Liberdade de expressão prevalece sobre direito à honra
3 de maio de 2014, 9h03
Em situações limítrofes de conflito entre a proteção à imagem e à honra e o direito à liberdade de expressão, deve-se sempre prestigiar a liberdade, uma vez que é perigoso para a democracia alargar os limites da censura para opiniões contrárias às decisões estatais. Essa foi a fundamentação da juíza Maria Christina Berardo Rucker, da 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro, para julgar improcedente uma ação do banqueiro Daniel Dantas contra o blogueiro Paulo Henrique Amorim.
Na ação, Dantas alegou que são frequentes os textos publicados por Paulo Henrique Amorim em seu blog Conversa Afiada e que, devido a isso, já processou o blogueiro 13 vezes pedindo indenização por danos morais. Segundo Dantas, mesmo com as constantes ações, Paulo Henrique Amorim continua publicando ofensas.
Em sua petição, Dantas afirma que é ofensivo o apelido de "passador de bola apanhado no ato de passar bola" utilizado pelo blogueiro ao se referir à sua pessoa.
Além disso, Dantas sustenta que, nessas postagens, o blogueiro também o acusa de ter sido beneficiado por um suposto favorecimento do Judiciário em decisões que apontaram falhas nas investigações da operação satiagraha, da Polícia Federal, insinuando que há relação entre ele e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Dantas também pede indenização devido à publicação de charges que, segundo ele, denigrem sua imagem.
Representado pelo advogado Cesar Klouri, Paulo Henrique Amorim contesta, alegando que Daniel Dantas está envolvido em inúmeros escândalos noticiados, não possuindo reputação ilibada, uma vez que sua imagem já foi atingida anteriormente. Sustenta ainda que as críticas são feitas por meio de figuras de linguagem, como a caricatura, o humor e o exagero, mas sem intenção de abalar a honra. Segundo o blogueiro, seu objetivo é informar e criticar a atuação de figura pública.
Ao analisar os argumentos, a juíza Maria Christina deu razão ao blogueiro. De início, registrou que as críticas feitas por Paulo Henrique Amorim ao Judiciário e seus integrantes não atingem a honra de Dantas. “A acusação de suspeição e impedimentos de ministros e juízes pode ser atentatória à honra daquelas pessoas, não sendo injuriosa a pessoa do réu, uma vez que a conduta desonrosa não foi a ele imputada. Salienta-se que, em casos de grande repercussão e comoção, em que a opinião pública fica dividida, a polêmica continua a despeito das decisões judiciais em qualquer sentido e o debate deve ser fomentado e não censurado”, explica.
Quanto às charges, a juíza pontuou que as sátiras e as charges não costumam atingir a honra, uma vez que já se valem do exagero, da ironia e da ambiguidade para veicular a sua crítica. Ao analisar o caso específico, a juíza entendeu que as notícias tiveram como base denúncias e processos em que ocorreram decisões favoráveis e contrárias ao autor, levando ao debate e à polêmica.
Segundo Maria Christina, nos textos citados no processo, o blogueiro faz críticas que beiram o limite da liberdade de expressão, mas que, em situações limítrofes entre liberdade de expressão e direito à honra, deve prevalarecer a liberdade. “Vale salientar que os termos utilizados pelos jornalistas não podem ser interpretados de acordo com conceitos técnicos, mas buscam atingir a população de uma forma fácil e divertida. Realmente, as críticas feitas ao autor beiram o limite do direito à liberdade de expressão, por se utilizar de mecanismos como charge, ironia, exagero e caricatura. Em situações limítrofes, deve-se sempre prestigiar a liberdade, posto que é perigoso para a democracia alargar os limites da censura para opiniões contrárias às decisões estatais”, conclui.
Metralhadora giratória
Paulo Henrique Amorim e Daniel Dantas se enfrentam em diversas ações judiciais, com decisões favoráveis a ambos. Em outubro de 2013, o juiz Guilherme Pedrosa Lopes, da 50ª Vara Cível do Rio de Janeiro, julgou improcedente um pedido contra o blogueiro por considerar que a reprodução de fatos com respaldo em investigações e notícias veiculadas pela imprensa não dá direito a indenização por danos morais e materiais.
Em agosto, o juiz Leonardo Hostalacio Notini, da 43ª Vara Cível do Rio de Janeiro, também negou um pedido feito por Daniel Dantas. Na sentença, afirmou que não atenta contra os direitos individuais do cidadão a divulgação, pela imprensa, de fato jornalístico ou imagens cuja intenção é de esclarecimento à opinião pública, ainda que a matéria tenha natureza crítica e "estilo linguístico peculiar".
Mas, em março de 2013, o Superior Tribunal de Justiça negou liminar para suspender o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou Paulo Henrique Amorim a pagar R$ 250 mil de indenização a Daniel Dantas por publicações ofensivas em seu blog. No STF, porém, o ministro Celso de Mello deferiu a liminar. Na primeira Reclamação levada ao Supremo, o relator seria o ministro Marco Aurélio, e Amorim desistiu do pedido. Dias depois, ele entrou com nova Reclamação, que foi distribuída a Celso de Mello, e o blogueiro decidiu manter o pedido.
A concessão da liminar baseou-se na decisão proferida pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, na qual a corte declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) é incompatível com a Constituição. O ministro também levou em conta a Declaração de Chapultepec, que enfatiza que o exercício da liberdade de imprensa “não é uma concessão das autoridades”, e sim “um direito inalienável do povo”.
Em maio de 2012, o blogueiro chegou a ser condenado três vezes na mesma semana, pela primeira e segunda instâncias fluminenses, a indenizar Dantas por comentários no blog e no programa Domingo Espetacular, da Rede Record. Em março do mesmo ano, a 19ª Vara Cível do Rio de Janeiro julgou improcedente outra ação indenizatória movida pelo banqueiro.
A atuação de Paulo Henrique Amorim em seu blog é constantemente discutida na Justiça. O apresentador tem um histórico de condenações por textos publicados. Já foi condenado a indenizar, por ofensas, além do próprio Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o diretor geral de jornalismo e esportes da TV Globo, Ali Kamel, e o jornalista Heraldo Pereira, também da rede Globo.
Além das ações por danos morais, o blogueiro também responde a ações penais por injúria e racismo. No último dia 10 de abril, Paulo Henrique Amorim foi condenado pelo crime de injúria por ter se referido ao colunista do jornal O Globo Merval Pereira como “jornalista bandido”. A pena fixada foi de 1 mês e 10 dias de detenção, mas foi substituída por restrição de direitos. A decisão foi do juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior, do Juizado Especial Criminal de São Paulo.
Clique aqui para ler a sentença da 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro.
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