"Adequação argumentativa"

Juiz recua em manifestações sobre religiões africanas, mas mantém decisão

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21 de maio de 2014, 9h31

Em despacho publicado no início da noite desta terça-feira (20/5) pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, o juiz da 17ª Vara de Fazenda Federal, Eugênio Rosa de Araújo, voltou atrás e reviu os fundamentos da decisão na qual escreveu que “manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem religião”. Ao admitir o erro, o juiz disse que “o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”.

Bastante criticado por associações religiosas, inclusive cristãs, pelas alegações contidas na decisão, Araújo mudou o tom. Declarou que está promovendo uma “adequação argumentativa para registrar a percepção deste Juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões”. De acordo com a decisão, assinada no dia 24 de abril, faltaria à umbanda e ao candomblé “traços necessários de uma religião”, como uma “estrutura hierárquica” e “um Deus a ser venerado”.

Em outro trecho do despacho, ao falar sobre religiões, o magistrado justifica que “suas liturgias, deidade e texto base são elementos que podem se cristalizar, de forma nem sempre homogênea”. Na decisão original, ele havia sustentado que, para ser considerada religião, uma doutrina tem que seguir um “texto-base”, como a Bíblia e o Alcorão, o que não acontecia, segundo ele, com as crenças de matrizes africanas.

A revisão de seu voto não altera, contudo, o teor da decisão, que negou o pedido, feito pelo Ministério Público Federal, para retirar do YouTube 15 vídeos considerados ofensivos às religiões afro-brasileiras. Na mesma nota, o juiz federal informa que manteve o indeferimento da liminar pela retirada dos vídeos no Google postados pela Igreja Universal e esclarece que sua decisão teve como fundamento a liberdade de expressão e de reunião.

"A decisão recorrida, ademais é provisória e, de fato, inexiste perigo de perecimento das crenças religiosas afro-brasileiras e a inexistência da fumaça do bom direito diz respeito à liberdade de expressão e não à liberdade de religião ou culto", concluiu.

A atitude do juiz federal foi elogiada, ainda que indiretamente, por uma colega. No Facebook, a juíza Andréa Pachá, ouvidora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, defendeu a revisão de decisões judiciais “quando se constata algum equívoco”.

“É bom saber que magistrados são permeáveis ao debate e conseguem voltar atrás quando percebem que erraram. Juízes erram, como erram todos os humanos. E, felizmente o sistema recursal existe para que decisões possam ser revistas por um colegiado”, escreveu ela na rede social.

Na véspera, o juiz Eugênio Rosa de Araújo havia recebido o apoio da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ajuferjes). Em nota, a entidade declarou que, “no desempenho da judicatura, mais que um seu direito, [ele] cumpre o dever de atuar de forma independente de afetos externos na formação de sua convicção de qual a solução justa para o caso”.

No último dia 9/5, o MPF interpôs um Agravo de Instrumento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região contra a decisão. No recurso, o procurador Jaime Mitropoulos argumenta que os vídeos divulgados na internet configuram casos de abuso de liberdade de expressão e caracterizam o “discurso do ódio”.

*Texto alterado às 20h21 do dia 21 de maio de 2014.

Clique aqui para ler o Agravo de Instrumento interposto pelo MPF.

Clique aqui para ler a decisão da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

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