Natureza alimentar

Salário pode ser penhorado para pagar honorário advocatívio

Autores

  • Estefânia Viveiros

    é advogada mestre pela Universidade Mackenzie (SP) e doutora em Direito Processual Civil pela PUC-SP; Presidente da Comissão Especial de Estudo do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil do Conselho Federal da OAB.

  • Luiz Henrique Volpe Camargo

    é doutor e mestre pela PUC-SP advogado e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Foi membro das comissões de revisão no Senado e na Câmara dos Deputados do projeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015.

22 de maio de 2014, 6h03

Diante do grande número de recursos versando sobre matérias idênticas que ao longo dos anos vêm abastecendo um estoque invencível de processos no Superior Tribunal de Justiça, bem assim em vista da discrepância de respostas judiciárias que os múltiplos julgamentos, por diferentes órgãos, sobre as mesmas questões usualmente geraram ao longo de tempo, o Poder Legislativo aprovou a Lei 11.272, de 08 de maio de 2008 que introduziu o artigo 543-C no Código de Processo Civil para disciplinar o processamento dos chamados “recursos especiais repetitivos”, o que, ao depois, diante da autorização do parágrafo 9º do mesmo artigo, foi regulamentado pelo STJ, por meio da Resolução 8, de 2008.

O resultado de um julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça pelo rito do artigo 543-C gera um precedente forte, isto é, um precedente que embora não tenha efeito vinculante efetivo, ostenta efeito persuasivo em grau máximo[i], que emana do procedimento especial de sua formação; da posição, do prestígio e da missão institucional do Superior Tribunal de Justiça; bem assim da necessidade de tratamento igualitário perante a lei (art. 5º, II, da CF), isto é, de que casos iguais recebam iguais soluções jurídicas.

Pois bem, em 7 de maio de 2014, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.152.218/RS, processado na forma do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/2008, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão da “classificação do crédito relativo a honorários advocatícios”.

A partir de erudito voto condutor do ministro Luis Felipe Salomão, que levou em consideração os fundamentos do recurso e a manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na condição de amicus curiae, em manifestação subscrita por seu presidente, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, o Superior Tribunal de Justiça, por maioria[ii], pacificou o entendimento de que os créditos de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar, assegurando, dentro do contexto da questão objeto do julgamento, o direito a prioridade de pagamento no processo falimentar até o limite de prioridade dos créditos trabalhistas, “na forma preconizada pelo artigo 83, I, da Lei de Recuperação Judicial e Falência.”

A fixação da premissa de que os créditos de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar levou, no caso concreto, à conclusão de que o advogado credor de honorários advocatícios tem direito à prioridade do pagamento no processo falimentar.

A importante premissa fixada, contudo, não leva, apenas, a essa conclusão.

Há, na verdade, diversos outros reflexos que decorrem deste histórico julgamento, situação que já foi antevista pela ilustre relator, ministro Luis Felipe Salomão, quando assentou na parte final de seu voto o seguinte: “realço a importância do precedente ora em debate, com o rito e efeito do recurso repetitivo (art. 543-C, CPC), pois uma vez afirmada a natureza alimentar dos honorários de advogado no âmbito do direito privado – caso acolhida a tese ora proposta -, é bem verdade que seus reflexos diretos e indiretos não se esgotam na classificação do crédito para efeito de falência ou recuperação. Evidentemente que o alcance do conceito – verba alimentar dos honorários, no campo cível – atinge outras esferas, tarefa de interpretação e aplicação que caberá à doutrina e jurisprudência.”

E o propósito deste singelo texto é contribuir com a investigação sugerida pelo eminente relator.

É fundamento determinante do precedente formado a partir do julgamento do Recurso Especial 1.152.218/RS que “Os honorários são a remuneração do advogado e – por isso – sua fonte de alimentos[iii]”.

Não é demais lembrar que os honorários são a fonte de subsistência de qualquer advogado. A título de exemplo, o advogado privado tem despesa com o imóvel onde está instalado seu escritório, tem despesas com telefone, água, luz, internet, impostos, locomoção, material de escritório, impressoras, computadores, aparelhos de fax, com o salário de secretárias, auxiliares administrativos, equipe de informática, com outros advogados colaboradores, enfim, com uma grande estrutura sem a qual é impossível exercer o ofício. Além de fazer frente a todas essas despesas, os honorários também são fonte de subsistência do advogado e de sua família. Sua vida se move a partir dos honorários que recebe. Em suma: os honorários são fonte alimentar de qualquer advogado.

Se os créditos de honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, tem natureza alimentar, significa então que, para a sua satisfação em processo de execução, é possível penhorar “os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal” do devedor.

Por outras palavras, se, em precedente que tem efeito panprocessual e na esteira do que está em vias de ser positivado no novo Código de Processo Civil[iv], o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela natureza alimentar dos honorários de advogado, significa então que a sua execução não está abrangida pelo regime da impenhorabilidade previsto no artigo 649, IV[v], do CPC, sendo, pois, o caso de aplicação da exceção contida no § 2º[vi] do art. 649 do CPC.

A origem do crédito alimentar é indiferente para a incidência da exceção contida no § 2º do artigo 649 do CPC. O que importa é a sua finalidade.

Esta questão já foi apreciada, sobre tal prisma, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 1.206.800/MG[vii], da relatoria do ministro Sidnei Beneti onde expressou que “não há razão para se perfilhar a tese de que existem dívidas alimentares que podem excepcionar ou regime da impenhorabilidade de vencimentos e outras, de mesma natureza, que não gozam de tal privilégio.”

Isso significa que as verbas a que se refere o artigo 649, IV, do CPC poderão ser, integralmente, penhoradas para satisfazer o crédito de honorários, contratuais ou sucumbenciais. É raciocínio que se funda, também, no princípio da efetividade da execução.

A permissão, de outro lado, deve ser vista sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, no sentido de resguardar o mínimo necessário à subsistência do devedor e de sua família. Assim, na esteira do que vem se admitindo para a penhora de faturamento de pessoa jurídica, parece adequado admitir a penhora de até 30% de qualquer das verbas a que se refere o artigo 649, IV, do CPC quando o devedor for pessoa física.

Eis aí, pois, em nossa ótica, uma das consequências do precedente formado no Recurso Especial 1.152.218/RS.


[i] É, por outras palavras, precedente dotado de efeito vinculante virtual, na feliz expressão cunhada pelo Min. Gilmar Mendes em voto no RE 363852 para os precedentes do STF em controle difuso de constitucionalidade que, mutatis mutandis, aplica-se aos precedentes do STJ no controle da interpretação das leis federais. (Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03-02-2010, DJe 22-04-2010)

[ii] 07/05/2014 (17:17hs) Proclamação Final de Julgamento: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti conhecendo do Recurso Especial e dando-lhe provimento no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Jorge Mussi, a retificação de voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima para acompanhar o voto do Sr. Ministro Relator, e o voto da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura acompanhando a divergência, a Corte Especial, por maioria, conheceu e deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Ari Pargendler, Gilson Dipp, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin e Napoleão Nunes Maia Filho. (https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200901563744&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea)

[iii] EREsp 706331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/02/2008, DJe 31/03/2008

[iv] As versões do projeto de novo CPC aprovadas no Senado Federal (art. 87, §10) e na Câmara dos Deputados (art. 85, §14) são idênticas quanto ao ponto: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”

[v] Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: (…) IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

[vi] Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: (…) IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (…) § 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

[vii] AgRg no REsp 1206800/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 28/02/2011

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