Direito e meio ambiente

Na luta pela sustentabilidade, estamos contra as cordas

Autor

  • Eduardo Felipe Matias

    é sócio de Nogueira Elias Laskowski e Matias Advogados Doutor em Direito Internacional pela USP e mestre pela Universidade de Paris com pós doutorado na Espanha pela IESE Business School.. Alguns dos temas aqui abordados foram explorados com maior profundidade em artigos do autor reunidos no blog: http:// eduardofelipematias.blogspot.com.br/ (Twitter: @EduFelipeMatias)

10 de maio de 2014, 9h00

Na luta pela sustentabilidade, a humanidade está contra as cordas. Para o advogado Eduardo Felipe Matias, sócio do escritório NELM, a metáfora do boxeador acuado ilustra a situação em que o mundo se encontra por causa da escassez de recursos e das mudanças climáticas. E acrescenta que, no ringue, somos nossos próprios adversários.

Em seu livro A humanidade contra as cordas, Matias trata da dinâmica da sustentabilidade no contexto da política internacional contemporânea. Discorre ainda sobre o papel das empresas, do Estado e dos organismos de governança global na promoção de mudanças. Ele falou sobre assunto em entrevista ao Podcast Rio Bravo.

Eduardo Felipe Matias é mestre em Direito Internacional pela Universidade Paris II e professor visitante na Universidade de Columbia, em Nova York.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Por que a humanidade está contra as cordas?
A humanidade está contra as cordas porque a gente se colocou nessa situação, então acho que é esse o primeiro ponto importante que o livro aborda. Essa luta pela sustentabilidade é uma luta que nos deixa contra as cordas e ficamos surpresos ao descobrir que o adversário nessa luta, somos nós mesmos. Olhamos para o outro lado e vemos que o responsável por nos colocar nessa situação de perigo somos nós. Isso acaba nos deixando atordoados e com uma reação mais difícil do que a esperada. Então, estamos, sim, numa situação difícil, não adianta esconder. Uma situação difícil pela escassez de recursos, pelas mudanças climáticas, que coloca em prova o nosso modelo de desenvolvimento, de economia. Por isso que uso essa imagem do boxeador contra as cordas, pois nos colocamos nessa situação e não temos muita ideia de como sair dela.

Faltam contrapropostas para esse enfretamento?
Existem meios. Eu abordo alguns deles no livro, tanto aqueles que dependem da ação pública quanto os que dependem de ação privada. Por isso eu falo muito sobre empresas, esse lado da ação privada e também falo muito sobre o papel do Estado, o lado da ação pública. Mas, de fato, não é simples essa luta, não é simples sair das cordas. Temos que ter uma habilidade muito grande e, até mais que isso, uma vontade muito grande para poder se colocar numa situação melhor do que a que está hoje. Quer dizer, nós somos um boxeador com recursos para reagir, o problema é que nesse momento nós estamos acuados e, talvez, não tenhamos a vontade necessária para reagir da forma devida. Nós não temos essa força de vontade, fazendo uma analogia com o ser humano mesmo, para reagir a essa situação. Então, de fato, esse sim é o ponto crucial, nós temos recursos, temos habilidade, mas ela no fim exige um conserto muito grande, uma coordenação muito grande de esforços.

Qual é a atuação que se espera da iniciativa privada?
As empresas são essenciais nesse esforço, nessa reação, pois são grandes atores econômicos no mundo de hoje. No meu livro anterior, A humanidade e suas fronteiras, eu falo muito da ascensão das empresas transnacionais como um novo ator internacional, que vem não a substituir os Estados, mas a influenciar poderosamente os Estados e a forma de ação dos mesmos. É engraçado porque aquele outro livro fala da crise asiática de 1997, e nesse novo livro é uma nova crise que é analisada, a de 2008. Tanto naquela ocasião como nessa, as empresas transnacionais e, por conseguinte, a globalização, que é o movimento no qual elas estão muito atreladas, têm um papel fundamental, um papel que tem a ver com os incentivos que são concedidos a essas empresas. Então, sem envolver as empresas, sem trazer elas para essa briga, dificilmente nós vamos conseguir reverter a crise ambiental.

Qual deve ser o papel do Estado nessa dinâmica?
O papel do Estado é fundamental, falo bastante do papel da empresas, mas também falo bastante do papel do Estado. É difícil acreditar que essas inovações vão acontecer se os Estados não fizerem sua parte ou não derem os estímulos necessários para que as inovações aconteçam. O Estado tem que estimular inovação e, ao mesmo tempo, proteger a inovação. Tem que apostar em pesquisa e desenvolvimento e também permitir que as empresas colham os benefícios dessa pesquisa, e estou falando só de um aspecto, o da inovação. Se pensarmos em um aspecto que vai além disso, o grande sinal que poderia ser dado na economia na direção de uma economia mais verde, é a precificação do carbono. É incorporar nos produtos e nos serviços o custo socioambiental que eles têm. Todo produto ou serviço têm algum custo socioambiental, e as empresas, hoje, jogam para a sociedade esses custos, essas externalidades, quem acaba suportando os custos da poluição somos nós, tem os hospitais que tratam das pessoas com problemas respiratórios e por aí vai. Então o Estado tem essa arma da tributação, por exemplo, que permitiria precificar o carbono, conferir um preço, um valor para as emissões de gases de efeito estufa e com isso dá um sinal para as empresas de que elas precisam mudar a maneira de ser.

Como a crise econômica e a crise de modelo do desenvolvimento se relacionam?
A palavra chave nessa questão é incentivo. Nós temos incentivos perversos, que levam tanto à crise econômica quanto à ambiental. Quando falamos na crise econômica, prevalece a ideia de que a nossa forma de organização econômica que leva o curto prazo a prevalecer sobre o longo prazo, que leva à busca de bônus, de verificação de resultados trimestrais, não importando se os resultados semestrais são obtidos em detrimento do futuro da empresa, de resultados de longo prazo. De fato, isso se aplica perfeitamente também à questão ambiental, da sustentabilidade, que também depende do longo prazo, uma visão diferente daquela que predomina até hoje. Tudo que tem a ver com a crise ambiental, com a escassez de recursos, pelo excesso de uso e mesmo as mudanças climáticas por excesso de emissões, está diretamente relacionada aos problemas de incentivos, que também afeta a questão econômica.

As empresas têm atuado de acordo com esse modelo ou isso ainda está distante da nossa realidade?
Não acho que esteja distante, infelizmente é mais incipiente do que gostaríamos. Mas existem empresas que se deram conta de que há um verdadeiro funil da sustentabilidade, significa que existe uma pressão muita grande que é exercida por essa escassez de recursos, pela mudança na mentalidade dos consumidores, e essa mudança leva a esse funil da sustentabilidade a se estreitar cada vez mais. Algumas empresas que já perceberam isso estão passando pelo funil ou já passaram, e elas esperam com isso colher benefícios mais para frente. Essas são aquelas empresas pioneiras, que acham que ao apostar nesta tendência, vão sair na frente e irão colher benefícios. Outras que ficam para trás correm o riscos de desaparecer por não conseguir passar pelo funil. Então existe sim esse movimento, mas ele é ainda pequeno. A tendência é que esse funil se estreite cada vez mais, a sustentabilidade é uma tendência, então as empresas que perceberem isso antes, seja por uma percepção de negócio e por verem oportunidades nisso ou por serem pressionadas a fazer isso. Não podemos esquecer, por exemplo, que existe hoje um movimento muito grande para cobrar comportamentos mais sustentáveis dos próprios fornecedores. Existe uma pressão que as empresas exercem sobre as próprias empresas, e também uma pressão do poder público e dos próprios consumidores. Às vezes, você tem uma relação contratual hoje entre empresas, isso tem acontecido com frequência. Empresas que colocam os seus contratos com fornecedores, cláusulas que determinam que os fornecedores tenham de ter um comportamento mais sustentável, pois essas empresas passaram pelo funil e não querem ser puxadas para trás por um fornecedor que tem um comportamento incorreto. Percebemos esse movimento, mas é claro que ele tem que ser maior, para gerar o efeito necessário para reverter o quadro atual.

Como o Estado pode ajudar a promover esse tipo de iniciativa?
Poderia ser um importante aliado das empresas, para fazer com que essas empresas que passam pelo funil de fato se beneficiem. Eu uso no livro uma imagem, que é do círculo virtuoso da sustentabilidade, é inclusive a conclusão do livro. Eu mostro por meio dessa imagem, que as empresas, as pessoas, os políticos, os Estados, os governos, todos aqueles que já passaram por esse funil ou que perceberam que a sustentabilidade é hoje uma necessidade, precisam começar a formar coalizões que levem as legislações a serem mais estritas, que levem as empresas a serem mais atuantes, que deem benefícios para aqueles que têm comportamentos adequados. Nós temos um balanço, quando se fala em vontade política, temos um balanço de poder e de forças, hoje as forças ainda tendem para o lado da economia baseada em combustíveis fosseis, para pouca preocupação com o meio ambiente e com a sustentabilidade em geral. Para as empresas que são maquinas de externalizar os seus custos, então temos que fazer com que essa balança penda para o lado das outras, do grupo que já percebeu que a sustentabilidade não é só uma tendência, mas uma necessidade.

E o papel do consumidor? Ele diminui por pressão do Estado e da iniciativa privada ou permanece igualmente relevante?
Ele é muito relevante, o que estamos falando aqui, e outra palavra chave tem que ser trazida sempre para o debate, é a questão da conscientização. Por isso, eu fiz questão de escrever um livro muito acessível para um grande público, em termos de linguagem. Trazer debates que são importantes, para que muitas pessoas possam opinar e entender o que está acontecendo. O consumidor consciente é um ator poderosíssimo dentro desse círculo virtuoso da sustentabilidade, e de fato a conscientização também é algo que depende de muitos atores. Depende inclusive do Estado, então a educação é uma arma fundamental na aceleração desse círculo virtuoso, pois o consumidor consciente e educado vai pressionar as empresas para mudar esse comportamento também.

De que modo a chamada governança global pode influir na melhoria das condições de vida e sustentabilidade?
É essencial que esses outros atores se envolvam também nessa luta. Digo isso remetendo ao meu livro anterior, em que mostro não só como as empresas surgem como novos atores, mas como as organizações internacionais também surgem como novos atores que limitam, inclusive, o poder dos Estados. Sem o engajamento de algumas organizações internacionais não conseguimos reverter o problema. Mais do que isso, algumas delas podem até trabalhar contra a sustentabilidade, se não tomarmos cuidado. Por exemplo, a OMC, que é uma organização que preza e lida com o livre comércio e que dependendo do tipo de peso que ela dá a sustentabilidade, vai acabar deixando em segundo plano a questão do desenvolvimento sustentável. Envolver esses autores é essencial e a ONU é o ator mais importante até hoje, porque as negociações climáticas se dão no âmbito da organização, e aí surgem críticas porque ela decide por consenso e, ao decidir por consenso, temos muitos impasses nessas negociações, além de não conseguir chegar a acordos que sejam efetivos para os países que não o cumprirem. Sem que esses mecanismos internacionais sejam também acionados, fica muito difícil a mudança climática, que é por natureza um problema global, então tem que ser tratada em âmbito global. Apostar somente na ONU pode ser um "furo na água", porque ela por exigir consenso, leva a impasses e, portanto, a uma ação muito lenta, às vezes ineficaz. Então é preciso acionar diversos outros atores ao mesmo tempo.

Surge a necessidade um ator mais forte que irá guiar os demais?
Eu não acredito nisso, não acredito em uma solução única, de um Estado ou um mecanismo. O problema é tão grande, ligado a diversas atividades econômicas. Tem a ver com nossa forma de nos transportar, de nossa energia, nosso dia a dia mesmo, que depende de muitos atores envolvidos para reverter esse problema. Não vejo solução que não seja esse acionamento do círculo virtuoso, com diversos atores e mecanismos, tudo ao mesmo tempo. Pois sem isso, essa questão da urgência do tempo, nós sabemos que o resultado não vai ser positivo. No mínimo, existe uma perspectiva, muito difícil de ser contornada, de que haja algum tipo de mudança climática até o final do século. O IPCC, órgão da ONU que faz estudos sobre esse assunto, já mostra como isso está ocorrendo. Não dá para ignorar que teremos que nos adaptar de alguma forma a algum tipo de mudança climática. É uma realidade. Achar que ela pode ser revertida facilmente por meio de algum mecanismo ou ator me parece um otimismo excessivo, que pode levar à paralisia, esperar uma solução mágica, que nuca virá e vamos acabar sofrendo consequências mais sérias.

Clique aqui para ouvir a íntegra.

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    é sócio de Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados, Doutor em Direito Internacional pela USP e mestre pela Universidade de Paris, com pós doutorado na Espanha pela IESE Business School.. Alguns dos temas aqui abordados foram explorados com maior profundidade em artigos do autor reunidos no blog: http:// eduardofelipematias.blogspot.com.br/ (Twitter: @EduFelipeMatias)

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