Ação Civil Pública já garantia direitos raciais antes de nova lei
12 de maio de 2014, 7h58
Uma lei em vigor há 15 dias inclui a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos como objetos da Ação Civil Pública. Sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a nova regra ficou em discussão por cerca de dez anos na Câmara dos Deputados e foi baseada em projeto de lei apresentado em 1997 pelo ativista e então senador Abdias do Nascimento (PDT), morto em 2011. O texto serve mais como reforço do que como uma medida inédita, segundo procuradores da República ouvidos pela revista Consultor Jurídico.
A Lei 12.966/2014 fez uma mudança pontual na Lei 7.347/1985, que trata das ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística e a bens de valor artístico e histórico, por exemplo. Agora, os grupos raciais, étnicos e religiosos ganharam um dispositivo próprio na legislação.
Membros do Ministério Público Federal afirmam que o texto anterior já permitia a proteção desses grupos, porque o inciso IV — incluído em 1990 — previa o uso da Ação Civil Pública para proteger “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. O dispositivo funciona como uma cláusula aberta, diz o procurador Leonardo Andrade Macedo, da Procuradoria da República em Uberlândia. “[Também] não consta na lei expressamente, por exemplo, a proteção ao patrimônio público, mas, por se tratar de outro interesse coletivo, pode ser tutelado por meio da Ação Civil Pública”, afirma.
Macedo, que atuava até o início deste ano no Amazonas, diz ainda que a lei não fala no direito dos indígenas, mas ACPs já eram usadas como instrumento para garantir a proteção deles com base na Constituição e na Lei Complementar 75, sobre a organização do Ministério Público da União. “A violação aos direitos fundamentais não precisa estar registrada na lei, pois está na Constituição”, afirma a procuradora da República Nilce Cunha Rodrigues, do Ceará, autora de ação contra os Testemunhas de Jeová por suposta perseguição a quem deixa o grupo.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, Pedro Antonio Machado, também diz que não havia obstáculos na prática. No ano passado, a procuradoria conseguiu que a TV Bandeirantes fosse condenada em primeira instância após o apresentador José Luiz Datena ter relacionado crime bárbaro ao ateísmo. “Um sujeito que é ateu não tem limites, e é por isso que a gente vê esses crimes aí”, afirmou Datena durante programa transmitido em 2010. A 5ª Vara Federal Cível de São Paulo considerou que a liberdade de expressão não poderia se sobrepor à liberdade de crença e de convicção.
Embora não houvesse nenhum obstáculo na doutrina ou na jurisprudência, nenhum dos procuradores fez críticas à nova redação da Lei 7.347/1985, classificando a mudança como um reforço legal. Para Machado, pode haver mudança na prática caso algum magistrado tivesse entendimento mais restrito sobre o tema. Nessa situação, a análise do mérito poderia atrasar anteriormente até a decisão sobre a legitimidade da ACP. Além do Ministério Público, entes federativos e associações com mais de um ano também podem apresentar esse tipo de ação, por exemplo.
Legislação precária
A proposta original de Abdias do Nascimento tentava implantar uma lei específica sobre o tema, tratando inclusive de um fundo de defesa e combate ao racismo. Na justificativa do projeto, ele considerou "inegável" a "precariedade" da legislação da época envolvendo condutas preconceituosas, mesmo com a responsabilização criminal da Lei 7.716/1989. A iniciativa acabou restrita à inclusão de dispositivos na lei da Ação Civil Pública e foi aprovada quase 17 anos depois, em março deste ano.
Clique aqui para ver as mudanças no projeto original.
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