Perseguição política

Órgãos da administração indireta não podem demitir sem motivo, decide TRT-4

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25 de maio de 2014, 6h03

Os órgãos que se sujeitam ao regime jurídico da Administração Pública indireta também preenchem seus cargos por meio de concurso público. Logo, só podem demitir de forma motivada, dando amplo direito de defesa ao funcionário. Afinal, a motivação da dispensa tem o nítido propósito de moralizar o serviço público, a fim de impedir que se efetivem contratações de interesse pessoal em detrimento dos concursados.

O entendimento, já firmado na jurisprudência, levou a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região a confirmar sentença que derrubou a demissão de um agente de agricultura que trabalhou por quase 30 anos nas Ascar-Emater no interior do Rio Grande do Sul. Com base nos autos e em depoimentos, o colegiado se convenceu de que a dispensa se deu por motivos políticos-partidários, já que o autor pertencia a partido diferente do da presidente da instituição.

O relator dos recursos, desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, disse que a despedida sem justa causa, mesmo quando revertida judicialmente, como occorreu no caso, não é razão suficiente para ensejar o pagamento de dano moral. No entanto, a forma como a empresa demitiu o reclamante, sem lhe dar nenhuma explicação, depois de longos anos de trabalho, caracteriza dano moral.

‘‘Ademais, conforme consta petição do reclamante juntada à fl. 285, houve a reintegração em 06-02-2013 para, logo após, em 12-08-2013, ocorrer nova despedida, afrontando a determinação judicial. A atitude da reclamada teve, por óbvio, a intenção de frustrar a exigibilidade das astreintes arbitradas, conforme mencionou o reclamante’’, escreveu o relator em seu voto. O colegiado fixou o quantum indenizatório em R$ 200 mil, por entender mais adequado do que os R$ 300 mil arbitrados na vara de origem. O acórdão foi lavrado na sessão de 8 de maio.

O caso
O autor contou à Justiça que, após 28 anos de trabalho, no cargo de agente de agricultura, foi sumariamente demitido da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Ascar). Na raiz de sua demissão, ocorrida em agosto de 2010, está a perseguição política exercida pela ex-presidente da Emater-RS no governo Yeda Crusius, Águeda Mezomo, filiada ao PSDB.

Conforme depoimentos registrados na ata da audiência ocorrida no dia 5 de dezembro de 2012 na 1ª Vara do Trabalho de Erechim, Águeda pediu a retirada da propaganda eleitoral das chácaras do sogro e do cunhado do autor-reclamante. O candidato que ambos apoiavam, do PTB, concorria com o marido de Águeda, candidato a uma vaga de deputado estadual pelo PSDB.

Mesmo após se comprometer a apoiar o marido de Águeda e a retirar a propaganda eleitoral, o autor foi demitido de forma abrupta, sem nenhuma explicação por parte da instituição. Aliás, no dia de sua demissão, dia 13 de agosto de 2010, uma sexta-feira, trabalhou normalmente. Só foi informado da sua dispensa na segunda-feira seguinte. Desnorteado, entrou em depressão. Pediu reintegração ao posto e pagamento de indenização, atribuindo à causa o valor de R$ 500 mil.

Sentença
A juíza do Trabalho Valdete Souto Severo escreveu na sentença que a Constituição, em seu artigo 7º, inciso I, protege todos os trabalhadores brasileiros “contra despedida arbitrária ou sem justa causa”. Por isso, sequer precisaria existir norma infraconstitucional sublinhando a necessidade de motivação nas hipóteses em que há gestão de dinheiro público. Assim, no caso concreto, o fato da direção da Emater-Ascar se negar a informar o motivo da dispensa, por si só, já torna o ato nulo.

Por outro lado, destacou a juíza, ostentar a condição associação civil com personalidade jurídica de Direito Privado, sem pertencer diretamente à Administração Pública, não afasta a aplicação da Constituição. ‘‘É por isso que o artigo 93 do texto constitucional estabelece que todos os atos judiciais e administrativos devem ser motivados. A transparência é, pois, da essência da atividade pública, seja ela realizada diretamente ou por intermédio de pessoas jurídicas criadas para tal finalidade, como no caso vertente.’’

A julgadora observou que a Emater não trouxe aos autos o conteúdo integral do processo administrativo em relação à emprega Águeda Mezomo, a fim de que este pudesse apurar se houve ou não perseguição política contra funcionários subordinados. Com essa omissão, teria se tornado confessa quanto ao fato de que houve, sim, perseguição política. As duas testemunhas apresentadas em juízo confirmam esta percepção.

‘‘Há, pois, prova cabal de que a despedida se deu em razão de orientação política, sendo nula, portanto, também em face do que dispõe a Lei 9.029/95, que veda qualquer espécie de discriminação na hora da admissão ou da saída do emprego, explicitando o que já decorre do texto constitucional (art. 5º., VIII – ‘ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política’). O reclamante foi privado do seu direito ao emprego, direito fundamental contemplado nos artigos 6º. e 7º. da Constituição’’, complementou na sentença.

Em função da arbitrariedade, a titular da 1ª Vara do Trabalho de Erechim reconheceu a ocorrência de ofensa à honra do reclamante, pela prática de ato abusivo, destituído de boa-fé objetiva, nos termos do artigo 187 do Código Civil. Assim, em atenção ao disposto no artigo 927 do mesmo Código, condenou o empregador a pagar indenização por dano moral no valor de R$ 300 mil. A sentença determinou, ainda, reintegração do autor ao emprego, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso no cumprimento da obrigação, bem como condenou o empregador a pagar os salários do período em que esteve irregularmente afastado.

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