Denúncia rejeitada

Posse de celular em presídio não é crime de receptação

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5 de maio de 2014, 17h49

Aceitar denúncia-crime contra apenado pego na posse de aparelho celular leva a exageros punitivos que permitiriam, por exemplo, imputar crime de receptação aos que consomem droga dentro do sistema prisional. O argumento prático levou a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a conceder Habeas Corpus para trancar ação penal ajuizada contra um detento que cumpre pena na Penitenciária Estadual de Charqueadas. Ele foi denunciado por receptação após ser flagrado na posse de telefone celular.

Na fundamentação jurídica, a relatora do recurso, desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, ponderou que o crime previsto no artigo 180 do Código Penal conserva ‘‘acessoriedade material’’ com um crime antecedente, não necessariamente classificado como ‘‘crime patrimonial’’. Seria indispensável, então, que esse crime antecedente tivesse valor monetário ou utilidade mensurável economicamente, correspondendo a um prejuízo.

No entanto, segundo ela, a denúncia descreve crime formal, que não produz ‘‘resultado naturalístico’’ passível de corresponder a objeto material do crime de receptação.

‘‘É exatamente o caso do crime previsto no art. 349-A do CP, formal e de perigo abstrato, cujo resultado naturalístico, porventura existente, não causa interferência na órbita patrimonial do sujeito passivo, que vem a ser o Estado e, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci, em um segundo plano, a sociedade’’, escreveu no acórdão.

Na percepção da julgadora, a pretensão acusatória somente seria admissível se o inquérito policial informasse que o celular apreendido fosse produto de algum crime que produzisse ‘‘resultado naturalístico’’ passível de ser objeto do crime de receptação, a exemplo de delitos de roubo, furto, peculato e outros.

Para ela, a conduta é tipificada como crime justamente para evitar que o aparelho de comunicação entre irregularmente no estabelecimento prisional. No entanto, uma vez que tenha entrado, e sido possuído por um apenado, resta apurar a conduta e puni-lo pela prática de falta grave.

‘‘Se a punição se mostra insuficiente, importa, em um plano de lege ferenda [lei ainda não aprovada], tipificá-la como crime. Todavia, não é dado ao operador do Direito extrapolar a interpretação de uma norma penal para incriminar conduta que deveria ser tipificada como crime, atuando como legislador fosse’’, concluiu a desembargadora-relatora. O acórdão foi lavrado na sessão de 10 de abril.

A denúncia
O fato delituoso ocorreu no dia 18 de março de 2013, por volta das 19h, na cela 15 da galeria A na Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC). Conforme a literalidade da denúncia, o paciente conduziu e ocultou, para proveito próprio e alheio, coisa que sabia ser produto de crime. Com isso, incorreu nas sanções previstas no artigo 180, caput, do Código Penal, que típica a receptação. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O juiz da 2ª Vara Criminal da comarca de Charqueadas, que recebeu e acolheu a denúncia, informou que o aparelho apreendido pela segurança do presídio é produto de crime, sendo o réu reincidente. O ingresso de telefones em estabelecimentos prisionais, sem autorização legal, é crime tipificado pelo artigo 349-A do mesmo Código.

Inconformada, a defesa do paciente entrou com recurso no TJ-RS, pedindo o trancamento da denúncia. Em sede de Habeas Corpus, argumentou que não se fazia presente a justa causa para amparar o ajuizamento da ação penal. O prejuízo, se houve, teria ocorrido apenas na esfera da execução penal. É que o denunciado cumpre pena no regime fechado e está próximo de progredir de regime carcerário.

A defesa observou que o fato não constitui crime, mas mera contravenção penal. Isso porque a punição prevista para quem ingressa com celular na prisão é de três meses a um ano de detenção. Logo, se a conduta antecedente não se trata de crime, não há como imputar ao paciente a prática do crime de receptação.

Clique aqui para ler o acórdão. 

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