Participação popular

Precisamos efetivar a democracia no Brasil

Autor

  • Cleucio Santos Nunes

    é advogado e vice-presidente Jurídico dos Correios. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos (UniSantos) doutorando em Direito pela UnB e professor nas áreas de Direito Financeiro e Tributário.

11 de maio de 2014, 8h14

Existe uma época da vida em que, normalmente, aprendemos a de uma forma direta deliberar tanto sobre as regras do jogo quanto ao julgamento dos conflitos e das aporias da partida. Quero dizer: sem necessitar de terceiros. Sou de uma geração que, embora já existisse vídeogame, televisão e discos, o game mais divertido era a rua, o futebol de rua. Em grande parte porque vídeogame não era um brinquedo muito acessível, televisão possuía três ou quatro canais e os discos (em vinil)… Ah! Esses, pensando bem, eram curtidos à beça.

As divergências do futebol de rua eram resolvidas, primeiramente, com muitos xingamentos — em geral alusivos à reputação da mãe do adversário. Vez por outra acabava até em empurrões, uns socos para lá outros para cá. O fato é que o futebol não poderia acabar nunca! Caso contrário acabaria o lazer. Some-se o fato de que a garotada morava na mesma rua e teria que se encontrar trivialmente. As controvérsias tinha que ser resolvidas por nós mesmos com muita discussão acalorada. Mas sem o futebol o que iríamos fazer da vida?

Às vezes acredito que esquecemos a sabedoria da infância. É claro que não podemos traçar uma relação direta das simples peripécias do futebol com os complexos problemas de nossa sociedade moderna. Mas se pretendemos alcançar um nível elevado de maturidade democrática teremos que colocar em prática um pouco de instintividade.

A democracia grega, segundo os livros de história, adotava a prática de assembleias com a função de deliberar coletivamente sobre as divergências da sociedade de então no âmbito das Cidades-Estados. Estas eram pequenas comunas formadas por povoados com autonomia política, tais como os próprios atenienses, coríntios e espartanos. É bem verdade que a participação do povo grego nessas assembleias não era em regime de igualdade. Alguns não podiam participar de tais deliberações. Quero chamar a atenção, porém, ao instrumento de participação direta daquela sociedade no processo de deliberação. A assembleia era uma forma de garantir o poder de deliberação da democracia grega anciã.

Com o advento dos Estados nacionais, evidentemente, muita coisa mudou. Reunir assembleias na realidade das Cidades-Estados é muito diferente de pretender o mesmo instrumento de deliberação em sociedades multifacetadas e de massas como na atualidade. Essa complexidade, aliada a grande extensão territorial dos Estados nacionais, realmente inviabiliza a prática de reuniões em assembleias frequentes. Se é tão difícil esse tipo de mobilização em uma simples reunião de bairro ou de condomínio, que dirá para deliberar sobre os temas nacionais ou dos governos locais.

Seja como for, acredito que a participação popular deve ser estimulada. Seguem exemplos dessa possibilidade. No campo das finanças públicas o orçamento participativo pode ser eficaz na viabilização da participação direta da sociedade no processo de escolha sobre a aplicação dos recursos públicos. É razoável que a Constituição Federal preveja setores sociais que terão garantia de investimentos visando-se com o isso a homogeneidade de valores estratégicos. Por exemplo, educação, saúde e segurança pública deverá ter garantida cesta de recursos financeiros a fim de não se fragilizarem suas respectivas políticas. Isso significa definição de escolhas morais fundamentais. Por outro lado, as prioridades de investimentos, como obras públicas, serviços e transferências de recursos entre o setor público e o privado, deveriam ser o resultado de discussões com a própria comunidade, em processo de escolha por meio do voto sobre essas prioridades.

Quanto aos direitos, especialmente os que dispõem sobre dilemas morais profundos, exemplificativamente, questões sobre o processo eleitoral, reforma tributária, maioridade penal, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pesquisas com células-tronco, eutanásia, legalização do aborto, uso de psicotrópicos como terapia de saúde poderão ser objeto de plebiscitos ou referendos.

Esses meios de participação são pouco utilizados sob o precipitado argumento de que a população pode não estar preparada para respondê-las. Isso não é verdade. A democracia pressupõe a liberdade de escolhas de acordo com as condições históricas do momento. Questões morais dependem de níveis de formação de opinião que vão se ampliando em uma extensa rede de informações. O ponto-chave é saber construir a mencionada rede por meio de valores que primem pelo respeito à justiça, à igualdade e ao ser humano como principal sentido de se existir. Sem a supremacia da vida humana nos contextos da justiça e da igualdade, o jogo é mais difícil e menos divertido.

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    é advogado e vice-presidente Jurídico dos Correios. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), doutorando em Direito pela UnB e professor nas áreas de Direito Financeiro e Tributário.

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