Doméstica atacada

Dever de pagar indenização por agressão é de grupo, não de indivíduos

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25 de maio de 2014, 6h29

Se o credor tiver recebido o pagamento da dívida de forma parcial, os demais devedores continuam obrigados solidariamente a quitar o restante. Com base nesse entendimento, previsto no artigo 275 da Lei do Código Civil (10.406/2002), a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou cinco jovens ao pagamento solidário de R$ 501,7 mil, por danos morais e materiais causados a uma empregada doméstica. Em 2007, enquanto esperava pelo ônibus para voltar para casa, ainda de madrugada, ela foi agredida e roubada. De acordo com o processo, os acusados disseram tê-la confundido com uma prostituta. O julgamento aconteceu na última quarta-feira (21/5).

No único reparo feito à sentença, o desembargador Fernando Foch, relator do acórdão, determinou que os réus, por terem responsabilidade solidária no dano, também são devedores da integralidade das indenizações. Se inicialmente cada réu foi condenado a pagar um quinto do valor indenizatório, pela decisão colegiada, a autora poderá exigir a soma total de alguns ou de cada um dos condenados.

Sequelas da agressão
Às 4h30 da madrugada de sábado, dia 23 de junho de 2007, a doméstica aguardava o ônibus, em frente ao condomínio em que trabalhava, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, para voltar à sua casa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Até que cinco jovens, vindos de uma festa, saíram do carro e começaram a xingá-la e espancá-la. Com a chegada de outras pessoas, fugiram, levando sua bolsa.

À Polícia, o proprietário do carro onde os agressores estavam confessou o crime e contou que ao ver a doméstica no ponto de ônibus, ele e seus parceiros julgaram tratar-se de uma prostituta. Por conta do episódio em si, mas também por essa declaração, o caso obteve ampla repercussão nacional.

Ele estava acompanhado de outros quatro jovens, com idades entre 19 e 21 anos. Todos foram condenados a penas que variaram de sete a oito anos, alguns em regime fechado, outros, em semiaberto. Mas o motorista do automóvel nunca foi preso. Foragido, obteve um Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça. O benefício foi estendido aos demais rapazes, que chegaram a cumprir dois anos.

A doméstica ajuizou ação na 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca, pedindo a condenação dos cinco a indenizá-la por danos morais e materiais. A juíza Flavia de Almeida Viveiros de Castro bloqueou os bens dos acusados e fixou a indenização por dano moral em R$ 100 mil para cada réu. Além disso, condenou-os a ressarcir a doméstica pelos R$ 1.722 gastos com tratamento médico. Uma perícia médica constatou sua incapacidade física por 30 dias, em decorrência da limitação funcional na mão e punho direitos, que a impediu de praticar “atividades nas quais haja demanda de esforços de membro superior direito, tais como a profissão de empregada doméstica”.

Os réus apelaram com vários argumentos. Entre ele o de que a vítima concorreu para a sequela porque não seguiu à risca o tratamento das lesões físicas. Um deles afirmou que não a agrediu fisicamente. Todos alegaram que a indenização por dano moral estava exagerada.

Em suas apelações, dois acusados argumentaram que a sentença desconheceu o fato de que são estudantes “desprovidos de recursos financeiros”. O último sustentou que a vítima, além de já receber benefício previdenciário, não teria sofrido “lesões psicopatológicas”.

A autora apresentou contrarrazões destacando que o valor da indenização era condizente com a repercussão dos fatos e o sofrimento e humilhação que lhe foram impostos, além da dor física e o grau de incapacitação cuja extensão ainda é desconhecida. Observou, ainda, que os réus não economizaram no pagamento de honorários a seus advogados.

Voto
Para o relator, afirmar que o dano moral não existiu ou não foi tão grave porque a autora, supostamente, não sofreu danos psicopatológicos, “é pretender reduzir a quase nada o princípio da ampla indenização do prejuízo extrapatrimonial pela via do desrespeito a qualquer mediana inteligência, nem se diga ao que de mais básico possa haver de consciência jurídica”.

“É até intuitivo concluir que o sofrimento moral e físico imposto à vítima, mais fraca, até por estar só e pela surpresa, exposta à sanha avassaladora dos agressores, mais fortes até pelo número e pelo preordenado intuito de julgar mulheres indefesas na madrugada e, se foram rameiras, lhes aplicar o corretivo que merecem: humilhação, medo, pilhagem”, pontua.

Segundo Foch, os cinco réus estavam atuando “em comum desígnio de malferir a integridade física e moral da autora e de outras mulheres, simplesmente porque em sua concepção, eram todas prostitutas”. Consequentemente, diz, não é determinante “se um ou outro réu deferiu este ou aquele golpe físico”. Mencionando o entendimento penal, salienta que o terceiro réu, que sustentou não ter participado das agressões, “é tão responsável pelos danos causados à autora quanto os demais litisconsortes”. Para o desembargador, o caso ilustra “mais um afloramento de fenômeno social extremamente grave, qual seja, essa conjugação de preconceito, barbárie e banalização do mal”.

Clique aqui para ler o acórdão [o número correto do processo é 012140-41.2008.8.19.0209]

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