Problema central

Novo CPC não vai diminuir o número de processos no Brasil

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6 de maio de 2014, 10h54

O novo Código de Processo Civil (CPC), em análise no Congresso Nacional, tem alguns avanços, outros recessos. Mas, a questão maior é que não diminuirá o número de processos, poderá até aumentar.

O problema do excesso de processos judiciais no Brasil decorre da falta de controle sobre a gratuidade judicial (justiça gratuita), o que acaba tornando o processo sem risco algum, logo um meio eficiente de procrastinar o dever de cumprir as obrigações.

Não é mudando nome de recurso, ou prazos, que a situação processual irá melhorar. O meio jurídico propõe várias “soluções” paliativas, mas não se discute o problema central que é a justiça gratuita, uma vez que isto pode reduzir o mercado de trabalho.

Imagine que o sistema jurídico é uma “indústria processual”, então tem que vender o seu produto que é “processo”. Isto é o mesmo que ocorre na “indústria automobilística” que tem que vender o seu produto que é “carro”, ainda que inventando (criando) demandas e inovações.

As custas não são cobradas nem mesmo ao final do processo, apesar de previsão no artigo 12 da lei 1.060/50. A justificativa para tudo isso é romantizada como “justiça suprema”, algo que como quase divino, embora as discussões girem em torno de dinheiro, este dinheiro no meio jurídico não é um bem material qualquer, mas um bem quase que divino (a filosofia e a sociologia explicam isto, o que não será aprofundado neste breve texto).

Comprar um carro é um ato de consumo, material, mas discutir o valor do carro em juízo é um ato sagrado, algo purificador.

Basta citarmos que 40% dos processos no Brasil são execuções fiscais, ou seja, praticamente o único país no mundo que prioriza a judicialização dos débitos com a Fazenda Pública e gasta, em torno, de R$4 mil para cobrar menos de R$1 mil . E há pouca discussão sobre esta questão no meio jurídico.

Ocorre que este sistema mantém varas funcionando, servidores, juízes, promotores e advogados trabalhando.E além disso, promoções, remoções e nomeações. Logo, esta situação beneficia alguns grupos, embora prejudique a população, a justificativa é que evita os abusos do Estado na cobrança, mas não se mostra estatisticamente os resultados desta “proteção”.

O Novo CPC não altera substancialmente a questão da justiça gratuita, e nem trata da triagem da Execução Fiscal. Contudo, estes dois pontos é que são os responsáveis pelo demandismo no Brasil.

No mundo há 2,2 mil faculdades de Direito, sendo que destas 1,2 mil são no Brasil. Portanto, o Brasil sozinho tem mais faculdades de Direito que o mundo todo, e ainda alega-se que temos falta de assistência jurídica e de justiça. O que é um paradoxo, mas explicável pelo fato de que o sistema não atende ao povo (usuário), mas aos prestadores do serviço (bacharéis).

Embora não se afirme publicamente, mas soluções como mediação, conciliação e outros extrajudiciais são rejeitados pelo meio jurídico, afinal temem perda de mercado de trabalho e concorrência com outras carreiras. A formação nas faculdades de Direito é para se degladiar processualmente e por tempo ilimitado, pois aumenta o “lucro do sistema”.

Conforme dados do Cadastro Único de programas sociais do Governo Federal pode-se concluir que 30% da população está inscrita no mesmo. Mas, analisando a gratuidade concedida nos processos judiciais não se vê este público na demanda, mas sim pessoas que poderiam pagar advogados e custas. Mas, que são isentadas sem controle algum.
Afinal, quanto mais processos, melhor, e litigar sem risco de pagar custas e ainda sendo beneficiada com juros fixados judicialmente abaixo dos de mercado, isto aquece o “mercado judicial”.

Quanto á promessa do novo CPC de focar na uniformização da jurisprudência, esta é uma boa intenção, mas que dificilmente funcionará. Afinal, haveria uma disputa de poder entre primeira e segunda instância. Além disso, a nossa cultura tende a focar excessivamente na independência judicial em vez da segurança jurídica do ordenamento jurídico. E ainda, quanto mais decisões contraditórias, melhor para o “mercado jurídico”, pois obriga as pessoas a “apostarem” na “loteria judicial”, a qual varia a cada semana e esta insegurança aquece o mercado de apostas (ações).

Basta relembrarmos de recente pesquisa em que se constatou que os tribunais publicam poucas súmulas uniformizadoras. Afinal, é melhor decidir a mesma coisa milhões de vezes repetidamente, pois mais cargos e mais verbas recebem. Além disso, uniformizar gera mais exposição e então acaba por não ser prioridade.

Outro exemplo é na área trabalhista em que ao considerarem as Comissões de Conciliação Prévias como “inconstitucionais”, acabaram sendo premiadas com mais varas e mais cargos,o que beneficia o sistema jurídico.

Na área dos TRFs também prevalece esta questão. Afinal, os “clientes” são em geral a Caixa Econômica Federal e INSS em questões repetitivas, não sendo crível imaginar que os TRFs não consigam selecionar os 20 temas mais comuns e sumular as questões. No entanto, se o número de processos diminuírem acaba-se o argumento para se instalar mais TRFs (mais cargos e promoções para servidores, juízes e outros setores indiretamente interessados).

Neste mercado lucrativo há disputa também para saber quem será o “dono dos pobres” e ficar com a verba bilionária que o Estado gasta com “justiça gratuita”. Afinal, o que chama de “gratuidade” é pago pelo Estado, por isto há setores disputando quem terá domínio, enquanto isto nada se fala sobre comprovar quem seria o pobre. Nem mesmo discute-se a possibilidade de vários prestarem serviço ao pobre, este se tornou invisível e objeto de interesse de curatela (interdição civil) por setores.

Tornou-se tão banal pedir justiça gratuita na inicial “por ser pobre nos termos da lei” que nem se sabe se realmente o cliente sabe que o advogado requereu gratuidade. E o curioso é que não se pede gratuidade na contestação, pois a gratuidade na inicial é ampla, mas a lei não dá esta interpretação.

Muito mais lógico seria permitir que o cidadão pudesse ajuizar ações civis públicas, mas o controle estatal prefere ampliar o número de pessoas de direito público em vez de democratizar o acesso judicial. Nada se fala na questão da vedação de ações civis públicas para questões tributárias, o que tem implicado em milhares de ações tributárias repetitivas.

Até mesmo o Judiciário quer manter controle e tenta judicializar a conciliação em vez de ser extrajudicial.

Por outro lado, se uniformizarem os julgados as pessoas deixam de apostar, jogar, ou seja, ajuizar ações, principalmente se souberem que ao final terão que pagar custas e ainda juros acima dos de mercado (isso o novo CPC nada fala).

É fácil imaginar um dos motivos que aumentam a quantidade de ações. Se fizer o acordo extrajudicialmente o advogado não tem previsto em lei os honorários de sucumbência de 10% a 20%, mas se fizer judicialmente tem a previsão dos honorários de sucumbência. E se perder a ação judicial quem paga é o cliente, mas se ganhar a ação quem fica com os honorários é o advogado. Logo, o risco para a advocacia é nulo, e para o cliente é diminuído em face de não pagar as custas.

Em regra, o réu perde a ação, exceto nas ações por dano moral. Na Itália há pesquisa no sentido de que o autor vence 80% das demandas, mas no Brasil não se interessa muito por este tipo de pesquisa por temer redução de mercado de trabalho para o meio jurídico.

Em suma, o novo CPC não diminuirá o número de ações judiciais e pode até aumentar. Se desejarem resolver a questão basta controlarem e regulamentarem a questão da justiça gratuita e estabelecer um custo maior para quem perder a ação judicial, pois isto estimularia o uso da conciliação extrajudicial ou judicial.

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