Processo Novo

Julgamento de ADI ou ADC não impede nova análise de lei

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

12 de maio de 2014, 8h00

Spacca
No último dia 7 de maio, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.976) ajuizada contra algumas das disposições da Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa). Tive a oportunidade de externar minha opinião a respeito da referida Lei em outro texto desta coluna. A orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal destoa da que antes eu defendi, neste espaço. Minha opinião restou vencida, portanto.

Isso, contudo, não vem ao caso, ao menos para os propósitos do que aqui pretendo tratar: Julgada improcedente ADI, ou procedente Ação Declaratória de Constitucionalidade, impede-se que, no futuro, venha a constitucionalidade de uma lei ser colocada em xeque? Ou, em se tratando da questão submetida ao exame do Supremo Tribunal Federal no julgamento referido, rejeitada a alegação de inconstitucionalidade da Lei Geral da Copa, pode o assunto voltar à tona, no futuro?

De acordo com os artigos 23, caput da Lei 9.868/1999, no julgamento de ADI ou de ADC “proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada”, o que levará à improcedência ou procedência da ação direta de inconstitucionalidade ou, mutatis mutandis, à procedência ou improcedência da ação declaratória de constitucionalidade (conforme artigo 24 da mesma lei).

Afirma-se, na jurisprudência do STF, que tais ações são substancialmente semelhantes e levariam a uma manifestação definitiva do Supremo a respeito da constitucionalidade de uma dada disposição.[1] Segundo esse modo de pensar, entende-se que “a delimitação do objeto da ação declaratória de constitucionalidade não se adstringe aos limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes da controvérsia judicial que o autor tem que demonstrar”.[2] Sob esse prisma, sustenta-se que “as ações diretas de inconstitucionalidade possuem causa petendi aberta. É dizer: ao julgar improcedentes ações dessa natureza, o Supremo Tribunal Federal afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados”.[3]

Pareceria ser possível dizer, diante disso, que a proclamação da constitucionalidade de uma norma pelo Supremo encerraria, para sempre, a controvérsia existente, a respeito. Não me parece, contudo, que seja assim.

Tenho defendido, no livro Constituição Federal Comentada,[4] que a decisão que “proclama” a constitucionalidade (seja julgando improcedente pedido em ação direta de inconstitucionalidade, seja julgando procedente pedido em ação declaratória de constitucionalidade) apenas rejeita o fundamento que poderia conduzir à inconstitucionalidade da norma.

Como é evidente, os ministros do STF — tal como, aliás, qualquer ser humano — não são oniscientes, e nem eles, nem qualquer jurista, teria condições de declarar, a priori, que inexiste qualquer outra razão que possa levar a que se considere inconstitucional uma determinada norma. Dizer, em tais casos, que “a norma X é constitucional”, não significa mais que dizer que “o fundamento Y não torna a norma X inconstitucional”.

Por tais razões, segundo penso, não tem o STF condições de afirmar “a integral constitucionalidade” de uma disposição, já que algum fundamento novo pode vir a ser suscitado no futuro — ou porque “descoberto” no sistema, ou porque o estado social e econômico, ou mesmo o sistema jurídico como um todo, sofreu alguma mudança.[5] No máximo, a sentença que afirma a constitucionalidade apenas rejeita determinado fundamento que poderia conduzir à inconstitucionalidade, e nada mais, sendo, todo o resto, a meu ver, uma ficção jurídica.


[1] “Para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo, há similitude substancial de objetos nas ações declaratória de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade. Enquanto a primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade a segunda traz pretensão negativa. Espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Tribunal quanto à conformação da norma com a Constituição Federal” (STF, Rcl 1.880-AgR, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 07.11.2002).
[2] STF, ADC 1, rel. Min. Moreira Alves, Pleno, j. 01.12.1993.
[3] STF, RE 431715-AgRg, 1.ª T., rel. Min. Carlos Britto, j. 19.04.2005.
[4] Atualmente na 3.ª edição (Editora Revista dos Tribunais, 2014).
[5] Aproximadamente nesse sentido, embora sob outro enfoque, confira-se o julgado a seguir: “Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. […]. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no ‘balançar de olhos’ entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. […]. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. […]. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993” (STF, Rcl 4374, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 18.04.2013).

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