Bronca em sentença

TRT-17 instaura processo contra juiz que citou “preguiça” de advogada

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22 de maio de 2014, 20h16

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região instaurou processo administrativo disciplinar (PAD) contra o juiz Ricardo Menezes Silva, acusado de ofender a advogada Maria Madalena Selvatici Baltazar em uma sentença. A representação foi feita pela Ordem dos Advogados do Brasil do Espírito Santo.

Ao avaliar o caso de uma técnica de enfermagem que cobrava verbas trabalhistas, o juiz Ricardo Menezes Silva usou a própria sentença para criticar a falta de informações sobre um dissídio coletivo citado na petição inicial. Nos autos do processo, a trabalhadora pedia reajuste salarial de 10% com base em decisão favorável à categoria e afirmava que o teor do dissídio poderia “ser observado pelo juízo no site", no processo 008100.28.28.2012.5.17.000.

“Desculpe-me, mas a preguiça é invencível e contagiante. Se a advogada da reclamante não tem ânimo de exibir o indispensável documento, nem se digna de indicar, ou transcrever, a cláusula do tal dissídio que respalda a pretensão de reajustamento salarial, não compete ao juízo suprir a negligência da mandatária. A propósito, o magistrado não pode usurpar poderes e/ou deveres inerentes ao mandato concedido à advocacia, dentre as quais se inclui a atitude de municiar as pretensões com substanciosas causas de pedir acompanhadas da documentação apropriada”, declarou Silva na decisão, assinada em 17 de fevereiro..

O entendimento da Ordem é que houve violação do dever de urbanidade previsto no Estatuto da OAB e na Lei Orgânica da Magistratura, sendo necessária a aplicação das sanções devidas. Na representação, a OAB-ES apontou violação do dever de tratar com urbanidade as partes, conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura.

Para o presidente da seccional, Homero Junger Mafra, o ato da Ordem não foi corporativo em razão de uma crítica. “O que a advocacia não admite é a grosseria, é a ofensa, é a falta de educação, é a violação do dever de urbanidade que deve existir reciprocamente entre advogados e magistrados. Este caso extrapola a uma simples crítica, ele passa a ser um ataque despropositado”, disse.

Em sua sustentação oral, Mafra citou a revista eletrônica Consultor Jurídico, que noticiou o caso, tendo o  juiz Ricardo Menezes Silva, comentado, no próprio site, que "o advogado só será efetivamente indispensável à administração da Justiça quando defender seu cliente valendo-se da técnica processual".

Leia a íntegra da sustentação oral do presidente da OAB-ES, Homero Junger Mafra

Eminente Presidente, eminentes desembargadores que compõem este Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal no qual eu falo, mesmo não sendo advogado trabalhista e sem o menor medo de errar, que as relações entre magistrados e advogados são as mais corteses entre todo o Judiciário. Mas falo aqui em nome da advocacia ultrajada. Falo em nome da advocacia ofendida por um gesto descortês de um magistrado célebre entre todos, porque isso é notório, por seus atos de descortesia, advogados e as partes.

Trago para julgamento deste Egrégio Tribunal uma questão, o dever de cortesia. A LOMAN, quando estabelece que o juiz deve tratar com urbanidade as partes, está recepcionada hoje ou não? O texto da advocacia está ou não em vigor quando diz que nós devemos tratar os magistrados com urbanidade, mas também devemos igualmente receber deles o apreço?

Não está em jogo aqui, se o gesto da advogada foi correto ou incorreto, não está em jogo a prestação jurisdicional ou o conteúdo dela, o que está em jogo foi a forma de manifestação do juiz representado, que, diga-se de passagem, não o conheço.

O que ele diz. Ora, a advogada indica um link onde estaria determinada prova. Poderia o magistrado dizer que não cabe a ele suprir a inércia da parte, poderia o magistrado dizer simplesmente que não cabe a ele perquirir – e aí eu concordaria com ele, porque acredito, pelo menos em matéria penal, no princípio da verdade real, buscar a prova -, mas ele não poderia dizer nunca “desculpem-me, mas a preguiça é invencível e contagiante”. Ora, isso fere qualquer liame de cordialidade, isso fere aquele trato que nós nos acostumamos a ter entre advogados e juízes. Nós temos os nossos embates, mas eles não ultrapassam as fronteiras da cordialidade.

Essas fronteiras não podem ser ultrapassadas e me parece que, se esta é a primeira representação da Ordem, essa não é a primeira vez que os advogados vocacionam o seu desconforto com atos praticados pelo juiz representado. Tanto assim o é que, recentemente, a advocacia da Subseção de Castelo, mais precisamente de Venda Nova, trouxe, e eu estava presente à audiência neste Tribunal, uma reclamação firmada por vários advogados contra o mesmo magistrado representado. Magistrado que não tem nome para nós, não há nada de pessoal nisso, mas um magistrado não pode dizer, sem merecer a censura imediata da Ordem dos Advogados, dirigindo-se a uma advogada ou um advogado, e não estou falando de uma diretora da Ordem, estou falando de uma advogada trabalhista conhecida, respeitada por Vossas Excelências, não poderia dizer nunca “a preguiça é invejável e contagiante. Se a advogada da reclamante não tem ânimo de exibir o indispensável documento, nem se digna de indicar, ou transcrever, a cláusula do tal dissídio que respalda a pretensão de reajustamento salarial, não compete ao juízo suprir a negligência da mandatária.” Foi mais o mandatário, taxa de negligente, o que é isso? Bastaria dizer que à míngua de elementos rejeita aquele pedido, não precisaria ofender a advogada e, ofendendo a advogada, tachando-a de negligente, tachando-a de preguiçosa e dizendo que a “preguiça é invencível e contagiante” ofender toda a advocacia. Não precisaria isso.O magistrado é culto, os próprios advogados muitas vezes por ele aviltados reconhecem a cultura do magistrado, mas reconhecem também que os limites da cordialidade para ele não são postos, as correias da cordialidade não lhe prendem, isso os advogados reconhecem e proclamam.

Não move a Ordem nenhum sentimento pessoal, mas move a Ordem o sentimento de indignação cívica diante de um ato absolutamente despropositado, e mais, desproporcional. Se nós falamos tanto em razoabilidade, como podemos admitir ser razoável que fique no esquecimento, no ouvido, a afirmativa que o advogado foi negligente, que a “preguiça é invencível e contagiante”.

E mais, disse o magistrado em sua defesa que o fato foi tornado público, que a matéria chegou à imprensa, com publicação veiculada no jornal A Tribunal e que a matéria também foi noticiada no Conjur. No Conjur o magistrado diz que foram várias exteriorizações e, rapidamente, como ele fala na defesa que apresenta que no Conjur existiam manifestações favoráveis a seu ato, quero dizer que o mesmo magistrado que diz que foi dada publicidade ao ato é o primeiro a comentar a notícia no Conjur, Dr. Ricardo Menezes Silva, juiz do trabalho da 1ª Instância, e diz que “o advogado só será efetivamente indispensável à administração da justiça quando defender seu cliente valendo-se da técnica processual”, ou mais, ele foge do debate da sentença e incursiona num comentário lateral.

Me perdoe se existe outro Ricardo Menezes Silva juiz do trabalho de 1ª Instância, se for um homônimo eu peço desculpas, mas me parece que não é. “Com efeito, quem dirige o processo deve empreender conduta pedagógica. Se o advogado foi desidioso, o juiz pode, se quiser, apontar o fato culposo, até para que a parte que teve o pedido rejeitado saiba o motivo do insucesso e, principalmente, que o culpado não é o Poder Judiciário. O resto é vitimização e vontade de voltar à cena midiática”. A Ordem não quer voltar à cena midiática, a advocacia não quer voltar à cena midiática, mas a advocacia não suporta mais as bofetadas dadas por atos grosseiros e deselegantes, como os são, via de regra, do magistrado aqui representado.

Espera a Ordem que este Egrégio Tribunal não faça tábula rasa do princípio que tanto nos une, que tanto nos gratifica e que tanto nos engrandece, que é o do respeito e da cordialidade entre as partes.

Espera a Ordem dos Advogados, espera por ser de direito, seja instaurado o processo disciplinar, e que o homem, senhor de seus atos, arque também com as consequências dele, e que este Tribunal diga claramente que um juiz não pode sair insultando advogados em suas sentenças e decisões.

Eminente Presidente, eminentes desembargadores, peço desculpa por ter me exaltado em algum momento, mas falo pela advocacia, e falando pela advocacia não posso falar de outra forma quando fomos todos advogados brutalmente atingidos.

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