informação sigilosa. Nessa linha, mediante uma interpretação sistemática do artigo 50, parágrafo 2º com o artigo 58, parágrafo 3º, da CF, sob a luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há de se concluir que os dados que apenas podem ser obtidos por intermédio de uma CPI não podem ser veiculados em pedidos escritos de informação. Afinal, no seio do Congresso, apenas as CPI devidamente constituídas detêm poderes de investigação (ou melhor, instrutórios) próprios das autoridades judiciais, e não qualquer outra comissão, órgão ou parlamentar.

Como cediço, a Suprema Corte esposa a linha de que inexistem direitos e garantias fundamentais de caráter absoluto, de sorte que, no que interessa à presente temática, já admitiu a possibilidade de a CPI quebrar sigilo fiscal, bancário e telefônico[2]. Nada obstante, estabeleceu a obrigatoriedade de idônea motivação e de demonstração concreta da necessidade de proceder a tais medidas[3].

Ora, se para as CPI — que, nos próprios termos da Constituição, detêm poderes investigativos próprios de autoridade judicial e são constituídas para investigar fatos determinados — faz-se necessária uma motivação idônea e específica para adoção das aludidas medidas restritivas, não se afigura razoável admitir que os pedidos escritos dos parlamentares solicitem informações cujo fornecimento importe na quebra de sigilo fiscal, bancário ou telefônico.

Aliás, reforça esta conclusão a própria inexistência de dispositivo legal ou constitucional específico que faculte a tomada destas medidas por deputados ou senadores, argumento que, inclusive, já foi utilizado pelo STF para negar a quebra de sigilo bancário por parte do Ministério Público[4].

Isso não significa, porém, que os parlamentares só poderão ter acesso a este tipo de informação acaso constituam uma CPI e justifiquem a adoção da medida. É que tais dados também poderão ser obtidos pela via judicial. Logo, ao menos lhes restam duas opções: constituir a CPI ou pleitear a quebra em juízo.

Destarte, verifica-se haver dois parâmetros para a competência do artigo 50, parágrafo 2º: a) toda informação de interesse público que o particular pode obter via LAI, o parlamentar também pode no uso da referida competência; b) aquelas informações que não podem ser obtidas por uma CPI ou que, no âmbito do Congresso Nacional, só podem ser por ela obtidas, não podem ser requeridas pelos parlamentares com fulcro na competência em apreço. Sucede que tais vetores, em dadas circunstâncias, podem se revelar insuficientes, razão pela qual é necessário estabelecer outro critério acerca do que pode ser requerido/prestado no bojo do pedido escrito de informação.

Para estas situações, em que impera uma maior dúvida e insegurança, seria vã a tentativa de se estabelecer qualquer critério fixo de delimitação de competência. A senda mais recomendada é o da análise casuística, a recair sobre os interesses em jogo, à luz dos postulados normativos da unidade, harmonia e correção funcional[5], bem como do princípio da proporcionalidade.

Pelo postulado da unidade, inexiste hierarquia entre as normas da Constituição, tampouco nela há antinomias ou contradições verdadeiras, de modo que a intepretação constitucional deve preservar a unidade sistêmica. Por seu turno, o postulado da harmonia ou concordância prática, que daquele decorre, informa que a exegese em torno da Constituição deve conduzir a uma harmonização entre os diversos bens jurídicos que, in concreto, concorram entre si. Busca-se, pois, conciliar os programas normativos de disposições constitucionais que se entrechocam[6]. Pelo postulado da correção funcional ou justeza, a interpretação da Constituição não pode conduzir à subversão do esquema organizatório-funcional delimitado pelo constituinte. Em outras palavras, não se pode deturpar a repartição constitucional de competências entre os entes federados ou entre os poderes constituídos. Enfim, o princípio da proporcionalidade aduz a necessidade de otimizar as normas constitucionais em confronto, segundo a importância que cada uma delas apresenta no caso concreto[7].

Ademais, a norma que dimana do artigo 50, parágrafo 2º, da CF ostenta um caráter principiológico, uma vez que contempla uma relação entre os Poderes e prevê conceitos jurídicos relativamente indeterminados (O que é informação? A que tipo de informação o artigo se refere? O que significa não-atendimento para fins de configuração do crime de responsabilidade? ). Como tal, e na esteira dos referidos postulados, no caso concreto pode ceder a outras normas e valores de matriz constitucional, quer no intuito de que o sentido e alcance a ser conferido ao termo “informação” seja restringido, quer especialmente ao fito de que consequência jurídica (“crime de responsabilidade”) da recusa na prestação das informações solicitadas seja mitigada.

Um exemplo ajuda a esclarecer: será que um parlamentar poderia solicitar, via requerimento de informação, o acesso irrestrito aos autos de um processo administrativo que contivesse dados empresarias relativos à sua técnica de produção (know-how técnico)? Numa situação corriqueira, entende-se que não. E o caso o fizesse, a negativa de fornecimento do quanto solicitado não implicaria em crime de responsabilidade. Isto porque estas informações representam segredo industrial e comercial, que possuem matriz no direito constitucional à privacidade[8] (artigo 5º, inciso X, da CF), tal qual o sigilo fiscal, telefônico e bancário.

Ainda sobre este ponto, consoante se registrou acima, quando o parlamentar solicita informações, ele o faz na condição de membro do Legislativo, e não na de cidadão. Assim, as restrições de acesso à informação constantes da LAI, em linha de princípio, evidentemente não podem ser invocadas em face do parlamentar. Entretanto, quando algumas destas restrições reverberarem o conteúdo jurídico de normas constitucionais, eventualmente poderão obstar a ciência de alguns dados pelos parlamentares.

Seria o caso de o parlamentar solicitar informações que digam respeito a matéria alheia a suas atribuições e sujeita à pura reserva de administração. Tal proceder iria de encontro ao princípio da separação dos poderes (artigo 2º da CF), de maneira que a não prestação tampouco acarretaria crime de responsabilidade. Seria, também, a de um deputado ou senador requerer informações cuja divulgação pudesse prejudicar o Estado nas suas relações internacionais ou sua segurança, hipótese em que o princípio da soberania e da segurança do Estado poderiam ser invocados para recusar o acesso aos dados pertinentes (art. 1º, I c/c art. 5º, XXXIII, da CF).

Repise-se, finalmente, que não se está sustentando a impossibilidade de o parlamento ter acesso a este tipo de informação, porquanto isto soaria temerário num governo republicano e num regime democrático. Em verdade, o que se assevera é que, muita vez, os requerimentos de informação não serão a via adequada para tanto.

Os pedidos escritos de informações são um importante instrumento de exercício da competência fiscalizatória do Legislativo. A utilidade do instrumento, porém, não pode ser superestimada a ponto de permitir o acesso irrestrito dos parlamentares a informações resguardadas por regras, princípios ou valores constitucionais. Dessa sorte, o estabelecimento de parâmetros ao uso desta competência se revela imprescindível, tanto para o parlamento, quanto para a Administração Pública. Possam os critérios aqui declinados contribuírem para uma maior reflexão e estudo mais aprofundado acerca da temática.


[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 730.

[2] Dentre tantos julgados, conferir o paradigmático MS 23452, Rel. Celso de Mello, DJ de 12 de maio de 2005.

[3] Por todos, conferir MS 25.688, Rel. Celso de Mello, DJ 04 de agosto 2006.

[4] CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C.F., art. 129, VIII. I. – A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa. II. – R.E. não conhecido (RE 215301 / CE – CEARÁ, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJ de 28 de junho de 1999).

[5] A propósito destes princípios de interpretação constitucional, conferir CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra, p. 226 e ss.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6ª ed. p. 109.

[7] Idem, p. 110.

[8] A propósito do direito à privacidade, oportuna o escólio de Ferraz Jr. no sentido de que é “um direito subjetivo fundamental, cujo titular é toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão […]” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p 77.)

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