Observatório Constitucional

Supremo julga ações penais e inquéritos mais rapidamente

Autor

10 de maio de 2014, 8h00

Spacca
Entre as importantes competências conferidas pela Constituição de 1988 ao Supremo Tribunal Federal, uma das mais polêmicas é a de processar e julgar infrações penais comuns (artgo 102, I, “b” e “c”, da CF/1988), seja pela controvérsia quanto à conveniência do foro por prerrogativa de função, seja pela excepcional oneração da principal Corte do país com matéria estranha, em princípio, à sua principal função: a guarda da Constituição Federal.

Certo é que, a partir da Emenda Constitucional 35/2001 — que revogou a necessidade de licença pela Casa pertinente do Congresso Nacional para processar criminalmente deputados e senadores —, o STF pôde efetivamente exercer esta competência jurisdicional, que paulatinamente domina a pauta de julgamentos e exige cada vez mais dos já sobrecarregados ministros da Corte.

Com efeito, até a EC 35/2001, nenhuma autorização havia sido concedida por qualquer das Casas do Congresso Nacional para o Tribunal iniciar ou sequer continuar inquéritos ou ações penais, que simplesmente permaneciam sobrestados nos escaninhos da Suprema Corte.

Atualmente, tramitam 506 inquéritos e 153 ações penais no STF. Apesar de representarem pouco mais de 1% dos processos em tramitação na Corte, estes feitos requerem inúmeras providências, desdobramentos e atos indispensáveis aos exigentes comandos de ampla defesa e contraditório típicos do processo penal. A complexidade dos casos, a repercussão política, a produção minuciosa de provas, tudo no âmbito dos processos criminais originários demanda esforço imenso por parte da Suprema Corte para julgar as imputações penais antes de consumada a prescrição. O julgamento da AP 470 é só um exemplo de como esses complexos feitos podem, pelo próprio volume, inviabilizar o funcionamento do Tribunal.

De fato, não tardou muito e metade das sessões do Plenário do STF foi destacada para julgar quase exclusivamente os casos penais de competência originária, enquanto pendentes diversas ações diretas de inconstitucionalidade e questões constitucionais de repercussão geral, mais estreitamente relacionadas ao importante papel do STF como guardião da Constituição Federal.

Principalmente a partir de 2008, o STF adaptou suas estruturas para atender adequadamente ao artigo 5º, LXXVIII, da CF/1988, de modo a possibilitar a razoável duração do processo criminal. Entre as mudanças implementadas, duas merecem destaque pelo impacto que tiveram, a saber: (i) a instituição do magistrado instrutor; (ii) a criação de seção de processos criminais.

Quanto ao magistrado instrutor, a Lei 12.019/2009 permitiu ao STF convocar desembargadores e juízes com competência criminal para a realização de atos de instrução nas ações penais originárias. Aprovada no âmbito do II Pacto Republicano, a medida legislativa deu sensível celeridade à produção probatória no âmbito das ações penais, principalmente quanto às oitivas de testemunhas, que eram realizadas majoritariamente por meio de cartas de ordem enviadas a todos o país. As cartas de ordem — que algumas vezes demoravam mais de ano para serem cumpridas — foram substituídas, em grande parte, pela atuação direta de magistrados destacados exclusivamente para tal finalidade, que colhem as provas em poucos dias.

No que se refere à coordenadoria de processos criminais, criada como núcleo em 2008 e depois transformada em órgão da Secretaria Judiciária do STF, tratou-se de destacar e especializar servidores do Tribunal para cuidar especificamente desses feitos. Parece evidente que as providências próprias dos processos criminais, especialmente intimações, publicações e a confecção de certidões e informações, contêm peculiaridades que se diferenciam substancialmente dos demais feitos que tramitam na Corte. Certamente não é conveniente que a comunicação de uma ordem penal misture-se com aquelas provenientes de ações diretas de inconstitucionalidade, recursos extraordinários ou outros feitos.

Essa especialização é que possibilita a racionalização de procedimentos e a adequada gestão de processos. A título de exemplo, cito pequena alteração procedimental, sugerida pelo núcleo, que teve enorme repercussão na celeridade da tramitação: a redução de deslocamento físico dos autos para prorrogação dos prazos para diligência da polícia federal.

Normalmente, as diligências solicitadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nas investigações desenvolvidas nos inquéritos que tramitam no STF são determinadas pelo ministro relator ao Departamento de Polícia Federal (DPF), por prazo certo, em geral, 90 dias. Caso não cumpridas no prazo apontado, o delegado responsável deve solicitar prorrogação do prazo ao ministro relator, após ouvida a PGR. Em primeiro momento, a solicitação era encaminhada junto com os autos, que também eram deslocados à PGR. No entanto, além do custo de transporte desses autos, a cada carga e chegada ao STF, os autos físicos precisam ser conferidos folha a folha para evitar o extravio de páginas e elementos juntados.

Alguns feitos penais — dado o número de páginas, entre centenas de volumes e apensos — levavam mais de três dias só para serem conferidos. Não raro, o deferimento de renovação de prazo levava mais tempo que os 90 dias assinalados pelo Tribunal para efetivação das diligências.

Para evitar os deslocamentos desnecessários, que inclusive interrompiam a efetivação das diligências, a coordenadoria de processos criminais passou a receber apenas o ofício de dilação de prazo, encaminhando ao relator e à PGR cópia digitalizada do feito. A tabela abaixo demonstra a sensível redução não só do tempo de tramitação dos inquéritos no DPF e na PGR, como do número de vezes que cada inquérito precisou ser encaminhado a cada órgão: 

Tramitação de inquéritos
Semestre Tempo médio na PGR (em dias) Quantidade de remessas à PGR (por inquérito) Tempo médio na PF (em dias) Quantidade de remessas à PF (por inquérito) Tempo total de tramitação (em dias)
2004/1 975,8 10,6 311,0 2,9 1.942,1
2004/2 325,3 5,6 126,8 1,0 1.263,2
2005/1 384,3 5,1 74,1 0,7 951,9
2005/2 811,1 12,3 132,7 1,1 1.572,9
2006/1 855,0 7,6 135,6 1,4 1.520,4
2006/2 808,4 6,0 121,3 1,1 1.546,9
2007/1 960,6 8,1 172,2 1,8 1.474,7
2007/2 1.358,3 9,1 190,2 1,5 1.477,5
2008/1 756,7 6,9 247,0 1,9 1.454,9
2008/2 803,8 6,6 229,5 1,6 1.197,4
2009/1 434,9 5,9 131,4 1,2 1.200,1
2009/2 504,4 4,9 212,2 1,4 1.188,5
2010/1 468,0 4,8 187,3 1,5 970,8
2010/2 602,6 5,0 235,6 1,5 864,6
2011/1 407,7 5,6 100,3 0,7 932,8
2011/2 352,9 4,3 131,0 0,9 769,2
2012/1 245,9 4,1 68,8 0,5 572,0
2012/2 183,3 3,2 61,4 0,4 443,6
2013/1 119,1 2,6 87,7 0,7 326,4
2013/2 54,7 1,9 24,9 0,3 145,8

Fonte: Assessoria de Gestão Estratégica/STF.

Nesse sentido, se, no primeiro semestre de 2004, cada inquérito permaneceu, em média, mais de 975 dias na PGR, a média caiu para pouco mais de 54 dias no segundo semestre de 2013. Por outro lado, no primeiro semestre de 2004, cada inquérito foi enviado mais de 10 vezes à PGR, a média foi reduzida a menos de duas vezes no segundo semestre de 2013. Daí a abrupta redução no tempo de tramitação, de uma média de 1.942 dias no primeiro semestre de 2004 para pouco mais de 145 dias no segundo semestre de 2013. 

Em síntese, o STF conseguiu melhorar sensivelmente a agilidade da tramitação dos inquéritos e ações penais originárias, conseguindo julgar o mérito de vários casos, seja para absolver, seja para condenar.

É certo que ainda há muito espaço para racionalizar e acelerar a tramitação dos feitos originários. Vários ministros já externaram sugestões para dinamizar as deliberações em Plenário, a exemplo de recentes sugestões apresentadas pelo ministro Roberto Barroso. Também alguma medida para conter o excessivo acúmulo de documentos, seja nos processos em papel, seja em processos eletrônicos, deve ser pensada.

Entre as providências administrativas mais relevantes que se cogitam no âmbito do Tribunal, destaco duas que terão efeitos quase imediatos: (i) alteração no Regimento Interno do STF (RISTF) para passar a competência de processar e julgar parte dos inquéritos e ações penais para as turmas, como sugerido pela Comissão de Regimento Interno no Processo Administrativo 353.117; (ii) o emprego de videoconferência para a oitiva de testemunhas residentes fora do Distrito Federal.

Interessante constatar que o incremento de efetividade nos processos penais originários resultou na completa inversão das críticas ao Tribunal. Anteriormente, as principais críticas ao foro especial por prerrogativa de função, pejorativamente denominado “foro privilegiado”, relacionavam-se à impunidade decorrente da ausência de autorização para tramitação dos processos criminais. Uma vez que o STF passou a conduzir os feitos criminais e os julgamentos passaram a acontecer, seja para absolver, seja para condenar, o “privilégio” tornou-se “maldição”, dada a ausência de recurso ordinário e duplo grau de jurisdição nos feitos apreciados em única instância pelo STF.

Portanto, as mudanças efetivadas desde a EC 35/2001 marcam decisivos avanços na competência do STF de apreciar infrações penais originárias, mas muito ainda pode ser feito. Na realidade, a demora na apreciação de ações penais só favorece ao ímpio que permanece impune, enquanto o inocente sofre tão somente por estar submetido a processo penal.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio). 

Autores

  • Brave

    é professor no Instituto Brasiliense de Direito Público, doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität de Munique e membro do conselho editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!