Exigência ilegítima

MP 627 é inconstitucional ao tributar pessoa física

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6 de maio de 2014, 9h48

O artigo 89 da Medida Provisória 627/2013 prevê que o sócio controlador pessoa física que detiver participação societária em empresa localizada no exterior, em país sob regime de subtributação ou tributação favorecida, ou ainda, cujos documentos de constituição não sejam de domínio público, estará obrigado, a partir de 2015, ao recolhimento do Imposto de Renda sobre o lucro apurado no balanço da empresa estrangeira, independentemente da sua distribuição.

Essa nova sistemática de apuração do IR onera, sobremaneira, as pessoas físicas controladoras de empresas estrangeiras, tendo em vista que estarão sujeitas ao recolhimento do imposto de renda antes de o lucro apurado pela pessoa jurídica ser distribuído. Criou-se, portanto, uma presunção jurídica de disponibilização da renda, alterando o fato gerador do imposto de renda previsto no artigo 43 do CTN, o qual pressupõe a efetiva disponibilização dos lucros.

É que, enquanto não efetivada a sua distribuição, os lucros apurados no balanço permanecem no patrimônio da pessoa jurídica, caracterizando mera expectativa de renda aos sócios. Especialmente para as pessoas físicas, sujeitas ao regime contábil de caixa, não se pode cogitar de acréscimo patrimonial antes de efetivado o pagamento/crédito do lucro apurado no balanço da empresa controlada.

Diferentemente do que com as pessoas jurídicas, sujeitas ao regime de competência, o sócio controlador pessoa física não se valoriza com a simples apuração do resultado da empresa investida. Apenas quando distribuído o lucro apurado na empresa investida — ou ao menos deliberada a sua distribuição — é que passará a integrar o patrimônio do sócio pessoa física, podendo cogitar-se do acréscimo patrimonial indispensável à caracterização do fato gerador do imposto de renda, tal como previsto no artgo 43 do Código Tributário Nacional.

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 541.090, no qual se discutiu a legitimidade da exigência de imposto de renda do sócio pessoa jurídica, relativamente aos lucros apurados no balanço da sociedade domiciliada no exterior, ressaltou que “não se pode considerar que a apuração do lucro de pessoa jurídica signifique disponibilidade de renda para os seus sócios pessoas físicas”. No caso da pessoa física, “há dois entes separados e bem definidos: a própria pessoa física e seu patrimônio”.

O mesmo entendimento foi aplicado pelo STF quando julgou a inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei 7.713/88, que previa que o acionista ficaria “sujeito ao imposto de renda na fonte, à alíquota de oito por cento, calculado com base no lucro líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do período-base.”

Tal dispositivo — cuja redação é muito semelhante à adotada pela Medida Provisória em análise – foi reputado inconstitucional pelo Tribunal Pleno do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 172.058-1, ocorrido em 30 de junho de 1995. Naquela oportunidade, concluíram os ministros do STF, que a simples apuração dos lucros no balanço da pessoa jurídica, traduz-se como mera expectativa de renda aos acionistas e “enquanto simples expectativa, longe fica de resultar na aquisição da disponibilidade erigida pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional como fato gerador”.

No julgado em referência, os ministros ressaltaram, ainda, que o mesmo raciocínio se aplica aos sócios cotistas, advertindo que “relativamente às sociedades por quotas, cumpre sempre perquirir, à luz do contrato social, a disciplina do lucro líquido. Prevista a imediata disponibilização econômica ou mesmo jurídica, tem-se o fato gerador fixado no artigo 43 do Código Tributário Nacional”.

Ou seja, se não prevista no contrato social da sociedade a imediata disponibilização dos lucros aos sócios, a exigência de imposto de renda pelo só fato de terem sido apurados no balanço da pessoa jurídica também deve ser reputada ilegítima.

Desse modo, considerando o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, entendemos que, caso o artigo 89 da Medida Provisória 627/2013 seja convertido em Lei, poderá ser questionado no Judiciário pelos contribuintes, sendo flagrante a sua ilegalidade e inconstitucionalidade.

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