Embargos Culturais

Eficiência econômica como indicativo de bom Direito

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

18 de maio de 2014, 8h00

Spacca
O jurista norte-americano Richard Posner revela em seus escritos uma percepção pragmática dos negócios sociais. Posner dá continuidade à rivalidade do pragmatismo para com o positivismo, fulminando as falsas aporias do positivismo lógico. Posner lança olhar pragmático para os problemas, defendendo experimentalismo nada ilusório, ciente das limitações humanas, conhecedor da dificuldade de tradução entre as culturas, que veda que se chegue até a verdade.

O pragmatismo de Posner suscitaria uma ética da pesquisa científica, orientada para resultados. Direito, religião e ciência se aproximariam, dado que vinculados pela incessante busca de fins práticos.

Eficiência, salvação e progresso seriam os êmulos dessa tríade cultural. Fins práticos devem caracterizar o Direito. De tal modo, para Posner, o Direito precisaria respeitar os fatos, aceitar as mudanças e reconhecer quando é falível e não factível. O Direito, para Posner, não é texto sagrado, é texto de prática social. Acho que tem razão. Chega de metafísica e de ilusionismo principiológico. Essa obstinação com abstrações – – marca de nosso Direito – – precisa de revisão. Somos escravos de fórmulas arcaicas, obsoletas; ainda acreditamos nos arranjos institucionais dos tempos pretéritos. Não ousamos. Nos limitamos a comentar os clássicos, com a desculpa de que os autores canônicos são os gigantes que não permitem a compreensão do mundo, do alto de seus ombros. Não passamos disso. Ainda não confundimos com o tema da tripartição dos poderes.

Verborrágico e muitas vezes preocupado com discussões efêmeras o Direito parece rondado por uma falsidade recorrente. Para Posner, a importância da toga, se não utilizada para realizar os objetivos econômicos da sociedade, reveste-se de um nada absoluto, e isso é muito mais do que mero oxímoro. Nas concepções dessa jurista norte-americano, decisão judicial adequada é justamente aquela que promove o bem-estar social e econômico.

Os primeiros adeptos do movimento direito e economia renunciaram o compromisso modernista para com uma lei fundamental, embora não tivessem renunciado totalmente a possibilidade de verdade jurídica universal, que imputavam à busca da eficiência econômica. Cogitou-se de um sujeito de direitos, identificado como um ator racional , de feição econômica, alguém que quer maximizar sua expectativa de utilidade, mas que poderia, no entanto, revelar preocupação com o bem estar alheio. Para Posner, o homem é um maximizador racional em relação a seus fins em vida.

Ferramentas conceituais são apropriadas da economia, que se prestaria também a orientar as reflexões jurídicas. A lei de oferta e da procura (the law of demand) poderia ter muitas aplicações no direito. Exemplifica-se com a questão da criminalidade e da penalidade resultante. A pena seria o preço que a sociedade cobra pelo cometimento de uma ofensa criminal. Quanto maior a pena, mais o criminoso seria encorajado a dirigir-se para outras formas de comportamento.

Os custos de oportunidade também promovem leitura econômica do Direito. Exemplificando, ao se quantificar uma indenização pela perda de uma criança, não se deve computar o quanto ela ganha ou ganharia de salários, pois era economicamente inativa e os ganhos futuros são imprevisíveis. Pode-se, no entanto, quantificar os valores que os pais teriam investido no menor. Busca-se critério de eficiência no julgamento, que os juízes deveriam perseguir. Apela-se para Ronald Coase, que minou o intervencionismo estatal típico dos anos sessentas, embora ele eventualmente tivesse admitido que pequena intervenção governamental poderia fazer o mercado funcionar. Se não conseguisse, deveria imitá-lo.

O Direito poderia compor modelo de regulamentação com o objetivo de corrigir as externalidades negativas. Essa percepção pode ser visível, por exemplo, em direito ambiental, que pode se orientar no sentido de propiciar a internalização das externalidades negativas, o que ambientalistas poderiam chamar como o princípio do poluidor pagador. Além disso, se os custos de transação fossem baixos, a intervenção do direito na vida negocial não teria grandes consequências na alocação de recursos. Negócios privados atingiriam excelentes resultados, não obstante as intervenções judiciais.

Exemplifico. A previsão contratual de intervenção do judiciário, para resolver controvérsias de um negócio, promove (se implementada) um tortuoso caminho, marcado pelos elevados custos com advogados, taxas judiciais, perícias, além, obviamente, da natural ansiedade que as demandas causam. Embora chamado para corrigir uma externalidade negocial, o direito não as internalizaria, prorrogando retórica de indecisão, acrescentando custos e mitigando ganhos. Esse conceito pode também ser evidenciado em temas de infortunística e de direito obrigacional.

Ao invés de perguntarmos quem causou determinado prejuízo devemos questionar como o modelo jurídico poderia minimizar os custos com o acidente. O Direito deve ser eficiente, e poderia se medir essa eficiência imaginária pela maximização da riqueza. Não é essa, no entanto, a fórmula que triunfa no discurso e na prática judicial brasileira. E isso, efetivamente, explica muita coisa.

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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